Publicidade
Economia

Há 5 anos, greve dos caminhoneiros parou o Brasil por 11 dias

"Com mais dois dias parados a gente derrubava o governo Temer", diz Chorão, um dos líderes do movimento

Imagem da noticia Há 5 anos, greve dos caminhoneiros parou o Brasil por 11 dias
Greve caminhoneiros
• Atualizado em
Publicidade

21 de maio de 2018. O Brasil amanheceu com enormes filas de caminhões na beira das estradas. Era o início de um movimento grevista de profissionais revoltados com o preço do óleo diesel. Na bomba de combustíveis, o litro custava em média R$ 4,40, variando de acordo com a região do país. 

+ Leia as últimas notícias no portal SBT News

Custo e curso

O preço do diesel impacta diretamente no bolso do caminhoneiro e é parte determinante do custo a cada transporte executado. As associações de profissionais afirma que alertavam sucessivos governos de que a situação se tornaria insustentável. Eles culpavam impostos como o PIS/COFINS e o ICMS pela formação dos preços e pediam a redução dos tributos sobre a cadeia.

"Numa viagem de São Paulo a Salvador são dois mil quilômetros. O caminhoneiro tem que abastecer mil litros. Isso dá mais de R$ 4 mil. Bota mais uns 30% de pedágio do percurso. Aí, com o frete que ele recebia, que era perto de R$ 6 mil, ele não ficava com quase nada", afirma José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) que representa aproximadamente 450 mil profissionais autônomos reunidos em cerca de 67 sindicatos e outras entidades. 

Lideranças 

Fonseca tem trajetória de mais de 25 anos como sindicalista e outros tantos como transportador. É das vozes mais ativas a representar a categoria, e muito atuante nas manifestações e reivindicações. Esteve na linha de frente dos grevistas e sentou-se para conversar com as maiores autoridades da República. Entre muitos "representantes" da categoria - as aspas são expressas por Fonseca -, inclusive aqueles que apareceram mais a partir das lentes das TV's no auge do movimento, ele foi um dos principais negociadores pelo lado dos trabalhadores.

Com um milhão e seiscentos mil caminhoneiros rodando pelo país, de acordo com as associações e sindicatos da categoria, não demoraria para surgirem mais e mais interessados em falar "em nome" dos motoristas. O movimento ficou bastante caracterizado pela grande quantidade de personagens que se apresentaram como líderes dos profissionais. Mas peso e alcance verdadeiros para estar à frente dos bloqueios espalhados por todo o país não se revelaram atributos efetivos de muitos deles. 

Wallace Landim, o Chorão, conquistou seu lugar. Apareceu nacionalmente a partir da greve. "Tudo o que eu tenho foi o meu caminhão que me deu: meu 9 eixos, peso bruto 74 toneladas, líquido 50 toneladas" diz o líder caminhoneiro, como a justificar que, por ter vivido "por dentro" a experiência ao volante da carreta, faz questão de se apresentar como alguém que vai reivindicar em nome dos comandados - ou parte deles. Chorão é presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), que representa cerca de 35 mil caminhoneiros, nas contas da entidade. Não foi o único, mas um dos mais destacados a apresentar ao então governo Temer as condições que a categoria impunha para voltar a rodar. Na mira, o preço do litro do diesel. 

"A paralisação de 2018 foi a maior da história, não foi antidemocrática: foi uma pauta de sobrevivência da categoria, pra poder dar condições da gente trabalhar. Ali eu atuei e atuaria de novo. Agora, destituição do Supremo, prisão de senador, de deputado...isso eu não defendo" - Chorão Caminhoneiro
 

A alusão diz respeito à aproximação de grupos de caminhoneiros - e seus expoentes - da disputa política nacional dada em outras esferas depois do encerramento da greve. 

Progresso da greve

Daquele dia 21 de maio, quando aproximadamente 17 estados apresentaram pontos de bloqueios de tráfego nas estradas, o movimento acelerou. No dia seguinte já eram 24 estados. Grandes montadoras de veículos reduziram a atividade, receosas de não poderem contar com componentes para produzir seus carros. A greve produzia efeitos em vários setores da economia e da vida da população. Começava a contar o tempo que definiria a pressão popular como apoio ao movimento, ou a jogar contra ele. Mesmo trunfo a ser apresentado pelos caminhoneiros na mesa de negociações com o governo.

