A cada eleição, o brasileiro esquece um pouco mais do confisco da poupança
Especialistas afirmam que o "trauma" não foi esquecido por completo
Até presidente eleito o Brasil já tem, mas algumas coisas não mudam. É só se desenhar a troca na chefia do executivo e, consequentemente, no comando da economia, para voltar a preocupação traumática na cabeça de alguns: o medo de um novo confisco da caderneta de poupança - e contas correntes, entre outros ativos bancários. Ainda no mês de outubro passado, agências de checagens de notícias de vários veículos de jornalismo profissional se debruçaram sobre postagens na internet que garantiam que o Partido dos Trabalhadores trabalharia com uma "quarentena fiscal", um expediente nada usual para esconder o que seria um novo confisco. Pior. A estratégia estaria prevista no Estatuto do PT. Tudo mentira. Mas quando cai na rede, até desmentir......
Falando nestes tempos de redes sociais à toda prova, mais lenha nessa fogueira: a alta temperatura da eleição presidencial recém terminada, também trouxe de volta um festival de elucubrações sobre......acredite: o risco do comunismo! Mas este está mais para o terreno do delírio coletivo do que qualquer outra coisa. Aí também já é demais. Tratemos, pois, do que há de concreto: a preocupação com o futuro do dinheirinho muitas vezes custoso pra juntar....e que ninguém quer ver escoar entre os dedos.
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Vacina contra fake news
É em meio a este cenário que os fabricantes de fake news acham espaço para tocar o terror. Memes de intenção duvidosa, que só sabem fazer terrorismo com o bolso dos outros.
"Uma coisa simples é se informar melhor, ler jornais de verdade, assistir a diferentes noticiários e outros canais. Porque aí vão ver que as pessoas estão falando outras coisas muito diferentes. Se informar exclusivamente pelas redes sociais não é a melhor escolha. Você fica sujeito a uma espécie de intoxicação pelas mesmas notícias que não tem nenhum respaldo na realidade", analisa a dra. Vera Rita de Mello Ferreira, psicóloga que trabalha há trinta anos com pesquisa e aplicação da psicologia às decisões da vida econômica das pessoas.
A dra. Vera Rita não é economista. Mas o longo retrospecto de atuação também como observadora da vida econômica das pessoas lhe confere, no mínimo, um bom repertório para avançar nos diagnósticos: ao examinar o cenário atual da vida brasileira, ela não vê sequer semelhança com os dias que antecederam ao confisco da poupança, lá em 1990.
" Não tem excesso de liquidez, de dinheiro circulando. As pessoas estão endividadas. As pessoas tão fazendo saques na poupança. As pessoas tão usando dinheiro guardado pra pagar as contas, pra poder comer" - Dra Vera Rita de Mello Ferreira
Números ao fundo
Os números sobre a caderneta de poupança são um choque de realidade. Os brasileiros nunca resgataram tanto dinheiro dessa modalidade de reserva financeira. Nada menos que R$ 133 bilhões em saques da caderneta se acumularam desde o início do ano até o final de setembro passado. Um recorde absoluto, que corresponde a quase 13% do 1 trilhão de reais guardados nessas contas no final de 2021, o pico histórico da aplicação. Efeito de uma economia pressionada por inflação ainda elevada - em que pesem os efeitos de medidas tributárias que têm data para perder a validade -, taxas de juros igualmente altas exatamente para combater o custo de vida, e de atividade econômica acanhada.
Parte que lhe cabe
É comum que as dúvidas quanto ao futuro estejam no ar. E aqui pode-se entender futuro, em boa medida, pelo que se imagina que será das reservas que se conseguiu juntar.....às vezes, por uma vida inteira. A tendência é sossegar a ansiedade com o passar do tempo, à medida em que não se confirme nenhuma medida do tipo heterodoxa: as surpresas de planos e alternativas econômicos tomados aos trancos, sem consulta à sociedade, e que resultem em prejuízo efetivo no bolso. " Naquela ocasião [o Plano Collor, em março de 1990], a alternativa foi pensada sem que a sociedade sequer desconfiasse. Não tinha redes sociais, nem e-mail! ", aponta Marco Antonio Teixeira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas. " A chance de que isso aconteça simplesmente não existe. Do ponto de vista social e econômico não há nenhuma forma de imaginar que isso possa acontecer", sentencia ele.
