"Reforma trabalhista era necessária", diz corregedor da Justiça do Trabalho
Ministro Guilherme Bastos fala preferir que candidatos estudem "questões que vieram na reforma"
Guilherme Resck
Alvo de críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem aparecendo como líder da corrida presidencial nas pesquisas de intenção de voto, a reforma trabalhista de 2017 é classificada como "muito positiva", de forma geral, e "necessária" pelo corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Guilherme Caputo Bastos. Entretanto, ele acrescenta que não é possível "efetivamente medi-la", porque, apesar de ter sido sancionada há cerca de cinco anos, houve um período de vacatia legis, isto é, não passou a vigorar na data da publicação da Lei, e, no início de 2020, o mundo parou por causa da pandemia.
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As declarações foram dadas em entrevista ao SBT News. Nas palavras do ministro, "nós precisávamos da reforma trabalhista", pontua. "Eu devo confessar que tinha uma certa preocupação com as demandas com um certo desprezo a pedidos efetivamente que estivessem lastreados no direito, na CLT e normas que circundam o mundo do trabalho, e aí criou-se os honorários de sucumbência. Isso foi um freio muito grande", completa.
Bastos diz preferir que os candidatos a presidente nas eleições deste ano, em vez de eventualmente falarem em acabar com a reforma, estudem "pontualmente essas questões que vieram na reforma trabalhista e quiçá que se criem novas regras ou se aperfeiçoem essas regras que vieram com a reforma de 2017". O ministro do TST ocupa o posto desde 2007. De acordo com ele, foi "muito positiva" a resposta do Judiciário às regras criadas para que o Poder pudesse funcionar no período em que medidas restritivas de circulação foram adotadas para frear o avanço da pandemia, o que fica demonstrado pelos índices de produtividade. No caso do TST, houve um incremento na produtividade de cerca de 10% no primeiro ano da crise sanitária.
A falta de acesso à internet por parte de todos os cidadãos configurou umas das principais dificuldades com as quais a Justiça do Trabalho se deparou na pandemia, e a criatividade foi utilizada para superá-la. "Os advogados levavam os seus clientes e as testemunhas para escritórios onde tinha acesso à rede de internet, enfim, e assim fazia-se os contatos. Mas o início foi muito difícil para nós na Justiça do Trabalho, tanto que tivemos que, assim, pedir que todos ajudassem para que nós pudéssemos seguir funcionando e que todos participassem", relembra Bastos.
Ainda de acordo com o magistrado, regras criadas para que o Judiciário continuasse funcionando na pandemia, explica, estão "caducando agora", mas experiências tidas no período "foram incorporadas pelo Poder". Um exemplo, fala Bastos, é "o funcionamento dentro da Justiça 4.0, que é o grande projeto do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e que preside o Conselho Nacional de Justiça, dentro da Justiça 4.0, a Justiça 100% digital ,os núcleos 4.0, os balcões virtuais, enfim". "Então, o que era temporário e emergencial, boa parte desse avanço tecnológico, eles hoje estão sendo aproveitadas por todos os ramos do Poder Judiciário".
O ministro é crítico, porém, de eventual adoção como opção primeira, pelos empregadores, do teletrabalho - modalidade bastante utilizada na pandemia: "não deve ser a opção primeira de nenhum empregador, seja ele público ou privado. Nós temos que ter essa convivência com os nossos colegas de trabalho".
Veja a entrevista na íntegra:
Houve alguma medida implementada na Justiça do Trabalho durante a pandemia que se tornou definitiva?
Nós tivemos uma situação curiosa, porque o Poder Judiciário, quando eclodiu a pandemia efetivamente, com aquela situação absolutamente lamentável sobre todos os aspectos, o Poder Judiciário não podia parar. Nós tínhamos que seguir. Então cada, através do Conselho Nacional de Justiça, Supremo Tribunal Federal, todos eles se movimentaram e também os tribunais superiores, o Tribunal Superior do Trabalho, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral, todos eles se movimentaram e criaram regras temporárias e emergenciais para que nós pudéssemos funcionar de alguma maneira durante o período em que nós estávamos em um isolamento absoluto. E a resposta do Judiciário, por incrível que pareça foi, assim, muito positiva, com índices de produtividade excelentes. O Tribunal Superior do Trabalho teve um incremento no primeiro ano, de 2020, em torno de 8 a 10%, incremento na produtividade. Ou seja, nós tivemos que ser criativos, contar evidentemente com a colaboração dos juízes e que nunca faltou à sociedade, digo com relação à Justiça do Trabalho, mas posso fazê-lo também aos juízes estaduais, aos juízes federais da Justiça Federal comum, enfim, todos eles que tiveram dentro desse regramento temporário, que estão caducando, todas essas regras estão caducando agora. E alguma coisa de experiência, essas, sim, foram incorporadas para o Poder Judiciário, como exemplo o funcionamento dentro da Justiça 4.0, que é o grande projeto do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e que preside o Conselho Nacional de Justiça, dentro da Justiça 4.0, a Justiça 100% digital, os núcleos 4.0, os balcões virtuais, enfim. Então, o que era temporário e emergencial, boa parte desse avanço tecnológico, eles hoje estão sendo aproveitados por todos os ramos do Poder Judiciário.
