Governo Lula quer nacionalizar uso de câmeras em fardas policiais
Coordenação do Pronasci vai investir em "Bolsa Formação" para agentes de segurança
Milena Teixeria
O governo federal pretende nacionalizar o programa que obriga a instalação de câmeras em uniformes de policiais militares. Já implementada em São Paulo e Santa Catarina, a medida é vista como uma ação de enfrentamento aos casos de violência institucional no País.
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O uso dos equipamentos foi tema de debates na última campanha para o governo de São Paulo. Na época, o atual governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), chegou a criticar publicamente a utilização, mas, no início de janeiro, após assumir o cargo, ele recuou e decidiu manter a iniciativa.
Ao SBT News, a advogada e coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), Tamires Sampaio, disse que a medida é "bem vista" por uma parte dos agentes de segurança, que enxergam a ação como uma forma de autoproteção.
"Muita gente acha que os policiais são contra, mas grande parte dos agentes de segurança são a favor. Inclusive, o projeto do uso de câmeras em São Paulo foi realizado pelos próprios policiais. Tanto que o Tarcísio recuou. Para os policiais que cumprem o trabalho - que é a grande maioria - a medida surge como um meio de proteger o trabalho", afirma Tamires.
A advogada relata que o governo ainda pensa em estratégias para garantir a adoção dos equipamentos. Segundo Sampaio, duas ações discutidas envolvem o repasse de verbas federais e diálogos com entidades que representam os agentes de segurança.
"Estamos pensando em organizar um programa que envolva a valorização do policial como um todo. Lá atrás tinha a Bolsa Formação do Pronasci - que é um repasse do governo federal para todos os agentes de segurança que faziam os cursos determinados. Hoje, a gente está pensando em retomar a bolsa junto com um conjunto de ações que envolvam formação policial, o uso de fardas, o plano de saúde mental", explica a coordenadora.
Em entrevista, a coordenadora fala sobre as principais ações do Pronasci no terceiro governo Lula. Criado na segunda gestão do petista, o programa é destinado à valorização dos profissionais de segurança pública, reestruturação do sistema penitenciário e ao combate à corrupção policial, mas ficou esquecido na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como será a atuação do Ministério da Justiça e Segurança Pública no caso dos estados que forem resistentes ao uso das câmeras?
Eu acho importante fazer um diálogo com os agentes de segurança. Uma das nossas ações tem sido dialogar com as entidades policiais e de guarda civil. Nesses casos, quando o governo for mais conservador e radicalizado em relação a políticas de segurança, a gente vai tentar dialogar com as instituições policiais para garantir o apoio.
Nos últimos anos, membros do antigo governo fomentaram o discurso de que "bandido bom é bandido morto", o que especialistas apontam como estímulo a ações de violência. Diante disso, o ministro da Casa Civil tem falado que é necessário fazer uma "descontaminação" nas forças de segurança. Qual vai ser o desafio para mudar essa visão desses profissionais?
O tiro que o policial dá é dado antes pelo governador, que comanda essa força de segurança. Eu acredito muito nisso. A gente tem desafios em relação às forças de segurança nessa perspectiva de "desnazificação" e "desbolsonarização". Uma forma de trabalhar isso é a formação. Isso também está relacionado ao Pronasci, de pensar a formação de direitos humanos, de pensar protocolos de operação que são baseados nessa punição dos maus policiais, que não seguem a lei. A força policial é a força da lei e ordem. Eles representam a garantia disso. Se eles participam de ações golpistas que são contra a lei, eles mesmo não estão cumprindo o próprio papel. Tem que ter ações das corregedorias, das ouvidorias das polícias. A gente passou por quatro anos com um governo federal abertamente genocida, que promove esse tipo de morte. Agora, a gente precisa passar os próximos quatro anos reforçando a ideia da segurança como prevenção.
Como é a formação para mudar a visão desse policial?
É por isso que falo da formação, mas também dos protocolos. Enquanto existir no comando a autorização de "bandido bom é bandido morto", a base vai continuar fazendo isso. É importante fazer uma reconstituição do que é segurança pública. De ter a segurança não só na lógica de manutenção da ordem pública e prevenção de risco, mas também de manutenção da ordem, garantia de direitos, combate à desigualdade e de punição aos policiais que não seguem essa lógica da lei. Como disse o presidente Lula, não importa em quem você votou, este é um governo para todo mundo. Agora, importa a forma como você vai lidar. Importa seguir a lei.
O Pronasci foi implementado no governo Lula, mas a gente continua vendo casos de violência policial aumentar, a corrupção policial crescer. Você acha que deu alguma coisa de errado?
O programa teve pouco tempo de implementação. Era um programa localizado. É muito difícil atingir os 5 mil municípios do Brasil. Se você analisar os territórios em que o Pronasci foi implementado, você vê que esses índices de letalidade da polícia diminuíram. Só que ao mesmo tempo, o Brasil é um país que tem racismo estrutural. É importante ter ações voltadas para a população negra -- por isso que a gente vai voltar agora com o programa Juventude Negra Viva. É importante ter políticas públicas focadas para o combate a violência contra os negros, as mulheres. Isso é uma coisa que a gente vai tentar fazer. Vamos tentar racializar e dialogar com os ministérios. Então não acho que não deu certo, só não teve continuidade. As ações de prevenção precisam de um tempo para ter resultado.
Não existem dados abertos suficientes sobre a segurança pública no Brasil. Cada estado fica responsável por registrar suas informações sobre os casos de violência policial, por exemplo, mas nem sempre esse registro é feito. Vocês pretendem unificar esses dados?
Isso é uma ação da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Uma das ideias, que já foi conversada na transição, é a construção de uma unidade para unificar todos esses dados. Até para nós é ruim. Como eu vou saber se uma política de segurança pública deu certo se eu não tenho indicador?
Em 2009, foi a primeira e única conferência nacional de Segurança Pública que o Brasil já organizou, quando especialistas, acadêmicos, gestores e sociedade sentaram para fazer um diagnóstico e elaborar propostas, que foram reunidas em um relatório, que parece ter ficado na gaveta. Vocês pretendem chamar a sociedade para falar sobre segurança novamente?
O presidente Lula tem muito forte essa ideia da participação da sociedade na segurança. Então, com certeza, a gente vai organizar essa conferência. A gente tem uma secretaria específica para organizar essas conferências.
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