Pesquisadores pedem por coragem no combate à fake news
Dupla auxiliou núcleo jurídico da campanha de Lula, que conseguiu ganhar 75 ações contra posts falsos
Emanuelle Menezes
Evocando uma "literacia das redes" para combater com "coragem civilizatória" as fake news, a mestre em Comunicação Política Fernanda Sarkis e o sociólogo Marcus Nogueira concederam uma entrevista ao Agenda do Poder, do SBT News, nesta 2ª feira (05.dez), para falar sobre estratégias para desmontar fake news e discursos de ódio nas redes sociais.
'Literacia', termo mais usado em Portugal do que no Brasil - que prefere o sinônimo Letramento, pode ser definida como a capacidade do aprendizado da leitura e da escrita. Uma 'literacia das redes' seria, então, a construção de um conhecimento e de habilidades de interpretação dos conteúdos das redes sociais. Para a dupla de pesquisadores, esse é o caminho para o combate a fake news, não só no Brasil, mas também no mundo.
"A gente tem que ter coragem civilizatoriamente de encarar esse problema. E só tem um caminho, é a participação da sociedade, é envolver um número maior de pessoas, colocando a pauta com clareza, estabelecendo uma literacia sobre a ocupação de rede" afirma Nogueira.
Os dois atuaram em um processo de pesquisa junto com o núcleo jurídico da campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para tentar conter as desinformações durante as eleições gerais de 2022. Nesse processo, eles criaram um método de cartografia do controverso, analisando o comportamento do núcleo duro do bolsonarismo, representado pela figura do filho 02 do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro.
"A gente tem um processo de pesquisa que começa com um método que nós desenvolvemos de análise de fontes de informação, análise do discurso e aplicando uma teoria chamada teoria ator-rede. Com esse processo, a gente começou a analisar como que era o comportamento desse núcleo duro do bolsonarismo, que estava representado na figura do Carlos Bolsonaro", diz Fernanda.
Nogueira explica que na cartografia do controverso eles identificam um assunto polêmico e estabelecem, a partir daí, relações entre os grupos sociais que estão envolvidos no debate. Assim eles desenvolveram o trabalho com os advogados, fazendo um mapeamento do entorno de Carlos Bolsonaro e da forma como ele interagia com a rede. "Nós também entendemos que o discurso, as linhas temáticas, os territórios temáticos, como a gente chama, são extremamente importantes para a gente poder identificar como era o funcionamento da estrutura da rede" conclui o sociólogo.
Através do acompanhamento e monitoramento diário das interações de Carlos Bolsonaro, com recortes temporais na pré-campanha e depois no primeiro turno, os pesquisadores criaram um mapeamento de temas chamado de 'Show de Jair'.
"Nesse processo de mapeamento dos territórios temáticos, nós fomos identificando quais eram os grandes arcos narrativos que essa rede utilizava para ocupar o espaço de determinadas fake news. Então existiam grandes histórias que eram construídas em torno do bolsonarismo, fake news que muitas vezes para fora da bolha não fazem muito sentido, seriam até ridículas ou esdrúxulas, vão ganhando densidade dentro dessas grandes histórias que vão sendo construídas" disse a comunicóloga.
"O que se habituou a chamar de gabinete do ódio, na verdade, é uma estrutura técnica que a gente vê internacionalmente funcionando. Nós, quando estamos lidando com fake news, não estamos lidando com um problema especificamente brasileiro e nem os arcos narrativos utilizados no Brasil são arcos narrativos brasileiros apenas", conclui Nogueira, lembrando, por exemplo, que a fake news sobre banheiro unissex circulou no Brasil ao mesmo tempo em que circulava pela Europa.
Foi com esse trabalho em torno dos arcos narrativos e da análise das fake news, identificando padrões e os principais atores na criação e produção dos conteúdos, que a assessoria jurídica da campanha de Lula conseguiu ganhar 75 ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pediam a remoção de postagens com conteúdo falso ou mentiroso.
"Nós vamos ter que evoluir muito do ponto de vista das regras jurídicas, para a gente conseguir criar novas jurisdições (...). E a pergunta é: como que a sociedade vai reagir para que o parlamento possa perceber isso e a gente começar a criar novas jurisprudências, para que a gente tenha elementos efetivos para a sociedade combater esse tipo de burla na ocupação do espaço digital?" finaliza Marcus Nogueira.