Quais foram as principais dificuldades impostas pela pandemia à Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho é uma Justiça que funciona próxima à sociedade, próxima ao trabalhador e ao empregador. Nós temos uma clientela, mal comparando, as pessoas que clamam por uma decisão na Justiça do Trabalho são pessoas, da parte dos trabalhadores, às vezes muito humildes, e também da parte dos empregadores também bastante simples, e nós tivemos em alguns momentos dificuldades de usar a internet, por exemplo, para fazer os acessos. Nem todo mundo tem. Hoje o telefone celular pode ser que todos tenham, acesso a um telefone celular. O Brasil hoje é um dos países que praticamente um ou dois aparelhos por habitante, mas o acesso virtual, o acesso à internet, nós tínhamos muita dificuldade, então foi se utilizando também da criatividade. Os advogados levavam os seus clientes e as testemunhas para escritórios onde tinha acesso à rede de internet, enfim, e assim fazia-se os contatos. Mas o início foi muito difícil para nós na Justiça do Trabalho, tanto que tivemos que, assim, pedir que todos ajudasem para que nós pudéssemos seguir funcionando e que todos participassem. Não houvesse um processo capenga, um processo que houvesse prejuízo de algum trabalhador ouvir as suas testemunhas. Enfim, nós tivemos que usar bastante da criatividade, mas graças à Deus funcionou muito bem. Funcionou como se estivéssemos em normalidade, não, mas funcionou muto bem.
Atualmente, quais os principais desafios da Justiça do Trabalho e como superá-los?
Nós saímos da pandemia e isso já é um problema evidentemente caótico, e isos reflete, por exemplo, na parte econômica do país. E sofrendo a economia, obviamente isso reflete nos empregos, nas relações sociais, e a Justiça do Trabalho tem que estar atenta a isso. Ela tem que estar atenta a todos esses movimentos que acontecem na sociedade, em todos os seus segmentos, e estar alerta para que até mesmo o direito seja aplicado, seja interpretado de uma forma que não cause nenhuma injustiça, para que essa interpretação seja aplicada numa decisão que seja adequada para a solução daquele litígio, eventuais litígios. E por que nós estamos investindo tanto, por exemplo, em questões pré-processuais, nos atencipando ao problema, nos antecipando ao litígio, que nunca se sabe que decisão que sairá e poderá ser uma decisão inesperada para as próprias partes? Nós estamos trabalhando muito com esse sistema pré-processual e estamos trabalhando enormemente dentro da Jusitça do Trabalho as questões de conciliação, através do Cejusc, através de ferramentas próprias institucionais, estamos buscando. Então isso tem facilitado, mas o desafio é muito grande, porque saindo dessa pandemia, e que normalmente é acompanhada de uma recessão, nós temos que preservar os empregos, nós temos que preservar a atividade econômica. Não adianta querer só preservar o emprego e esquecer que alguém tem que pagar por esses salários, enfim. Nós temos que buscar esse equilíbrio o mais que possamos. E esse é o grande desfio para a Justiça do Trabalho. Se acomodar nessas novas técnicas de informática, essas novas tecnologias, esse mundo virtual que está chamando o Poder Judiciário. Nós temos hoje varas nas nuvens, quando uma das facetas do núcleo 4.0 é uma vara que as partes elegem que ela funcione totalmente de forma virtual, e os juízes assessarão essa vara, esse processo, de qualquer ludar onde eles estejam. É uma coisa bastante curiosa. Então, nós temos que estar preparados para essas mudanças. Não só com relação à empregabilidade, manutenção das empresas, manutenção do emprego, manutenção de boas condições de trabalho, mas também nos inserir nesse contexto tecnológico que é inevitável e, eu diria, que é irreversível.
Como o senhor avalia a regulamentação do teletrabalho? As regras são suficientes?
