Volta do DPVAT: Seguro auxiliou 830 mil desde 2021; sem recursos, 70 mil vítimas ficam sem assistência
Possível retorno pode cumprir função social de auxiliar os mais pobres, apontam especialistas
Desde 2021, quando o seguro DPVAT passou a ser administrado pela Caixa, mais de 830 mil brasileiros vítimas de acidente de trânsito recebera auxílio financeiro para cobrir despesas médicas, invalidez permanente ou indenizar a morte de algum familiar.
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Em média, quase 800 pessoas por dia foram indenizadas pelo seguro, segundo levantamento exclusivo do SBT News com dados Superintendência de Seguros Privados (Susep).
A cobrança obrigatória do seguro DPVAT foi extinta por uma Medida Provisória do ex-presidente Bolsonaro, em 2019. Na mesma ocasião, a gestão do fundo, que estava sob suspeita de corrupção, foi passada para a Caixa.
Os auxílios continuaram a ser pagos até o dia 14 de novembro de 2023, quando acabou o saldo de R$ 4,3 bilhões acumulado durante os anos anteriores à extinção. Mais de 76 mil pedidos de ajuda financeira para vítimas do trânsito brasileiro ainda estão em aberto.
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Para Ricardo Teixeira, economista e professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a possível volta do seguro DPVAT, agora chamado Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (SPVAT) é o retorno de um seguro social necessário principalmente para a população mais vulnerável financeiramente. A proposta foi aprovada pela Câmara e aguarda avaliação do Senado.
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De acordo com Associação Brasileira de Atendimento às Vítimas de Trânsito, 65% dos acidentados do trânsito brasileiro ganham entre 0 e 1 salário mínimo.
“O DPVAT atendia a todos os brasileiros que solicitassem a indenização mediante perícia técnica. Mas, esse seguro, em especial, tem uma função social que alcança os menos favorecidos financeiramente. A família de um trabalhador morto em um acidente de trânsito consegue uma mínima dignidade para descansar aquela vida, em meio à urgência. Sem ele, a família teria que se comprometer financeiramente com um advogado, poderia ficar anos e anos na Justiça para, um dia, talvez, conseguir uma reparação ou ajuda financeira. Detalhe, o cenário pode ser ainda pior para as famílias vítimas dos que matam e fogem”, analisa Ricardo.
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O cenário descrito pelo economista ilustra o que Fernando Diniz passou com a morte de seu filho, Fabricio Pinto da Costa Diniz, vítima de um acidente de trânsito, em 2003.
“Meu filho tinha 20 anos quando ele e duas amigas estavam no banco de trás do carro quando um motorista os acertou, matou os três e fugiu em seguida. Na época, eu estava tão preocupado com o enterro do meu filho que recebi DPVAT e doei para uma igreja”, conta Fernando Diniz.
Além disso, segundo o economista, a possível volta da cobrança do seguro SPVAT tem que ser alinhada com o cenário vivido pelas sociedades.
“Em 2019, fazia sentido reduzir o tamanho do estado e aliviar o bolso do contribuinte, principalmente com a chegada da pandemia, no ano seguinte. Agora, temos uma dinâmica cultural e uma demanda das relações de trabalho que se impõe, como os trabalhadores de aplicativo que não têm uma mínima garantia trabalhista pelas plataformas, além do modo de viver das grandes cidades”, afirma Ricardo Teixeira.
O encarecimento de custear um carro, o preço da gasolina e o tempo preso no trânsito são alguns dos motivos para que uma a cada três cidades brasileiras tenha mais motos do que qualquer outro veículo, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Atualmente, o país conta com 115 milhões de motocicletas.
Como efeito cascata, Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp, lembra que o fundo indenizatório beneficiava indiretamente uma parcela da população atendida no Sistema Único de Saúde (SUS), já que parte do valor arrecadado era destinado ao sistema público de saúde. No entanto, o repasse ao SUS não foi garantido ao novo texto.
Apesar do valor tanto do custo quanto do prêmio do seguro não terem sido definidos ainda, na visão de Ricardo Teixeira, o novo projeto deve calcular estritamente o necessário para ser cobrado o mínimo possível do contribuinte.
“Se o seguro social voltar para ser uma forma de poupança para o governo brasileiro poder gastar futuramente onde quiser, o brasileiro deveria ser poupado dessa política, já que pode ser um valor que pode pesar no bolso de muitas famílias do país”, conclui Ricardo.