Economia se mexe para compensar o grande número de feriados do ano
Movimentação de passageiros, de carros e de cargas sinaliza mais atividade em diferentes segmentos
Guto Abranches
Quando 2023 começou já se sabia. O ano teria uma quantidade de feriados - com possibilidade de se tornarem prolongados - maior do que as dos anos recentes: o ano passado, por exemplo, teve 9 feriados, e apenas um permitiu a chamada "emenda". Já neste ano serão nada menos do que 11 comemorações ou dias festivos que, em outras palavras, significam quase que inevitavelmente mais tempo para o papo-pro-ar do brasileiro. E menos produção, menor atividade econômica. Três serão feriadões de quatro dias de descanso.
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Não é de hoje que isso é assim. O Brasil figura "bem posicionado" no ranking internacional das maiores quantidades de folgas. Mas engana-se quem acredita que o país seja o campeão mundial dos feriados, como já chegou a ser divulgado.
Levantamento da consultoria americana Mercer, que tem sede em Nova York e escritório no Brasil, entre outros países, apurou que no topo da lista das festas e comemorações estão a Colômbia e a Índia, com 18 celebrações por ano.
Entre as economias mais arrojadas ou "desenvolvidas", vem antes do Brasil ainda a Coreia do Sul, o Japão, a Finlândia e até a Rússia. O Brasil tem 12, e está ao lado do Peru, África do Sul e Grécia em modesto 7º lugar no ranking. E isso já é suficiente para preocupar o setor produtivo, leia-se a atividade econômica do país.
Porta baixada
As perdas para o comércio em todo o país são estimadas em R$ 25,7 bilhões em função dos dias de folga. A estimativa é da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Se considerado que o comércio responde por aproximadamente 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, o prejuízo para o todo da economia tranquilamente ultrapassaria a centena de bilhões de reais.
Não há cálculo oficial que consiga abranger esse recorte da realidade, mas a experiência de quem é da área aponta os motivos -- e a dimensão -- da preocupação.
"Os serviços são 70% da economia. Na contabilidade do PIB, o comércio entra em serviços. Então a gente tá falando entre 15 a 20% do PIB, dentro do que é serviços como um todo", aponta Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP.
Fôlego e festa
Os sinais são visíveis. Mas nem sempre negativos, no que se refere ao giro econômico. Por exemplo: a Infraero, que cuida do fluxo de passageiros em 21 aeroportos das 5 regiões do país, calculou em 750 mil passageiros o número de viajantes circulando por via aérea neste Corpus Christi.
É um crescimento significativo de 34% em relação ao movimento equivalente no ano passado. Previsão de alta de 24% no número de pousos e decolagens. E mais. A Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (BRAZTOA) já projeta ver o faturamento voltar ou até superar os níveis pré-pandemia, ao longo de 2023. "Com certeza há uma movimentação de turismo, pessoas que podem chegar às cidades, vão gastar, vão se hospedar", afirma Ruiz de Gamboa.
Termômetro sobre rodas
No caso brasileiro, o fluxo de viagens também se dá muito intensamente pelas estradas. Carros de passeio provocam imensos congestionamentos nas fugas das grandes cidades em direção a cobiçadas regiões de lazer. E o movimento traz junto uma observação valiosa em relação ao tráfego, dividido entre veículos leves e caminhões peso-pesado.
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) elabora em conjunto com a Tendências Consultoria um índice mensal que acompanha o ir e vir dos veículos pelas rodovias que tem cobrança de pedágio em todo o país. É um termômetro que capta indiretamente a evolução da economia sobre rodas. O quadro mais recente foi divulgado nesta 6ª (09.jun) e se refere ao mês de maio. Veja tabela abaixo.
No mês passado o indicador global cresceu 1,3%: os carros de passeio contribuíram com alta de 0,8% e os caminhões e pesados em geral saltaram 1,9%. Comparado ao mesmo período de 2022, o índice total aumentou 5,9%, determinado pela alta de 7,2% de leves e 2,4% de pesados. Nos últimos doze meses, o índice total acumula avanço de 4,8%, composto por aumento de 6,0% de veículos leves e 1,2% de pesados.
Os veículos pesados captam a demanda de fretes para escoamento da produção agropecuária, por exemplo. Com uma super safra como a deste início de ano, a tendência é de que o fluxo dos caminhões se dê de forma mais intensa, revelando atividade da economia em crescimento. Os carros de passeio também são indicadores do andar da economia, neste caso mais voltada ao cidadão.
"O resultado reflete o cenário favorável ao consumo familiar de serviços não essenciais, principalmente pelas famílias de renda mais alta. Além disso, tem contribuído para o aumento do fluxo o menor patamar de preços dos combustíveis e a redução das pressões inflacionárias, especialmente quando comparados com igual período do último ano" - Davi Cardoso e Thiago Xavier, analistas da Tendência Consultoria.
Expectativa em números
O relatório Focus, do Banco Central, apontou revisão importante da estimativa para o crescimento da economia em 2023: a edição da 2ª (05.jun) trouxe projeção de 1,68% para o PIB, contra 1,26% da semana anterior. E há números positivos também para os próximos anos.
"A gente tem que pensar que essa surpresa do PIB tá vindo muito pelo lado da agropecuária. O consumo das famílias continua aumentando, embora seja um aumento muito mais modesto do que as exportações, do que o próprio recorde de safra do agro. Mas de qualquer forma aumenta a renda como um todo, o que poderia compensar em parte [o número de feriados] "- Ulisses Ruiz de Gamboa, ACSP
Veja a seguir a íntegra da entrevista com Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP:
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