Charles III terá pouca ou nenhuma influência na economia, diz analista
Reino Unido exibe sinais de pressão inflacionária e redução da atividade econômica: recessão é o risco
O Reino Unido emite sinais claros de que, a exemplo de outras grandes economias do planeta, deve, no mínimo, desacelerar fortemente até o final do ano. Mas há observações mais severas, que apontam que os números em conjunto do País de Gales, Escócia e Inglaterra sugerem com ênfase a possibilidade de a economia iniciar um processo recessivo até o final de 2022.
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A julgar pela inflação, na casa dos 9,4% e com projeções que falam em 13% em outubro; pelo remédio mais frequentemente adotado exatamente no combate à inflação, que é a alta nas taxas de juros (atualmente em 1,75% após uma puxada de 0,5 ponto percentual em agosto, maior aumento desde 1995); e pelo desempenho declinante do Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido, que recuou 0,1% no 2º trimestre deste ano, tudo leva a crer que o fechamento de 2022 e ao menos o início do ano que vem não devem ser de vida fácil nem mesmo para as grandes economias. É bom lembrar que os Estados Unidos também já vivem uma fase de elevação nos juros, com os mesmos fins de combater a inflação. Brasil, idem.
Charles III
Em meio a este cenário os britânicos assistem à chegada do Rei Charles III, alçado ao trono após a morte de Elizabeth II. O que esperar do novo moncarca no campo da economia? O que sabidamente não estará ao alcance de Sua Majestade promover para melhorar a vida dos cidadãos e das relações econômicas com outros países? O economista e jornalista George Vidor aceitou o desafio de lançar um olhar sobre o tema. Conheça as respostas na entrevista abaixo:
Um rei, melhor dizendo, um novo rei, tem poder pra dar jeito na economia?
Reina, mas não governa. Se a expressão cabia para Elizabeth II, continuará sendo válida para Charles III. Monarcas não têm qualquer poder de interferência, nem mesmo de influência, sobre o orçamento público britânico. Podem até dar palpites ou fazer sugestões aos primeiros-ministros e autoridades próximas sobre isso ou aquilo, mas sequer têm poder de veto sobre alguma decisão orçamentária aprovada pelo parlamento. Resumo da ópera: a subida de Charles III ao trono britânico não terá influência direta sobre os rumos da economia do Reino Unido. Pode ter alguma influência indireta à medida que Charles contribua positivamente para ajudar a Grã-Bretanha a aprofundar relacionamentos com parceiros comerciais, econômicos e políticos.
Esse aspecto ganhou mais importância recentemente?
Isso se tornou ainda mais necessário com o Brexit, pois os britânicos agora não fazem mais parte da União Europeia, porém dependem muito do intercâmbio com a UE. O desafio será costurar um status especial, tal qual a União Europeia tem com a Noruega (nação que optou por não aderir à UE, embora por uma decisão decorrente de estreitíssima margem de votos do seu eleitorado), por exemplo.
Vc acha que os britânicos já andam repensando o passo que deram com o Brexit?
"O Brexit fez ressurgir ressentimentos no continente. O Reino Unido teve no passado várias tentativas fracassadas para ser aceito no então Mercado Comum Europeu. Conseguiu vencer as barreiras para se tornar membro da comunidade até então continental e agora, depois de muitos anos, por decisão soberana de seu povo, pulou fora da União Europeia. Creio que os ingleses (escoceses foram contra o Brexit) já devem ter se arrependido de tal iniciativa."
Por quê?
A troca de mercadorias e a prestação de serviços se tornaram mais problemáticas, devido ao restabelecimento de normas burocráticas e tarifárias. A circulação de pessoas e mão-de-obra também se complicou. Não parece haver boa vontade, do lado do continente, para se resolver esse impasse, haja vista as reações da cúpula da UE quando o governo britânico tentava empurrar com a barriga a efetivação do Brexit (se não quiseram ficar mais conosco, pulem logo fora, pareciam dizer).
Já dá para fazer conta do prejuízo?
Ainda é cedo para se medir o impacto do Brexit sobre a trajetória da economia britânica, mas não há dúvida que o Reino Unido terá de se desdobrar mais, fora da União Europeia, para recompor uma estrutura que o torne menos vulnerável diante das incertezas no campo energético provocadas pela Rússia a partir dessa guerra na Ucrânia.
Aí bate, por exemplo, a dependência do fornecimento de gás pela Russia, não?
O petróleo e o gás, especialmente, russos eram fatores importantes nessa equação e os europeus chegaram a acreditar que, assim, estariam mais seguros no suprimento de hidrocarbonetos, recorrendo menos a regiões conflagradas, como o Oriente Médio ou o Norte da África. As descobertas e a produção no Mar do Norte foram fundamentais na solução dos problemas causados pelos primeiro e segundo choques do petróleo na década de 1970. O Reino Unido se tornou um relevante exportador de hidrocarbonetos. Mas tal produção é declinante e o próprio Reino Unido já depende, progressivamente, de outras fontes de suprimento.
Qual influência Charles III terá sobre isso?
Creio que pouca. Talvez tornando a Família Real menos perdulária no consumo de energia. E/ou nos subsídios orçamentários recebidos para desempenhar o papel figurativo na sociedade britânica, que os súditos tanto gostam. Não mais do que isso.