No gráfico abaixo, do dia 25 de maio de 2023, estão retratadas as quase 800 posições nas quais os caminhoneiros bloquearam o tráfego nas estradas:

Reprodução/Polícia Rodoviária Federal

Ação de governo

O governo federal, ao mesmo tempo, negociava com os grevistas e agia para controlar o progresso e os efeitos da greve. Uma das frentes de atuação foi ajuizar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com pedido de medida cautelar. O instrumento jurídico é uma espécie de garantia de que o processo legal terá seus princípios fundamentais respeitados, de forma a permitir que toda e qualquer resolução, ainda que em meio à toda sorte de circunstâncias, será balizada pela lei. A Advocacia Geral da União foi convocada para representar o governo federal com esse intuito, em documento do dia 25/05/2023. É a ADPF 519, na qual posteriormente o ministro relator Alexandre de Moraes se basearia para dar o parecer do Supremo sobre a greve.

Veja abaixo trechos do documento de 31 páginas que oficializa a posição do governo Temer:

PDF
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
PDF
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
PDF
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
PDF
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
PDF
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)
Reprodução/Advocacia Geral da União (AGU)

Mesa de negociações

Na outra ponta da busca por entendimento, governo e caminhoneiros relacionavam reivindicações e condições para aceitação - ou não. Àquela altura, o governo aplicava a política de Preços de Paridade de Importação, a PPI, que regularia os preços dos combustíveis tendo como referência as cotações do petróleo, gás e etc no cenário internacional. A PPI foi adotada ainda em 2016, e só recentemente o governo Lula determinou que fosse abandonada como política exclusiva para a formação dos preços. " A nossa luta era para tirar todos os penduricalhos de cima do preço do diesel", lembra José da Fonseca. E completa: 

"O Temer quando fez equiparar com o dólar, dolarizar o diesel, o caminhoneiro só fazia pagar a conta do diesel, não ficava com nada para ele. E, aos poucos, a população começou a sentir que as coisas estavam mais caras, isso quando não faltava no supermercado, no posto de gasolina" - José da Fonseca Lopes, Abcam

Wallace "Chorão" Landim vai pelo mesmo caminho. " O dólar no preço foi só o começo do problema, criado pelo Temer. Sem rever aquela ideia não se conseguia negociar nada", diz. O caminhoneiro também aponta o cenário político que antecedeu o movimento como determinante para a decisão pela greve. E que ditaria os rumos que viriam pela frente para as lideranças e a categoria. "Depois dessa política de paridade, vem a prisão do Lula. Em 2018 teve uma campanha eleitoral, o país já respirava a eleição presidencial que viria no final do ano. Essa alternância não permitiu conviver com o governo de forma constante. Havia um desgaste dos governos. E o preço do combustível subia toda semana. Isso que alimentou a paralisação", analisa Landim. 

Ação e reação

Em contrapartida, o presidente da Petrobras à época, Pedro Parente, comunica que o preço do diesel seria reduzido em 10% e permaneceria congelado por 15 dias nas refinarias. As negociações continuam e o governo anuncia, em 24 de maio, que chegara a um acordo com os trabalhadores para suspender a greve.

Logo depois, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou uma multa de R$ 100 mil por hora de paralisação às entidades responsáveis. "Por atos que culminassem na indevida ocupação e interdição das vias públicas, inclusive acostamentos, por descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição; (iv.b) de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia, por atos que culminem na indevida ocupação e interdição das vias públicas (...); e ainda, sobre o manifestante que se recuse a retirar o veículo que esteja obstruindo a via pública ou proprietário do veículo que esteja obstruindo a via pública, por descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição', diz o texto oficial assinado por Moraes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda permitiu a remoção dos manifestantes que estivessem bloqueando as vias. Além disso, o governo federal invocou a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), dando poder de polícia às Forças Armadas para liberar as estradas. 

Gangorra 

Aos poucos, o movimento começou a perder força. O número de bloqueios nas estradas até aumentou depois das definições da Justiça e do entendimento nas mesas de negociações, mas o volume de condutores em cada ponto de paralisação diminuia a olhos vistos. 

José da Fonseca lembra de ter sido chamado pelo governo para uma reunião na Casa Civil. " O Temer nunca falou comigo. Só o ministro [Eliseu Padilha, na época]. Até que o bicho pegou. Só não fiquei mais tempo pelo desabastecimento de diesel, álcool, alimentos, hospital e etc", conta ele.

