Trabalhe os lados positivos das mudanças
"Toda mudança, para uma organização, levará à imposição de novas formas de trabalho", analisa o colunista do SBT News
O fenômeno da mudança é um evento complexo que retrata as múltiplas determinações, interesses, angústias e resistências dos atores internos em diversos níveis de uma organização e de seus atores externos, sejam eles credores financeiros e operacionais, governo ou a sociedade em geral.
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Não podemos pressupor que esses atores serão passivos, que absorvam sozinhos as mensagens e, por si próprios, estejam motivados e comprometidos em contribuir para o processo de turnaround.
Toda mudança, para uma organização, levará à imposição de novas formas de trabalho, de metas agressivas, de novas normas e procedimentos, rompendo, de certa forma, com o contrato psicológico entre a empresa em dificuldades e seus colaboradores, contratos estes baseados na estabilidade, histórico e garantias de continuidade, nos deveres e obrigações mútuas, que se completam ao contrato formal de trabalho, com suas cláusulas de benefícios e remuneração associadas.
No processo de recuperação da empresa, credores financeiros e operacionais verão uma ameaça clara de não receber o capital investido: mudanças serão impostas nas condições, prazos e juros dos pagamentos, e ainda poderão considerar que haverá um desconto significativo no valor do principal da dívida.
O governo tem interesse em arrecadar impostos e tributos, bem como, que empregos sejam mantidos.
A sociedade tem uma agenda múltipla, passando pela qualidade e preços dos produtos, por temas de ESG, inclusão social, entre outros.
O processo de comunicação para dentro e fora da organização logo no início do turnaround deve ser estabelecido de forma clara e estruturada, sem atropelos ou improvisações.
É comum os atores serem surpreendidos com informações de que a empresa não está performando, não está conseguindo cumprir com suas obrigações, com funcionários, clientes, bancos, fornecedores e governo.
Esses stakeholders precisam ser mapeados, agrupados por grupo de interesses, resultando no estabelecimento de um plano de comunicação a ser seguido.
A Teoria da Perspectiva, que rendeu o prêmio Nobel de Economia a Daniel Kahneman em 2002, nos diz que possibilidades de perdas têm poder de influência maior em nossas decisões do que eventuais ganhos.
Estendendo para o processo de mudança, teríamos uma situação em que os envolvidos avaliam as possibilidades de perdas que o turnaround pode trazer com peso maior do que as oportunidades criadas.
Sob esta ótica, os envolvidos têm resistência natural para mudança, focando-se nas perdas e no lado negativo, ao invés de um engajamento espontâneo interno de cada ator. Assim, a parcela positiva da mudança já sai prejudicada.
Para dentro da organização, a liderança autocrática, negativa, temida, culminará provavelmente na saída dos melhores e mais valiosos recursos humanos, seja porque encontram novos empregos, ou porque se desvincularam do compromisso de entregar o máximo do seu desempenho.
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Com relação aos atores externos, muito atentos aos sinais e às comunicações que lhe são apresentadas, a comunicação negativa irá, por exemplo, disparar ou acelerar a execução de garantias das dívidas e a supressão de financiamentos de curto prazo.
Sem seus melhores talentos, sem o comprometimento da maior parte de seus funcionários e sem a confiança dos credores financeiros e operacionais, qualquer plano de reestruturação, por melhor que seja construído e elaborado, fatalmente falhará.
Desta forma, precisamos que o plano de comunicação seja claro em reforçar que mudanças irão acontecer, e acima de tudo, que seja ferramenta para combater o lado negativo da situação, ressaltando eventuais oportunidades positivas provenientes do processo.
Nossa comunicação deve abordar que perdas poderão acontecer, porém, o foco deve ser em comunicar que, durante e após o turnaround, surgirão oportunidades positivas.
Devemos policiar a comunicação para que não reforce o sentimento natural de perda, e sim o lado positivo das conquistas atingidas.
As metas e objetivos atingidos precisam ser divulgados, sendo comunicados (e-mails, notas explicativas, site corporativo, redes sociais etc.) aos públicos internos e externos, incluindo o uso de Gestão à Vista para o acompanhamento do plano de reestruturação. Esses atingimentos devem ser comemorados, e se possível, com reconhecimento da organização aos responsáveis pelo sucesso.
Cabe salientar que mostrar integridade, ter comportamento honesto com os envolvidos, é fundamental para que haja credibilidade, criando ambiente propício para que o lado positivo seja melhor absorvido, e que os atores sejam convencidos a participar ativamente nas mudanças. Para tanto:
- Seja direto e pragmático, não distorça fatos ou manipule pessoas e instituições, fale sempre a verdade. As apresentações e relatórios devem se basear em fatos e dados. O fluxo de caixa é feito para controle e convencimento numa negociação, não para ser um documento fantasioso.
- Não esconda a situação, seja transparente, simples e autêntico, sem mascarar ou esconder informações importantes dos atores. Se não souber responder, diga que buscará a informação e encaminhará a quem questionou.
- Escute e procure entender os pontos dos outros, não tenha pressupostos e julgamentos antecipados das pessoas e situações. Por mais experiente que você seja, as coisas podem ser diferentes.
- Mostre que você se importa, demonstre respeito pelo interlocutor, mostre que você sente o quanto a situação pode ser desconfortável, mas que existem coisas positivas que foram e serão conquistadas.
- Cumpra suas promessas e compromissos¸ somente assuma o que pode entregar, e se em casos excepcionais, não puder cumprir o acordado, de forma alguma culpe outra pessoa e não delegue a comunicação. Evite promessas de longo prazo em que o próprio processo de turnaround poderá impedir que sejam cumpridas. Foque no tangível e no curto prazo.
- Converse com os atores-chave regularmente mantendo na agenda tempo para reforçar compromissos e mantê-los informados dos sucessos e atualizações, avaliando riscos de deserção, antecipando-se e esclarecendo a importância de cada um no processo.
- Invista no futuro mostrando confiança que o processo de turnaround será um sucesso, e que aqueles que se comprometerem e desempenharem, serão beneficiados.
- Em todas as oportunidades, comunique e repita que as mudanças são necessárias para o negócio. Procure usar diversos meios de comunicação, sejam formais ou informais, divulgue sempre os objetivos finais e os passos intermediários de curto prazo. Não se atenha a ficar dentro de uma sala e restrito aos mesmos interlocutores; circule, interaja, construa relacionamentos.
- Seja positivo e seguro do plano de turnaround, mostre que você acredita que o processo de turnaround será um sucesso, foque nos sucessos e reconheça o que não aconteceu conforme o plano como parte da jornada.
O processo de turnaround exige mudanças para traçar um novo caminho para a organização, e não conseguirá ser feito sem o comprometimento e participação dos stakeholders. Sem uma comunicação clara e eficiente, dificilmente será um sucesso.