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Justiça

MPF tem desafio inédito em processos contra golpistas; entenda

Com mais de 1,4 mil investigados e uso da nova lei de atentado à democracia, PGR busca "provas substanciais"

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Nas salas e antessalas do gabinete do subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, 1,4 mil processos de prisão em flagrante de golpistas, que estavam na invasão criminosa às sedes dos Três Poderes ou no acampamento na entrada do quartel do Exército, em Brasília, invadiram o espaço nos arquivos, mesas e prateleiras, já ocupados por processos criminais contra políticos e autoridades.  

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A equipe do Ministério Público Federal (MPF) atua nos casos da Corte Especial do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde o dia 10 de janeiro, se dedica às acusações criminais contra os golpistas. Neste sábado (4.fev), o sexto pacote de denúncias foi enviado ao relator, ministro Alexandre de Moraes, com mais de 152 acusações. Com isso, subiu para 653 o total de pessoas alvos de denúncia criminal do MPF por crimes relacionados aos atos golpistas. Nesta semana, novos pacotes serão entregues.

"Um trabalho que está sendo hercúleo", diz Carlos Frederico Santos, subprocurador-geral da República, que assumiu o posto de coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, criado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na semana seguinte à invasão às sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, no dia 8 de janeiro.

"O Ministério Público Federal nunca se deparou com uma situação dessa, de um número tão grande de pessoas", subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos.

O MPF afirma que todos serão acusados. Nos últimos 20 dias, não há muito tempo para conversas no gabinete da equipe. Dos 1.418 presos em Brasília, 1.196 estavam no acampamento no QG do Exército e 222 foram detidos na Praça dos Três Poderes. Desse total, 599 foram liberados sem necessidade de prestar depoimentos, por questões humanitários (a maioria, idosos e crianças). 

Números

  • 1,4 mil presos em flagrante nos dias 8 e 9 de janeiro
  • 942 tiveram as prisões em flagrante convertidas em prisão preventiva
  • 454 tiveram as prisões em flagrante convertidas em prisão domiciliar
  • 653 denunciados dos dias 11 de janeiro a 4 de fevereiro 

Dos 1,4 mil, 942 tiveram as prisões em flagrante convertidas em prisões preventivas. O que obriga o acusador a apresentar denúncia à Justiça contra todos em um prazo curto de tempo - 60 dias, em uma perspectiva otimista, ou 30 dias, numa visão mais realista do problema.

As investigações englobam a multidão de bolsonaristas que invadiu e destruiu as sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, no dia 8 de janeiro, os golpistas que estavam no acampamento em frente ao quartel do Exército, em Brasília, e também gente graúda.

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Capa do Volume 1 do Inquérito 4923, contra Ibaneis, Torres e outros | Reprodução

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, o ex-comandante da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira, militares das Forças Armadas, empresários, advogados, agentes de segurança e outros, estão entre eles.

Inquéritos e denúncias

Os primeiros procedimentos judiciais contra os atos golpistas de 8 de janeiro são da noite dos crimes, abertos no STF, após pedidos da Polícia Federal (PF) e também da Advocacia-Geral da União (AGU). 

O pedido de prisão do ex-ministro Anderson Torres - que é delegado da PF -, e do secretário interino de Segurança do DF, Fábio Vieira, por exemplo, foi feito ainda no dia 8 de janeiro.

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Pedido de prisão do ex-ministro da Jsutiça Anderson Torres | Reprodução

As denúncias que o MPF têm apresentado ao STF são a formalização das acusações contra os investigados. Nelas, são pedidas à Justiça as condenações, mediante apresentação das provas dos crimes cometidos e os correspondentes artigos em que eles se enquadram, dentro do Código Penal brasileiro - definindo-se assim, penas pretendidas pela acusação e que serão julgadas pelo juízo.

Antes da denúncia, existe o inquérito, em que são levantadas as provas, analisados os indícios de crimes. Os primeiros inquéritos abertos a pedido do MPF são do dia 10 de janeiro, a partir dos outros inquéritos já abertos contra os atos antidemocráticos ligados aos apoiadores de Bolsonaro. 

PF e MPF trabalham em provas desde a paralisação de rodovias e montagem dos acampamentos, logo após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no segundo turno das eleições.