O teletrabalho nós já havíamos regulado ele de certa forma, e ele já vinha sendo praticado e aí veio esta novidade. Eu diria que se pensa nessas coisas normalmente em situações emergenciais, em que nós não tínhamos como trazer o trabalhador ao seu ambiente próprio de trabalho, então cria-se essa possibilidade desse trabalho remoto. Trabalho através do teletrabalho, que pode ser desenvolvido sob várias condições. Você tem o home office, que você faz da sua casa, enfim, várias formas que você exerce o trabalho fora do ambiente propriamente de trabalho. E a tendência agora é de ele ser utilizado cada vez mais. Eu tenho dito isto com muita frequência: não tire totalmente o trabalhador do ambiente de trabalho, isso não é bom. Ele precisa desse relacionamento social, ele precisa encontrar os seus colegas, ele precisa saber do problema do seu colega que trabalha às vezes ao seu lado. 'Ah, porque teve um filho, porque perdeu um pai, porque, enfim, comprou um carro novo, porque vai ser pai', essas coisas fazem parte do mundo do trabalho também. Não é só o trabalho propriamente que é exercido. Então, o teletrabalho é muito bom, muito eficiente. Por exemplo, no Tirbunal Superior do Trabalho, nós temos alguns números bastante significativos de servidores que estão em teletrabalho por circunstânicas especiais. A pessoa vai fazer um curso fora do Brasil, a pessoa está tendendo a um filho que precisa de uma hospitalização fora, que Brasília não consegue atender. Então a essas pessoas é autorizado o teletrabalho. Mas o tribunal tem sempre mitigado para casos especiais mesmo. E o regramento que veio agora até com a Medida Provisória [1.108/2022], já com as regras que existiam na Consolidação das Leis do Trabalho, ele é um trabalho bem regulamentado. Mas não deve ser a opção primeira de nenhum empregador, seja ele público ou privado. Nós temos que ter essa convivência com os nossos colegas de trabalho.
Dentro dessas regras trazidas pela MP 1.108/2022, a Justiça do Trabalho já vem recebendo ações em relação a essas regras, a algum conflito existente no teletrabalho?
Ações propriamente envolvendo o teletrabalho nós sempre temos, porque isso já existe há muito tempo. Ele só não era regulamentado, vamos dizer assim. Mas ele sempre existiu, a pessoa que trabalha de forma remota sempre desemboca em uma discussão em quem suportaria o ônus de formalizar aquela prestação de serviços. Um eventual acidente de trabalho em um trabalho virtual, remoto, o teletrabalho. essas questõe sempre chegaram à Justiça do Trbaalho, há muitos anos, e a tendência agora é crescer o número de demandas que envolvam pessoas que estejam, por exemplo, em home office. O tribunal, por exemplo, tem uma normatização, o que talvez tenha querido vir nessa Medida Provisória, mas no serviço público, pelo menos os tribunais superiores regulamentaram. Então, por exemplo, você vai trabalhar em casa, quem vai fornecer o móvel? Porque tem que ter todo o tratamento ergonômico, você tem que cuidar para que o seu trabalho seja exercido num determinado número de horas, que não prejudique a sua convivência familiar, tem tudo isso. Que às vezes, no trabalho feito nessa modalidade do home office, a pessoa acha que pode estar ali a máquina e pode se logar em qualquer hora do dia, ele acaba perdendo um pouco aquela discplina de trabalhar aquelas horas, e aquilo vai em prejuízo da convivência familiar, da própria saúde do trabalhador. Então, há muitos anos a gente lida com ele, e agora seguramente com esse período da pandemia, no Tribunal Superior do Trabalho, ainda não sofremos o reflexo, porque há uma maturação entre o primeiro e segundo graus até alçar o Tribunal Superior do Trabalho, através de uma revista, de um agravo de instrumento, mas seguramente aumentou.
Como o senhor avalia a reforma trabalhista de 2017? De forma geral, ela foi positiva ou foi negativa?
