"Greve dos Correios é irresponsável", diz presidente da ECT
Floriano Peixoto critica benefícios acima da CLT e diz que o primeiro passo para a privatização já começou
"Greve dos Correios é irresponsável", diz presidente da ECT
Débora Bergamasco
• Atualizado em
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Na próxima segunda-feira (21 set), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai apreciar a greve dos Correios, que já completou um mês de duração este ano. A expectativa é que haja uma decisão capaz de pacificar a disputa. De um lado, está a presidência da empresa pública, que quer cortar dos funcionários benefícios que vão além dos previstos pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), como o pagamento de 2/3 de adicional de férias, vale refeição por 30 dias corridos, e não apenas pelos dias trabalhados, e o "vale peru", dinheiro extra na época do Natal. Do outro, estão os trabalhadores que não querem perder os benefícios já previstos em um acordo coletivo, com validade estabelecida pela Justiça do Trabalho por dois anos.
Em entrevista ao SBT News e ao SBT Brasil, o presidente dos Correios, Floriano Peixoto Vieira Neto, diz que a greve é "irresponsável". Além de criticar os grevistas, ele dá detalhes sobre o processo de privatização dos Correios, que já está em curso. A reportagem procurou o sindicato que representa os trabalhadores dos Correios, mas os telefonemas não foram atendidos. Em nota publicada no site da Fentec, a Federação diz que não haverá recuo "porque o plano geral do governo Bolsonaro é acabar com os direitos para depois privatizar os Correios e demitir pais e mães de família de forma covarde".
Leia trechos da entrevista a seguir ou assista à íntegra em vídeo.
SBT News: Quando essa greve dos Correios vai acabar? A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos vem sofrendo por uma consequência de má gestão administrativa ao longo dos anos, que vem lesando muito sua capacidade financeira. Estamos aí com um passivo acumulado de cerca de R$ 2,4 bilhões de administrações indevidas do passado. Isso nos traz uma dificuldade muito grande, não só para a gente tentar sanear esse passivo, mas também para dispor de recursos que nos permitam investir em tecnologia, investir em outros vetores de modernidade que nos assegurem maior e melhor competitividade.
Todo ano isso vem à tona, vem desgastando a sua credibilidade junto à população. Todo ano a gente sabe que, nos meses de julho e agosto, os Correios ameaçam a sociedade com uma paralisação. Estamos com mais de um mês de paralisação, associado a um momento extremamente indevido que é coincidente com a pandemia, né? Mesmo tendo sido declarados como prestadores de serviços essenciais pelo governo, a categoria não tem entendido dessa forma. Então, de uma maneira muito irresponsável e sem comprometimento com a empresa e com a própria sociedade, vem trazendo essa paralisação.
Embora não seja com um número expressivo, essa paralisação, eu diria em torno no máximo 20%... mas quando a gente associa a afastamentos que naturalmente ocorrem por conta da pandemia, essa redução da força de trabalho afeta, sim, a empresa e isso reflete diretamente na confiabilidade, na credibilidade que a empresa deveria ter. Lamentavelmente, ao longo dos anos, essas greves totalmente dissociadas da realidade da empresa e, neste caso, do momento que o país vive, essas greves são extremamente negativas e absolutamente dissociadas daquilo que o povo pretende aguardar de uma empresa prestadora de serviço.
O que os senhores esperam do julgamento do TST que acontecerá na próxima segunda-feira? Que o TST possa definir essa situação colocando um fim a esse movimento paredista, que vem afetando tremendamente não só empresa em termos financeiros, mas também a sociedade. Vale lembrar que a empresa transporta itens essenciais, como medicamentos e outros artigos necessários à sobrevivência da própria população. E nós estamos com a nossa capacidade de distribuição (comprometida) por conta dessa greve.
O que a gente espera é que o Tribunal Superior do Trabalho tenha uma sensibilidade, tome uma decisão que suspenda definitivamente essa greve. E que a gente possa retornar ao trabalho que a empresa tende a realizar junto aos clientes, aos parceiros e à sociedade como um todo.
Uma das alegações dos grevistas é que os Correios não querem cumprir o acordo coletivo estabelecido por dois anos. Por que os Correios não querem cumprir esse acordo? Isso não é verdade. Não é questão de querer ou não querer. Não tem uma dose de verdade nesta constatação. A questão foi levada aos tribunais superiores no ano passado, ao STF. Porque essa decisão de dois anos, que é uma decisão não muito usual de duração de um acordo coletivo de trabalho, estendia esse acordo por dois anos e com cláusulas muito pesadas que comprometeriam tremendamente a capacidade financeira, a sustentabilidade da empresa. Então, nós recorremos às instâncias superiores no direito que é devido aos Correios e tivemos uma decisão em caráter liminar, que foi confirmada recentemente por unanimidade pelo STF, dando vencimento de causa ao que os Correios se manifestaram -- ou seja, de um ano de vigência do acordo e com as cláusulas que nós apresentamos, com capacidade de cumpri-las. Então, não é verdade essa história de que os Correios não querem negociar.