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Os relatórios de informação, análises de inteligência produzidos por autoridades nos estados, a mando do ministro do STF Alexandre de Moraes, têm sido cruzados com os novos dados dos inquéritos abertos em 2023. 

Além de medidas cautelares para preservar provas decretadas pelo relator naquela noite de 8 de janeiro, diligências, como buscas das imagens dos vídeos de segurança dos prédios, dados de geolocalização dos envolvidos, bloqueios de veículos, entre outros, foram e estão sendo reunidos e analisados. Além do MPF, a PF e a AGU têm buscado o congelamento e o levantamento de provas para as diversas ações em curso.

Algumas das provas:

  • Vídeos produzidos por golpistas: em redes sociais ou armazenados
  • Postagens em redes sociais da internet
  • Imagens dos sistemas de segurança, das sedes dos Três Poderes e do DF
  • Imagens das câmeras dos policiais
  • Imagens dos drones
  • Quebra de sigilos telemático e telefônico
  • Reconhecimento facial
  • DNA
  • Digitais

"Nós temos, por exemplo, a questão de reconhecimento facial, temos a geolocalização, para saber se a pessoa está naquele local, no momento do crime.

"Buscamos a disponibilização desse material para, inclusive, identificar novas pessoas que, talvez, somente a imagem não dê a substância para uma acusação", diz Carlos Frederico Santos, subprocurador-geral da República.

"São uma série de outras providências, que através de recursos tecnológicos, podemos provar os crimes", explicou o coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do MPF.  

Entenda como o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do MPF trabalha nas denúncias

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Executores dos crimes em 8/1, preparados para a guerra, diz PF | Reprodução

O MPF quer responsabilizar todos os 1,4 mil presos nas invasões aos Três Poderes, no acampamento no QG do Exército e outros que atuaram, sem estar em Brasília no 8/1.

Para dar conta de tantos processos que chegaram, nas duas semanas seguintes aos atos golpistas, o grupo estratégico da PGR priorizou os alvos que invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes e que foram identificados, tanto no local como no acampamento.

Nas denúncias feitas pelo MPF ao STF é destacado o lado criminoso do acampamento do QG em Brasília, um dos argumentos que embasa a tese de associação criminosa. 

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Trecho de uma das primeiras denúncias do MPF contra golpistas | Reprodução

"O acampamento passou a se constituir como ponto de encontro para uma associação estável e permanente, que ali se estabeleceu e permaneceu inclusive durante a prática dos atos de vandalismo e protestos antidemocráticos consumados no dia 8 de janeiro de 2023, com a invasão das sedes dos Três Poderes na Esplanada dos Ministérios."

Contra os executores, o MPF imputou cinco crimes nas primeiras 653 denúncias. 

Os crimes denunciados são:

  • Associação criminosa armada
  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
  • Golpe de estado
  • Dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima
  • Deterioração de patrimônio tombado 

Divisão processual dos acusados

A PGR decidiu fatiar as apurações em quatro frentes por núcleos de investigados: executores, financiadores, incitadores e autores intelectuais e autoridades omissas. Uma estratégia jurídica adotada pela equipe coordenada pelo subprocurador-geral da República para agilizar os andamentos e possibilitar o enquadramento jurídico dos acusados.

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Trecho de denúncia da PGR | Reprodução

O subprocurador-geral da República que alinhou com a equipe a estratégia e que assina as acusações levadas ao Supremo, explicou ao SBT News os motivos. 

"Resolvemos separar a investigação dos crimes dos seguintes pontos: contra os executores, contra os financiadores, contra os instigadores e contra autoridades que tenham praticado eventualmente omissão imprópria."

Núcleos denunciados:

  • Golpistas executores
  • Golpistas financiadores
  • Golpistas incitadores e autores intelectuais
  • Golpistas autoridades omissas

Nas acusações, o MPF explica que como os crimes foram cometidos por uma multidão, um crime multitudinário, no termo técnico, por isso, a divisão das quatro frentes, para facilitar o processamento. 

O SBT News consultou os inquéritos, petições e os documentos reunidos no STF, desde o início dos protestos de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, logo após a derrota, no segundo turno das eleições de 2022, para exemplificar casos por núcleos de golpistas.