O que realmente fez a diferença na decisão de acabar com o bloqueio foi o custo para a vida da população, segundo os caminhoneiros. Depois de alguns dias parados, os grevistas começaram a experimentar a insatisfação nas ruas: o que era apoio inicialmente se tornou uma forte crítica aos pleitos da categoria. A gangorra começava a desequilibrar contra profissionais...e contra o Governo Federal.

"Com mais dois dias de greve a gente derrubava o governo Temer" - Chorão Caminhoneiro
 

Desvio ou atalho

Em 27 de maio a Abcam assina acordo com o governo para por fim à greve. "Fechamos um acordo com redução de R$ 0,40 por litro de diesel. Não era pouca coisa. Numa viagem de 2000 km, o caminhão mais velho do autônomo faz dois quilômetros por litro. Em mil, a economia a favor do caminhoneiro era de R$ 400,00. Foi um benefício", resgata Fonseca. Ele aponta ainda que outros pontos negociados foram ao menos parcialmente atendidos; o entendimento estaria garantido ao menos até dezembro daquele ano, final do governo Temer.  

Na mesma noite, Fonseca dava entrevista em rede nacional anunciando que o acordo estava fechado, e pedia aos profissionais para desocuparem as estradas. "A liberação começou uma hora depois", diz Fonseca. Entretanto, pontos de bloqueio ainda resistiram nas estradas por mais tempo. A Federação Nacional dos Combustíveis (Fecombustíveis), que representa 40 mil postos em todo o país, acusava falta de produtos na Bahia, Distrito Federal e Minas Gerais.

O Ministério Público Federal pediu explicações ao Gabinete de Intervenção Federal sobre o porquê de ainda existirem bloqueios. Caminhões-tanque ainda saíam escoltados das refinarias, para evitar violência contra os motoristas. A dois dias do fim da greve, havia 616 pontos de manifestação dos caminhoneiros nas estradas, mas praticamente nenhum bloqueio ao trânsito. 

Do lado do consumidor, ainda se observavam as consequências da paralisação. Os preços de alimentos e combustíveis dispararam, obrigando os orgãos de defesa a multarem inúmeros estabelecimentos. A greve deixava de determinar o dia a dia do país. Em 30 de maio, o movimento foi dado como quase dissipado. Mas a influência sobre o futuro político do Brasil ainda se faria sentir. 

Causa e consequência

No acordo firmado entre a categoria e o governo Temer, um item foi tratado pelos profissionais como mais duradouro: ao menos as conversas entre as duas partes estaria garantida pelos meses seguintes. Promessa que um presidente, em fim de mandato, sabidamente não poderia cumprir. Mas teria sido firmado o compromisso de que, o governo que saía, deixaria uma porta aberta junto ao eleito para dar prosseguimento às conversas. Não aconteceu.

"O governo Bolsonaro para nós foi a maior tristeza. Eles tinham o agro, com as cartas e a influência política do agro a favor deles. Aí não lembraram da gente. Esse governo passado só mentiu pra nós. O governo Lula tá fazendo em poucos meses muito mais: Nunca vi a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) fiscalizar tanto quanto agora. Fazendo cumprir a tabela de frete, o pagamento do pedágio - só quem pagava era o agro - 90% deles não pagava. E a PPI acabou. Agora tá bom. Posso dizer para você que esse início de governo está bom", diz Fonseca. 

Volante da política

Pela abrangência nacional e efetividade das paralisações, rapidamente a greve de 2018 instalou na vida político-partidária do país novas participações. Atuantes junto à categoria, e com alcance também junto à população, os participantes mais destacados do movimento logo começaram a ser cobiçados pelo meio político: para se lançarem como candidatos ou para tomarem lugar em outros movimentos.

Ao longo da campanha presidencial de 2022, nomes da greve que se estabeleceram no cenário nacional foram imediatamente ligados à campanha de Jair Bolsonaro, então disputando a reeleição. Apesar disso, a adesão dita mais "natural" ao candidato não atingiu a dimensão que os partidários da direita poderiam desejar. Fosse no apoio político, fosse na migração de finalidade dos movimentos.

