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O que aconteceu nas Lojas Americanas?

CEO demite-se 9 dias após descobrir e relatar ao mercado um "erro" contábil de R$20 bilhões e pede recuperação judicial

O que aconteceu nas Lojas Americanas?
Fachada da Americanas
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O Livro de Bob Fifer "Como dobrar os seus lucros em seis meses ou menos", que leva somo subtítulo "O Livro de Cabeceira de Marcel Telles, Fundador da Ambev", traz como Etapa 37 a abordagem das Contas a Pagar de uma empresa. Parafraseando: "um método fácil de favorecer o balanço da sua empresa este ano (embora só funcione uma vez), é atrasar seus pagamentos. A maioria dos fornecedores prefere esperar para receber a perdê-lo definitivamente como cliente. Passe a pagar suas contas em 45 dias, depois, sessenta dias, depois três ou seis meses, no caso dos fornecedores mais tolerantes. Nunca pague uma conta até que o fornecedor pergunte por ela pelo menos 2 vezes. Certos fornecedores chegam a levar até dois anos para reclamar o pagamento de uma conta". Telles, é um dos três maiores acionistas da Lojas Americanas, juntamente com Lehman e Sicupira, o trio de empreendedores mais renomado do Brasil, na lista dos bilionários mundiais e sócios do private equity 3G Capital (donos da Ambev, Burguer King, Kraft Heinz).

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O capítulo acima é apenas uma ínfima fração do guia de gestão propagado pelos fundadores do Banco Garantia, que inclui, como práticas, além do agressivo tratamento aos stakeholders, filosofia de meritocracia que leva seus executivos ao limite da sanidade. Ao longo da minha carreira, pude conviver com antigos funcionários, que relataram pressões insuportáveis no trabalho, clima de competição interna destrutivo e não fomentador de relacionamentos saudáveis, pessoas "subindo a ladeira" deslealmente, bem como com achatamento substancial das margens da cadeia de valor, em prol dos acionistas das investidas. O ESG parece ser superado pelo ROE (Return on Equity ou Retorno Sobre Capital), mas, quem sou eu para julgar.

A semana passada acompanhamos comunicado que apontava, nada menos, do que R$20 bilhões de inconsistências nos balanços da Lojas Americanas, em princípio descobertos pelo recém (agora ex.) CEO Sérgio Rial, que renunciou, 9 dias após assumir o cargo, ao descortinar a prática contábil que, ao que parece, é, no mínimo, incorreta. O que aconteceu foi uma inconsistência no lançamento de operações de Risco Sacado. Essas inconsistências, seu tamanho (pode chegar a R$40 bilhões) e causas, estão sendo apurados internamente, e também em processos administrativos da CVM (já que pode ter havido operações com as ações previamente à divulgação ? o chamado insider trading ? bem como foram distribuídos bilhões em dividendos antes do anúncio). A empresa de auditoria PwC, que não identificou o erro, provavelmente também será investigada.

Esse tipo de operação, Risco Sacado, envolve 3 partes: banco, cliente e fornecedor. O cliente (Americanas) compra produtos a prazo dos fornecedores, os bancos (neste caso vários) adiantam pagamentos aos fornecedores (vários também), que recebem à vista, com desconto dos juros cobrados. A empresa então fica responsável por pagar essa dívida aos bancos. Ao que parece a administração da empresa não reportou essas operações nos balanços patrimoniais, por anos. Ao cair no mercado, a notícia fez com que os investidores perdessem a confiança na empresa, cujas ações despencaram 80% (passando a empresa de um valor de R$11 bilhões para pouco mais de R$2 bilhões). O Patrimônio Líquido da empresa, com esse lançamento de dívida, passa de positivos R$14 bilhões para negativos R$6 bilhões.

O endividamento, reportadamente mais elevado, fez com que vários contratos de dívida atrelados a alavancagens máximas fossem prontamente executados pelos bancos, que passaram a requerer a liquidação dos seus créditos, entre os mais agressivos o BTG, que acusa a empresa de fraude.

A Justiça do Rio de Janeiro aceitou, nesta quinta-feira (19), o pedido de recuperação judicial. A varejista alega ter dívidas de R$ 43 bilhões com mais de 16 mil credores - a lista deverá ser entregue pela companhia em até 48 horas. O juiz também determinou a intimação para que os bancos cumpram a decisão cautelar da semana passada, que suspendeu a possibilidade de cobrança de dívidas da empresa pelo prazo de 30 dias. Agora, a empresa terá 60 dias para apresentar o seu plano de recuperação judicial e para demonstrar a sua viabilidade econômica.

Qual impacto prático dessa recuperação judicial? Aos acionistas, talvez necessidade de aporte ou diluição do seu capital por novos aportes de outros sócios, bem como queda no valor da ação que levará anos para se recuperar, são 160 mil acionistas minoritários que perderam com esse desastre. Aos fornecedores, que muito provavelmente não possuem garantia, se essenciais receberão com algum desconto e parcelado, se não essenciais, receberão conforme o plano de recuperação, provavelmente com elevado deságio e em décadas. Aos bancos, o mesmo racional, se com garantia, receberão de alguma forma com pouco deságio, se quirografários (sem garantias), espero grande deságio e parcelamento em décadas. Aos funcionários, apenas se houverem demissões, mas usualmente recebem em 12 meses e 100% do que lhes é devido. Aos clientes, vejo pouco risco, mas desconfio que a oferta de produtos disponíveis será reduzida, dada a incerteza dos fornecedores em continuarem a fornecer.

Vale ressaltar que os controladores propuseram aporte de R$4 bilhões, mas o valor foi negado pelos bancos, que exigem no mínimo R$8bilhoes de aportes. Eu particularmente acho que o trio 3G tem uma reputação e histórico excelentes para deixarem esse problema mancharem suas imagens, de forma que tentarão se compor com os bancos, e honrarão os fornecedores, que a empresa continuará operante, normalmente, mas que terão agora um dever de casa exaustivo, de verificação da licitude de todas as atividades de suas empresas (e pode ser uma boa deixa para revisão cultural mais profunda), bem como a Lojas Americanas deverá passar por um período de constrição de capital de giro, o que poderá exigir mais aportes (ou garantias adicionais para novas dividas, que pode vir de empresas dos majoritários), para manter o curso normal dos negócios.

O conselho de administração e os comitês internos de auditoria afirmam que não sabiam de nada. Se foi movimento pensado pelos executivos, para aumentarem seus bônus, propositadamente, na linha da atual cultura permeada por décadas, de meritocracia a qualquer custo, ou seja, fraude, ou se foi erro de classificação, culposo, mas não doloso, saberemos nas próximas semanas. Recomendação ? use lupa ao avaliar comprar ações (quaisquer que sejam), pois, dificilmente, você saberá o que se passa nos bastidores das empresas. A notícia acendeu sinal de alerta, de que a prática também pode estar ocorrendo em outras controladas pela 3G, e em outras empresas, especialmente as varejistas. Olhos abertos.

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