Foco da PF é menos inquéritos e mais eficiência, diz Dicor
Delegado Cléo Mazzotti afirma que "inteligência" policial otimiza ações contra crime organizado
Ricardo Brandt
O delegado Cléo Mazzotti, diretor interino da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da Polícia Federal, afirma que a diminuição do número de inquéritos "com otimização das investigações" tem aumentado o "potencial investigativo e a capacidade de resposta" à sociedade contra grandes esquemas criminosos no país.
Levantamento exclusivo do SBT News, publicado neste sábado (11.jun), mostrou que o total de inquéritos abertos pela PF nos últimos quatro anos para o combate ao crime organizado reduziu 27%: de 59 mil para 43 mil.
A Divisão de Repressão à Corrupção (DRC) - subordinada à Dicor - registrou queda de 25%: no ano passado foram abertas 1.440 apurações, contra 1.933, em 2018. No combate ao tráfico de drogas a queda, em igual período, foi de 40%: de 5.698 inquéritos instaurados, para 3.411, em 2021.
Em entrevista ao SBT News, Mazzotti explica como a PF tem reduzido investigações e apostado em ferramentas e métodos de apuração para enfrentar o crime organizado em diversas áreas. Ele também falou do fortalecimento aos crimes ambientais e contra os direitos humanos e negou que as trocas de comando na polícia tenham relação com a variação de investigações abertas.
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O total de inquéritos instaurados de combate ao crime organizado reduziu 27%, de 2018 a 2021. Os números indicam que a PF tem investigado menos as organizações criminosas, ou que houve queda de produtividade e eficiência nos trabalhos?
Se observar apenas números de instalação de inquéritos é em uma análise superficial pareceria uma diminuição no potencial investigativo, na verdade, é o contrário. A Polícia Federal, com a diminuição do número de inquéritos, com várias medidas que vem tomando, com vários projetos que vêm sendo feitos, como por exemplo o Projeto Prometheus, a PF tem otimizado as investigações. Nós deixamos de atuar em diversos crimes, no caso a caso, pegando apenas uma situação pontual, e juntamos diversas situações, para analisar uma atuação de organização criminosa, de fraude estruturada. A gente observa, com os nossos sistemas, onde é o foco, onde é a mancha criminosa, onde está atuando a organização criminosa, e aí, a gente vai atuar em cima de desestruturar essa organização criminosa e desarticular ela financeiramente.
Então, ao contrário, a diminuição do número de inquéritos, com uma otimização das investigações, aumenta o nosso potencial investigativo e aumenta a nossa capacidade de resposta.
O que é o Projeto Prometheus?
O Projeto Prometheus, em alguns tipos de crimes, que a gente chama de crimes massivos. A gente recebe as notícias de crimes, insere as informações em um sistema, que é alimentado por todas as notícias crimes. Ele correlaciona e identifica onde está a atuação da organização criminosa, se determinado crime é pontual em determinados locais, mas nevrálgico em outro ponto. A partir disso conseguimos determinar a atuação da organização criminosa. Então juntamos todos aqueles casos, ao invés de instaurar 100, 200 inquéritos, a gente instaura 1 e, nesse um, a gente pega a organização criminosa.
Moeda falsa, por exemplo, você pode atuar recebendo flagrantes que são feitos pela Polícia Civil, pela Polícia Militar ou pela própria Polícia Federal em todo o país ou você pode juntar todos esses casos e identificar de onde está vindo o foco de moeda falsa, de onde estão saindo as cédulas falsas e fechar o laboratório com um inquérito. Então, com um inquérito, você realmente desarticulou toda a organização criminosa e não instaurou centenas de inquéritos.
No último ano, com a utilização do Projeto Prometheus e com a instalação de uma unidade de repressão à moeda falsa, que a PF instalou primeiro em Maringá (PR) e depois em Ipatinga (PR), nós já fechamos os 28 maiores laboratórios de contrafação do país.
Algumas unidades da Dicor reduziram mais a quantidade de inquéritos, entre elas a Divisão de Repressão à Corrupção, que teve queda de 25%, de 2018 a 2021, e a Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas, com queda de 40%. O que levou à queda nessas áreas?