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Relatório da Segurança do DF sobre atos | Reprodução

Núcleo executores

Os executores são aqueles que efetivamente invadiram as sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF no dia 8 ou estavam acampados na frente do quartel do Exército, em Brasília - o que é considerado uma base operacional dos crimes cometidos.

Nos chamados "golpistas executores", o MPF decidiu incluir não só quem participou dos crimes, como quem não esteve no local, mas deu apoio ou permaneceu no acampamento, considerado uma base permanente, em que se instalou a "associação criminosa". Foi o caso dos 225 acusados na 2ª feira (30.jan), por exemplo.

Entre esses denunciados está Antônio Cláudio Alves Ferreira, que foi filmado na invasão do Palácio do Planalto destruindo o relógio do século XVII, presente da Corte Francesa para Dom João VI, e foi preso, dias depois, em Uberlândia (MG). 

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Registro da PM de "armas" apreendidas com golpistas em 8/1 | Reprodução

Há também aqueles que estavam armados para uma guerra. Alguns dos presos em flagrante no domingo das invasões, tinham consigo um arsenal. Como o caso de dois homens presos em flagrante pela PM do DF na marcha dos vândalos até os Três Poderes. Eles estavam com um pedaços de madeira, bolas de gude e estilingue, máscaras, luvas e outros equipamentos que ofereciam risco.

O grupo estratégico da PGR prioriza as análises de provas e elaboração dos processos desses alvos presos. "Temos prazos e não podemos deixar essas pessoas saírem da cadeia sem ter a devida acusação formulada contra elas", explica Carlos Frederico.

Núcleo incitadores e autores intelectuais

O núcleo dos incitadores e autores intelectuais inclui aqueles que orquestraram as manifestações, os acampamentos e a marcha rumo aos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, e também aqueles que divulgaram e propagaram o movimento de tentativa de golpe de estado e quebra violenta do Estado Democrático de Direito, incitando as Forças Armadas agirem para tomada do poder. 

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Trecho de uma das denúncias do MPF | Reprodução

No núcleo de incitadores, o ex-presidente Jair Bolsonaro é um dos alvos. Ele foi incluído nos inquéritos a pedido da PGR, que foi acionada por parlamentares. A inclusão decorreu de postagem de vídeo em rede social, no dia 10 de janeiro, véspera de uma segunda manifestação que estaria sendo organizada. A publicação depois foi apagada.

"A postagem reiterava a tese infundada de que houve fraude na eleição do ano passado para presidente da República", informou o MPF. Bolsonaro pode responder por incitação à prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito. 

Moraes, ao autorizar a inclusão do ex-presidente, lembrou que Bolsonaro reiteradamente incorre nas mesmas condutas, inclusive já objeto de outras apurações no STF de outros três inquéritos (Inqs 4874, 4878, 4888).

Mas há entre os incitadores, gente comum também, ou mesmo pessoas que são investigadas e devem ser denunciadas como integrantes de mais de um núcleo, como o caso do empresário mineiro Esdras Jonatas dos Santos, que atuava como incitador e financiador do acampamento em frente ao quartel em Belo Horizonte e gravou vídeo convocando golpistas para a guerra no dia 8 de janeiro. 

No vídeo anexado aos processos, ele é acusado por levar uma "milícia, um verdadeiro exército paralelo" para Brasília. O investigado convoca "soldados" para levar 2 milhões de pessoas ao Distrito Federal e avisa: "Não é passeio".

"Nós estamos fazendo essa live para as pessoas, homens bravos, homens fortes e mulheres também, que não podem ficar pra trás, mulheres fortes que queiram ir para Brasília, para esses dia 07, 08 e 09", diz Santos, em vídeo ao qual o SBT News teve acesso. "Todo o Brasil vai parar."

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Trecho de uma das denúncias do MPF contra golpistas | Reprodução

Núcleo autoridades omissas

O núcleo de autoridades omissas engloba todos aqueles servidores que teriam deixado de agir devidamente para favorecer os atos golpistas. Entram nessa lista não só políticos, mas também agentes de segurança, como no caso do policial legislativo do Senado, que foi alvo de buscas e apreensões em sua residência, em Brasília, na última 6ª feira (3.jan).

Alexandre Bento Hilgenberg, que trabalha no Senado, "ignorou a formação assumida por seus pares, ultrapassou a linha de combate e iniciou, de forma amistosa, comunicação verbal e gestou com invasores, permitindo que estes prosseguissem com seus atos criminosos", registra o pedido de buscas do MPF, da Operação Lesa Pátria, contra os golpistas. 