"Tive que enfrentar gente na minha categoria que queria depor o presidente [Temer]. Do meio do movimento entrou intervencionista, ativista. Como quem fez esse movimento de 08 de janeiro [tentativa de golpe de estado em 08/01/23], patrocinado pelo agro e etc, foi o infiltrado, o ativista. É a analogia da ferradura: quanto mais na extrema direita você tá, mais perto da extrema esquerda você fica", diz o Chorão. Ele se diz arrependido: na esteira da atuação na greve, candidatou-se a deputado federal. Não se elegeu. E hoje avalia que não era o momento de lançar-se candidato. Talvez no futuro. Mas em relação às paralisações e à representação da categoria, não tem dúvidas. 

"Eu faria novamente no mesmo patamar hoje, uma pauta de sobrevivência. Só não participaria com finalidade política. Nem em campanha política e não apoiar 100% candidato ou A ou B. Político tem que ser cobrado não idolatrado" - Chorão Caminhoneiro 


Veja abaixo a íntegra da entrevista com Chorão:

Cronologia da greve:

21 de maio

- O aumento do preço dos diesel leva ao início da greve. O trânsito das rodovias de pelo menos 17 estados é interrompido. 

22 de maio

- A greve já é registrada em 24 estados. A manifestação paralisa a produção de grandes montadoras, como a Ford e Volkswagen.

23 de maio

- O presidente da Petrobras, Pedro Parente, anuncia a redução de 10% do óleo diesel nas refinarias pelo período de 15 dias. Os preços ficariam congelados pelo mesmo período.

24 de maio

- Em seu 4º dia, a greve passa a impactar o abastecimento de combustíveis e alimentos em pelo menos 15 estados e no Distrito Federal. O cenário é de disparada dos preços nos postos de gasolina, interrupção de fábricas e prateleiras vazias nos supermercados.

Acompanhado de uma parcela dos representantes dos caminhoneiros, o governo federal, com objetivo de suspender a greve, se compromete a atender 12 reinvidicações. Entre as medidas, estava a redução de 10% dos preços dos combustíveis nas refinarias pelo período de 30 dias. O governo, no entanto, não atende a isenção do Pis-Cofins sobre o óleo diesel. A greve continua após muitos caminhoneiros rejeitarem a proposta.

25 de maio

- O presidente Michel Temer assina um decreto dando poder polícia às Forças Armadas --- a primeira vez que uma operação GLO teve abragência nacional. Fica estabelecido que a medida duraria até o dia 4 de junho. Segundo o Ministério da Defesa, os militares ficariam responsáveis por garantir a distribução dos combustíveis nos pontos considerados críticos.

26 de maio

- Escoltas são utilizadas para garantir o abastecimento de ônibus e ambulâncias. Os ministros Raul Jungmann, da Segurança Pública, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, afirmam que, com o início da desobstrução das estradas, o reabastecimento começa a ser normalizado nos aeroportos. Não há uma previsão clara de quando a situação voltará ao normal nas cidades.

27 de maio

- Após reunião com a Casa Civil, a Abcam assina um acordo com o governo para finalizar a greve. De acordo com a associação, a categoria teve diversas reinvidicações atendidas e pede que os caminhoneiros voltem ao trabalho. Apesar disso, a paralisação continua.

28 de maio

- Em Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal mais de 90% dos postos estão sem estoque de produtos. Em outros estados, escoltas policiais e militares e decisões judiciais passam a ser utilizados para garantir o abastecimento parcial.

29 de maio

- Segundo a Polícia Federal Rodoviária (PRF), o país ainda contabilizava mais de 600 pontos de concentração de caminhoneiros. Do número, no entanto, apenas três estavam bloqueados. O abastecimento começava a ser normalizado em aeroportos e postos de combustíveis, que registraram alta considerável nos preços.

30 de maio

- A intervenção da PRF, junto às Forças Armadas, elimina o bloqueio dos caminhoneiros nas estradas, mas os impactos ainda são nítidos nas cidades. 

1 de junho

- A maioria dos estados não registram bloqueios ou protestos nas estradas. Os caminhoneiros encerram as manifestações no Porto de Santos, em São Paulo. O abastecimento de comida e combustível melhora nas capitais. Pedro Parente pede demissão da presidência da Petrobras.

Leia também

+ Governo descarta 33 casos suspeitos de gripe aviária em humanos

Publicidade

Últimas Notícias

Publicidade