As duas áreas se enquadram nesse caso de otimização dos trabalhos. Os inquéritos de financiamento fraudulento de veículos, por exemplo, foram incluídos no Projeto Prometheus, que busca a otimização das investigações. Então, nós diminuímos muito o número de inquéritos de financiamento fraudulento de veículos, buscando a desarticulação de organizações criminosas, que caem nesse crime, considerado pela Polícia Federal um inquérito da área de combate à corrupção e lavagem de dinheiro. De outro norte, adventos legais como, por exemplo, o acordo de não persecução penal, também fizeram com que muitos inquéritos de corrupção fossem suspensos ou muitas vezes interrompidos. De outra forma também, as nossas coordenações, em específico a de combate à corrupção na lavagem de dinheiro, também tem fomentado sua atuação em cima de organizações criminosas estruturadas em cima de casos que realmente vão fazer a diferença na questão da sociedade, então na questão de enfrentamento ao crime para o bem da sociedade, os números de diminuição não necessariamente vão implicar numa diminuição da potencialidade operacional. Ao contrário, eles vão permitir que o policial trabalhe com maior ênfase em casos que realmente vão fazer diferença. No tráfico de drogas acontece o mesmo fenômeno. Muitos dos inquéritos que são de tráfico de drogas eram drogas encaminhadas pelos Correios. Então o sistema Prometheus também busca juntar todas essas atuações e com uma operação, que a gente determina qual organização criminosa, ou qual associação criminosa está encaminhando essas drogas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a gente consegue impedir um número maciço de inquéritos instaurados. Do outro norte, a Polícia Federal tem primado pela realização de operações onde a gente busca os cabeças das organizações criminosas e desarticular eles financeiramente. E não meramente a apreensão do entorpecente, com o motorista ou com o laranja que está levando a droga.
Houve aumento significativo de inquéritos abertos em áreas como a Divisão de Assuntos Sociais e Políticos (Dasp), que saltou de 901 inquéritos para 3.932, de 2018 a 2021, e a Divisão de Repressão a Crimes contra os Direitos Humanos, de 184, inquéritos para 880. O que explica esses aumentos? As questões de tensão na Amazônia, os conflitos agrários ou mesmo a tensão política influenciaram?
A Dasp é atualmente a nossa Coordenação-Geral de Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente e Direitos Humanos, ela congregou essas áreas. Nessa coordenação, temos o combate aos crimes ambientais, aos crimes contra as comunidades indígenas, crimes contra os direitos humanos, ao trabalho escravo, ao encaminhamento ilegal de brasileiros para trabalhar fora do país, esse tipo de modalidade criminosa. A área ambiental, por exemplo, foi elevada na Polícia Federal à categoria de coordenação. Houve um reforço no combate ao crime ambiental por parte da PF, notadamente no combate ao crime de garimpo ilegal, ao crime de desmatamento. Então nós estamos realizando muito mais operações e atuações no combate a esse tipo de delito. Obviamente não atuamos sozinho nessa esfera. Nós integramos, com as polícias Civil e Militar, com a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública. E essa atuação integrada demanda um aumento no número de inquéritos. A questão dos direitos humanos, como trabalho escravo, por exemplo, também tem recebido atenção especial da Polícia Federal. Os trabalhos são muito fomentados junto ao Ministério Público do Trabalho. Então, isso demandou um aumento no número de inquéritos nessas duas áreas, de um número até pouco expressivo para um número bastante razoável, que possibilita, em especial, o resgate das vítimas.
As trocas de comando na Dicor e na Direção-Geral nos últimos anos têm peso na redução de inquéritos?
Não. Obviamente uma instituição requer uma certa continuidade, mas a troca de comando, seja na direção-geral, ou seja na Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção, ela não interfere no cerne da investigação. Esses projetos, como o Prometheus, a análise de crimes massivos, a diminuição de inquéritos, eles são projetos perenes, nenhum diretor entrou e tentou diminuir ou interferir nisso. A otimização da atuação da Polícia Federal sempre foi buscada e sempre vai ser. O objetivo, na questão dos inquéritos, é que eles sejam cada vez mais referentes à desarticulação de organizações criminosas e de crimes que realmente causem diferença na questão da segurança da população. Esse é o objetivo, que cada inquérito da Polícia Federal, ele realmente aponte a autoria e materialidade, causando a diferença na questão da segurança pública. E esse norte sempre é buscado por qualquer diretoria que esteja no comando da Polícia Federal.
O número de inquéritos encerrados em relação aos inquéritos abertos mostra que houve um aumento de eficiência da PF
A Polícia Federal busca fazer uma relação entre inquéritos instaurados e relatados, porque aí vamos diminuir o número de inquéritos, nós vamos estar dando resposta, estamos efetivamente encerrando investigações. Ao mesmo tempo que nós queremos que diminua as investigações, nós queremos que os inquéritos sejam relatados com a resposta dele, seja a identificação de autoria e materialidade, seja demonstração de que até não houve crime, porque o inquérito ele busca demonstrar o que efetivamente aconteceu, e no caso, a Polícia Federal tem um índice de aproveitamento nos inquéritos bastante elevado. É uma das polícias no mundo que tem um índice mais elevado de inquéritos, que realmente chegam ao seu objetivo.