O primeiro inquérito contra as autoridades supostamente responsáveis pelos crimes por "omissão" foi aberto a partir dos dados de outra apuração, o Inquérito 4.879, do STF, também relacionado aos bolsonaristas. A apuração foi pedida pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, no dia 10 de janeiro.

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A abertura das novas apurações contra os golpistas do 8/1, realizada a partir dos inquéritos que investigam atos antidemocráticos anteriores à invasão dos Três Poderes, permite que toda documentação levantada desde a derrota de Bolsonaro, em 31 de outubro de 2022, com alvos identificados e dados obtidos pela PF e outras autoridades sejam utilizados por conexão como provas.

O inquérito 4923 do STF está nesse grupo. O caso foi distribuído internamente no dia 13 de janeiro. Os alvos são o governador afastado, Ibaneis Rocha, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Gomes, o ex-comandante da PM do DF Fábio Vieira, o ex-secretário interino de Segurança do DF Fernando Oliveira. Eles são suspeitos de atuarem como "autoridades omissas" que contribuíram para os crimes cometidos na Praça dos Três Poderes. 

Contra eles, o MPF já reuniu toda documentação do planejamento de segurança do DF, que ficou sob a responsabilidade de Torres, então secretário, e os comandantes da área. Pesa contra eles, suposta atuação em favor dos golpistas por "omissão dolosa", como chegou a mencionar Moraes, ao autorizar as prisões de Torres e Vieira. 

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Material identifica canais de financiamento dos atos / Reprodução

Núcleo financiadores

O núcleo dos financiadores engloba todos que deram apoio financeiro, logístico e estrutural para os atos golpistas. Entram nesse grupo, quem ofereceu transportes, combustíveis, estruturas para barracas, banheiros químicos, alimentação, recursos financeiros, materiais e outros. 

No caso dos financiadores, desde antes do 8 de janeiro, eles vinham sendo monitorados e rastreados, com quebras de sigilo fiscal e bancário decretados já, desde quando as apurações ainda focavam nos acampamentos e nos bloqueios de rodovias iniciados em novembro.

Nos inúmeros relatórios de inteligência enviados ao STF há os registros de dados para transferências de valores para contas via PIx, ou mesmo campanhas de arrecadação via redes sociais ou mesmo por aplicativos de conversa.

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Documento de inteligência sobre acampamentos pós eleição | Reprodução

Há também as postagens e vídeos produzidos pelos próprios investigados, como o caso do agricultor de Mato Grosso, que logo após ao primeiro episódio de vandalismo e depredação, em 12 de dezembro, quando tentaram invadir a sede da PF, por causa da prisão do índio Tsererê, gravou um vídeo que está anexado aos processos pedindo dinheiro.

As investigações sensíveis

Os núcleos dos golpistas financiadores, dos golpistas autoridades omissas e dos incitadores e mandantes são os casos em que o MPF busca aprofundar o levantamento de provas. É o que afirmou o coordenador da equipe da PGR que atua nos processo, em entrevista exclusiva ao SBT News, na última semana - quando começaram as primeiras denúncias.

"O núcleo dos financiadores, ou daqueles que não só instigaram, mas que também estão como mentores, vai demandar um trabalho mais refinado do Ministério Público Federal e da Polícia Federal", explica o subprocurador-geral da República Carlos Frederico.

Nas denúncias, o MPF afirma que "o ataque às sedes dos Três Poderes tinha por objetivo final a instalação de um regime de governo alternativo, produto da abolição do Estado Democrático de Direito". E que todos têm responsabilidades sobre os atos.

"Os autores pretendiam impedir de forma contínua o exercício dos Poderes Constitucionais, o que implicaria a prática reiterada de delitos até que se pudesse consolidar o regime de exceção pretendido pela massa antidemocrática", denúncia do MPF contra golpistas.

Uma das vantagens que o MPF terá é a quantidade de provas recolhidas desde novembro de 2022, contra os investigados. 

Carlos Frederico e equipe só não querem repetir episódios como o da Operação Lava Jato, em que boa parte das provas foram invalidadas posteriormente. "Temos que ter provas substanciais para levar à condenação de todos." 

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