Eu diria que de forma geral ela foi muito positiva. Ela foi muito bem pensada. Quando se alegou que houve pouca discussão, que as pessoas não tiveram oportunidades de opiniar sobre essa reforma, sobre essas alterações, eu tive o cuidado, inclusive, de pedir ao Congresso Nacional todo o histórico de discussões, de reuniões que eles efetivamente realizaram para as dicussões dessas alterações, então pode ser que teha havido algum açodamento, mas dizer que ela simplesmente não foi trazida à discussão, isso talvez não seja uma total verdade. E ela foi efetivamente boa, por exemplo, para... esses dias atrás eu vi que a taxa de deseprego diminuiu. E isso eu só posso atribuir a essas relações que estão surgindo inclusive nos moldes de algumas categorias de trabalho diferentes que vieram com a reforma, eu só posso atribuir a essa consequência. Nós não podemos efetivamente medi-la ainda, porque ela foi de 2017, teve uma vacatio legis para entrar efetivamente em vigor e já quase que às vésperas da pandemia. Já no final de 2019, início de 2020, o país parou, o mundo parou, e efetivamente não se há como fazer nenhuma análise sobre a possibilidade dela ter influenciado negativa ou positivamente. Agora, o que me chamou a atenção é que um partido que agora terá candidato à Presidência, ele num primeiro momento anunciou que iria contra a reforma e acabar com essa reforma. E imediatamente houve, me parece, que uma reprogramação na ideia e hoje já se fala em atacar pontos da reforma. Pode ser que a reforma necessite de mesmo de uma mitigação, de uma análise pontual de alguns aspectos que vieram, como um dano moral, extrapatrimonial, a fixação de parâmetros, são questões inclusive que estão submetidos a decisão do Supremo Tribunal Federal. Então, a reforma em si ela era necessária, isso eu não tenho dúvida. Nós precisávamos da reforma trabalhista. Por exemplo, eu devo confessar que tinha uma certa preocupação com as demandas com um certo desprezo a pedidos efetivamente que estivessem lastreados no direito, na CLT e normas que circundam o mundo do trabalho, e aí criou-se os honorários de sucumbência. Isso foi um freio muito grande. Talvez um freio desmedido, que tenha causado no trabalhador um receio de ingressar, porque ninguém sabe o resultado de uma ação trabalhista. Porque ela pode ter um bom direito, mas eventalmente alguma questão de ordem processual impeça que ele atinja e consiga a concretização daquele direito. Então, eu gostaria mais que os candidatos estudassem pontualmente essas questões que vieram na reforma trabalhista e quiçá que se criem novas regras ou se aperfeiçoem essas regras que vieram com a reforma de 2017.
Como o senhor avalia o trabalho da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho desde que assumiu como corregedor-geral?
A corregedoria tem me dado muita alegria, muita satisfação. É a presença do Tribunal Superior do Trabalho nos tribunais regionais, nos estados, e nós vamos não só com aquele viez fiscalizatório apontar os erros. Muito pelo contrário. A tendência mais modernaé nós fazermos uma parceria. Dizer 'olha, eu vim aqui para ajudá-los, para orientá-los'. Nós temos que seguir um sem-número de resoluções, tanto do Conselho Nacional de Justiça como do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, e leis e tal, e às vezes o tribunal precisa de um olhar externo para dizer 'olha, isso aqui tem que fazer uma alteraçao, isso aqui, não, isso está bem. Vamos inclusive usar isso aqui como uma boa prática para outras regiões do país'. Essa é a figura do ministro corregedor-geral quando chega ao estado e faz aquela investigação. Eu de Brasília tenho os números, eu tenho todos os números da correição, eu vou ao estado para que, sabedor de que por trás daqueles números há gente trabalhando. Servidores, magistrados, todos envolvidos naquele. Então há uma explicação para aqueles números. E essa explicação é que eu passo durante a semana, naquela semana que eu reservo para aquele tribunal regional, eu passou analisando com a minha equipe, para, na sexta-feira, chegar a uma ata de correição, que é o 'grand finale' de toda correição ordinária. Mas eu tenho tido muita satisfação. E sobretudo quando nós instituímos nas correições a Corregedoria Solidária, que é uma ideia minha particular, que é uma campanha que eu levo para o tribunal. Se eles quiserem fazer, ótimo. Se não quiserem também, está bem. Isso tem dado um efeito fantástico. Eu acabo de chegar de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e nós fizemos uma doação agora lá de aproximadamente 10 toneladas de alimentos para uma comunidade absolutamente vulnerável, fruto de um trabalho voluntário das pessoas, das empresas, dos servidores, dos advogados, dos juízes e da Justiça Federal, da Procuradoria-Geral do Estado. Todos se envolveram naquilo. É uma campanha linda, onde eu digo, sem medo de errar, ainda há esperança, o brasileiro é solidário, o brasileiro sabe reconhecer que tem um irmão ali em condições até de não ter o que comer e ele vai estender a mão. Esta é a Corregedoria-Geral, estas são as correições ordinárias, não só esse aspecto fiscalizatória, mas com esse toque particular de ajuda ao próximo.