Confisco e trauma
O plano econômico adotado pela equipe de Fernando Collor, se caracterizou por retirar de circulação um valor estimado de U$$ 100 bilhões, o correspondente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro da época. Os brasileiros, em sua absoluta maioria, acordaram na manhã do dia 16 de março com escassos 50 mil cruzeiros [moeda convertida pelo plano] na conta corrente ou poupança. O dinheiro ficou sob a tutela do governo por um período de 18 meses. Os valores foram restituídos aos seus legítimos donos em parcelas mensais, durante 12 meses. O Plano Collor entrou para a história como uma violência contra a sociedade brasileira. E o objetivo de debelar uma inflação que batia nos 80% ao mês, ou 1.972,91% ao ano no final do governo Sarney (1989), não foi atingido.
"Pode-se usar até o termo clínico neste caso: aquela ação do governo provocou um trauma que marcou toda uma geração", afirma a dra. Vera Rita, com a autoridade de quem escolhe com rigor as oportunidades e os conceitos a serem empregados em sua observação profissional.
A garantia é você
É com este diagnóstico "médico" que se explica porque, passados mais de 30 anos, ainda tem gente que trema por dentro ao pensar em mudança de governo e no que será dos valores amealhados com o tempo. É um processo que tem se provado lento, mas é inegável que com o suceder de governos dos mais variados matizes políticos, a ideia de acordar "sem nada" do que foi economizado vai ficando para trás. E essa alternância de poder, dos mais valiosos patrimônios da democracia, acaba por promover uma mudança também na forma de o brasileiro se relacionar com seu rico dinheirinho. "Há uma diferença importante entre o que é guardado com foco em rentabilidade, e a reserva de uso imediato, de 'urgência' ", estabelece o especialista em educação financeira da n2 investimentos, Luiz Ciardi. Enxergar a diferença é um aprendizado que decorre da nossa complexa história econômica.
Com a economia crescendo pouco, inflação e taxas de juros altos e o desemprego igualmente em patamar elevado, ao menos parte do dinheiro tem que estar na mão pra pagar um atendimento médico, um conserto do carro no meio da estrada, um cano estourado em casa que não espera pra ser arrumado. É assim que, na vida prática, um elemento ganha espaço na atenção dos poupadores: a liquidez, a disponibilidade imediata do valor guardado ante qualquer emergência.
Onde o calo aperta
" A pessoa precisa colocar seu dinheiro em um produto que, no domingo à noite ou de madrugada, por exemplo, ela consiga resgatar naquele momento. Ou o valor que vai conseguir mantê-la em um eventual desemprego ou emergência médica", acrescenta Ciardi. Quer dizer, uma parte do dinheiro das economias vai para o investimento, outra para vc se tornar a sua própria garantia: fazer a opção pela aplicação que melhor lhe atenda, a qualquer tempo. Mesmo que parte dos analistas torça o nariz. E que o retorno seja só a inflação + 0,5% [que nas condições atuais é mais ou menos 6,16% ao ano]. Ou nem seja.
" É aí que reaparece a boa e velha caderneta de poupança. É um produto que pode retirar a qualquer hora o dinheiro 365 dias por ano, 24h. Dos atuais, é um dos produtos mais seguros " - Luiz Ciardi, n2 investimentos
Quanto e quando
O especialista aponta ainda o CDB de liquidez diária, como opção. E o Tesouro Selic, chamado de Nova Poupança. Com a atenção ao fato de que, aos finais de semana e feriados, o mercado de títulos, que é referência desta modalidade, não opera. Se precisar do dinheiro, não resgata de imediato.
Outro ponto importante sobre a reserva de emergência é o total a ser poupado. Normalmente, a recomendação é que o valor seja suficiente para manter o fluxo normal de despesas durante um eventual desemprego. Calcular esse montante é simples. Se a pessoa decidir que seis meses é um prazo razoável para conseguir um novo trabalho, ela deve guardar o valor equivalente às suas despesas mensais multiplicado por seis. Assim, se as despesas de um mês somam R$ 3 mil, a reserva deve ser de R$ 18 mil. " O prazo deve ser entre seis meses e dois anos. E que não use esse dinheiro para nada além de gastos durante um período de desemprego ou emergências médicas. Se for usado por esses motivos, assim que possível deve ser reposto e continuar intacto durante toda a vida", diz Luiz Ciardi.
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