Polícia Federal fecha o cerco a extremistas e busca extradição de blogueiro
PF esteve nos EUA; rede de desinformação da extrema direita é alvo dos dois países
Ricardo Brandt
Na lista de assuntos da primeira viagem oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos Estados Unidos, em fevereiro, estava a cooperação jurídico internacional entre autoridades de investigação dos dois países, contra grupos de extrema direita e suas redes de desinformação. Um dos alvos das tratativas é o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que refugiou-se nos Estados Unidos em 2021.
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O dono do canal Terça Livre, no YouTube, teve a prisão preventiva decretada no Brasil em 5 de outubro de 2021. A ordem foi do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos principais dos ataques bolsonaristas.
Nas duas últimas semanas, Allan do Santos voltou a atacar. Em um perfil novo no Instagram, ele publicou mensagem em que diz que o "povo brasileiro" deve aprender "com os EUA e jamais fique unindo aos comunistas que hoje o escravizam".
"O desejo de meus inimigos é acabar com minha liberdade, destruir minha família e me impedir de cuidar de minha filha doente. O desejo de Deus é outro. Que os EUA continue [sic] esse país abençoado e livre. Que o povo brasileiro aprenda com os EUA e jamais fique unido aos comunistas que hoje o escravizam", escreveu Allan.
Na semana passada, logo após a visita de Lula a Biden, o blogueiro ressurgiu nos noticiários. Publicou em um outro perfil do Instagram uma provocação a Moraes. Na postagem, Allan dos Santos aparece em uma imagem em que mostra um documento, que diz ser sua autorização de trabalho nos Estados Unidos. E escreve logo abaixo, "Chora, Xandão. Foragido é seu forevis".
As contas são criadas e depois bloqueadas. Junto com a ordem de prisão, Allan dos Santos teve banida suas contas em redes sociais. A conta usada na semana passada foi criada em 31 de janeiro e tinha mais de 100 mil seguidores.
Extradição
Ao decretar a prisão, Moraes determinou o início do processo de extradição de Allan de Santos. Desde 15 de novembro de 2021, o Departamento de Estado Norte-Americano recebeu o pedido brasileiro, conforme registra relatório da PF sobre o processo.
O pedido feito em 2021 por Moraes é parte do inquérito 4784, do STF, que apura milícias digitais desde 2020.
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As condutas de Allan dos Santos são alvos de dois inquéritos abertos no STF. As investigações atingem o núcleo político de confiança do clã Bolsonaro. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também é, indiretamente, alvo das investigações. Ele está no Estados Unidos, desde 30 de dezembro.
O governo Lula retomou em janeiro o processo de extradição de Allan dos Santos, que ficou parado em 2022. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou a medida como uma das prioridades nas apurações sobre grupos extremistas, especializados em divulgação de fake news.
O ministro da Justiça e Segurança Pública afirmou no fim de fevereiro que os Estados Unidos pediu mais informações sobre o pedido de extradição, em entrevista ao Estadão.
Intercâmbio
Na visita de Lula aos Estados Unidos, o emissário do tema foi o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que viajou com a comitiva presidencial, no primeiro encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden.
O chefão da PF teve em agenda pessoal uma visita ao FBI (Federal Bureau of Investigation). Na reunião com FBI, um dos assuntos foi a troca de informações sobre o combate às redes de desinformação dos grupos extremistas.
O processo de extradição formal não passa pelo FBI, mas dados das apurações sobre os extremistas de extrema direita interessam às duas autoridades, segundo apurou o SBT News.
O DRCI é que "atua como autoridade central brasileira nos casos de extradição ativa e passiva" - ativa é quando Brasil requer a outro país uma extradição e passiva é quando é requisitado, por outra nação. Ele não analisa o mérito do pedido, se a extradição é cabível, decisão que é exclusiva do país requerido.
Caso Capitólio
No pedido de prisão de Allan dos Santos, Moraes destaca a necessidade de extradição e cita possíveis relações entre os grupos de desinformação da extrema direita que é investigada no Brasil e os grupos que atuaram no episódio de invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
"Conforme ressaltado pela Polícia Federal, além de se associar a pessoas ligadas aos atos, o investigado esteve pessoalmente envolvido nos controversos atos. A prisão, como se vê, além de servir à garantia da ordem pública, diz respeito também à conveniência da instrução criminal e necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal", Alexandre de Moraes, na ordem de prisão e extradição de Allan dos Santos, em 2021
"Em solo americano, o investigado se associou a pessoas ligadas aos violentos atos criminosos que ocorreram em Washington D.C., do prédio do Capitólio, que buscavam contestar o resultado das democráticas eleições americanas", registra documento do STF, com base nas informações da PF.
As invasões aos prédios-sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, alvo de investigações no Brasil, têm características semelhantes à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos. Além das estratégias de comunicação e convocação de golpistas, com uso de fake news, inclusive, esquemas de financiamento, de apoio político, estratégias de ataques são analisas pela PF.
O SBT News consultou documentos do inquérito que apura as milícias digitais. No pedido de extradição feito pelo STF, em 11 de outubro de 2021, foi destacado o nome de um norte-americano, que teria participado da invasão ao Capitólio, como suposto elo de contatos de Allan dos Santos, nos Estados Unidos.
O documento assinado pelo juiz auxiliar do gabinete de Moraes Airton Vieira, cita que Allan dos Santos usou o canal de "Jonathon Owen Shroyer (processado por participar da invasão) para reiterar e reverberar, dessa vez em solo americano, a difusão de teorias conspiratórias voltadas a desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, instituições e/ou pessoas".
Shroyer é uma das figuras registradas na invasão do Capitólio. A PF apontou que Allan dos Santos participou do programa que o norter-americano golpista tinha no InfoWars, plataforma usada por extremistas e para difundir teorias da conspiração. Foi um dos principais contestadores das eleições de 2020, em que o ex-presidente Donald Trump foi derrotado.
O documento é o pedido oficial de extradição feito pelo STF, junto com a ordem de prisão, e enviado aos Estados Unidos pelo Ministério da Justiça, via Itamaraty.
Com os episódios de invasão aos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, no dia 8 de janeiro, a PF quer retomar partes da investigação sobre as redes de financiamento e de propagação de ideias dos extremistas de direita do Brasil e cruzar com os dados das apurações norte-americanas.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que não comenta processos de extradição em andamento, com reserva de sigilo. O órgão recebeu pedido de informações das autoridades dos Estados Unidos. A defesa de Allan dos Santos ainda não foi localizada. O espaço está aberto
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