Os Correios estão querendo cortar direitos dos trabalhadores? É interessante inicialmente fazer uma diferença entre direitos e benefícios. Direitos são concedidos pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que os Correios obedecem fielmente. Benefícios são concedidos ao longo do tempo e que os Correios oferecem aos seus empregados. O que nós fizemos este ano foi um ajuste entre esses benefícios e a própria CLT e a normas superiores do Ministério da Economia, por exemplo. Então, nós não deixamos de conceder aos empregados o que de fato têm por direito e benefícios concedidos.
Claro que alguns deles -- mínimos, mínimos, pouquíssimos -- nós retiramos porque eles não encontram nenhuma sustentação pela própria condição financeira da empresa e pela realidade pela qual o país atravessa no momento de grave pandemia. Várias empresas estão reduzindo salários e até demitindo empregados e que os Correios não adotaram essa opção. Nós preferimos manter os direitos e ajustar os benefícios trazendo-os à luz da própria legislação.
O senhor poderia dar exemplos desses benefícios? O primeiro é o adicional de férias. O trabalhador de uma empresa pública recebe, quando entra de férias, um terço do seu salário. Os empregados dos Correios recebem dois terços. Nós temos também uma correção em vista, que é o fornecimento de vale de refeição. O vale refeição é concedido por dias trabalhados e aqui nos Correios, as normas que estamos levando ao TST, é pagar por 30 dias. E eu encerraria esses exemplos com o vale extra, comumente chamado como 'vale peru', que é um adicional natalino, que o empregado recebe pelo momento de festas e que só esse 'vale peru' representa um impacto para a empresa na ordem de R$ 100 milhões.
Se os Correios atenderem aos pedidos dos trabalhadores, qual é o impacto no caixa da empresa? Se todas as propostas da categoria fossem atendidas, o impacto seria da ordem de R$ 1 bilhão por ano. O que inviabiliza completamente a saúde financeira da empresa, tanto nas prestações dos seus compromissos junto à categoria trabalhadora, porque isso certamente afetaria a capacidade de honrar a manutenção dos salários sem qualquer redução. E ainda a possibilidade de a empresa investir em tecnologia, buscando a modernidade tão necessária para que ela possa sobreviver de uma forma bastante saudável comparada aos seus concorrentes.
O senhor fala em investir em tecnologia, mas os Correios estão no radar do presidente Jair Bolsonaro e do Ministério da Economia para passar por uma privatização. Mesmo assim, cabem investimentos? São coisas diferentes. A empresa não vai deixar de existir independentemente do futuro que se visualize para ela ao final dos estudos. Existe um processo de desestatização em curso. Ele é construído a várias mãos: ministério da Economia, ministério das Comunicações, BNDES e os próprios Correios. É um processo que a gente chama de top down, dentro do qual os Correios funcionam como um objeto de estudo. Não temos capacidade de interferir nos rumos dos estudos, mas nós oferecemos as informações e o material necessário para as análises que são feitas. Esse estudo já começou por meio de uma consultoria contratada pelo BNDES e que terá até o fim do ano de 2021 para chegar às propostas que sejam mais adequadas à empresa e à realidade nacional.
Essa discussão também vai ser feita no Congresso Nacional? Sim, a primeira fase desses estudos inclui, entre outras abordagens, o encaminhamento ao Congresso de um projeto de lei que deverá discutir questões dos Correios, como a universalização do serviço postal e outras especificidades da empresa.
Já dá para saber quais serviços entrariam nessa desestatização? Ainda não, é muito precoce que a gente alinhave qualquer possibilidade, porque estaríamos adiantando estudos que serão feitos pela consultoria. Mas é importante destacar que essa intenção é manifestada pelo senhor presidente da República desde a campanha, que ele falava muito sobre retirar o Estado das costas do cidadão.
Interessante também a gente entender que a realidade do Brasil exige uma maior participação do segmento privado no setor produtivo. É uma realidade que não temos como nos afastar e adequar a empresa às questões de modernidade, de leveza, para que a empresa possa funcionar com uma competitividade junto aos seus concorrentes. E deixar o Estado com as questões mais sensíveis, como saúde, educação e segurança.
E como avalia o interesse de empresas já de olho nos Correios? Eu não sei precisar. Não tenho pessoalmente recebido indicadores nesse sentido. Mas certamente, em fases posteriores, quando esses estudos estiverem mais consolidados, teremos bastante interessados nos Correios.