Como lavouras de trigo poderiam atender demanda nacional?
Para pesquisadores, deve-se atentar a detalhes como tipo de semente e manejo específico à cultivar
Não é preciso abrir áreas. Nem desenvolver tecnologias. Para aumentar a produtividade do trigo nas lavouras brasileiras basta que o agricultor se atente ao que tem à disposição em práticas de cultivo. A afirmação consta na mais recente pesquisa publicada pela Embrapa, que analisou a produção em 457 municípios de 79 microrregiões nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, além do Distrito Federal, e descobriu que o rendimento nacional poderia ser incrementando em 1,5 milhão de toneladas por ano.
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Os dados mais recentes mostram produtividade de 7,7 milhões de toneladas na safra de 2021. Nesse ano, a previsão é de 9 milhões de toneladas, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e de 10 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo). Independentemente da estimativa que você levar em conta, saiba que poderia render mais. Além dos 1,5 milhão de toneladas conquistados com manejo mais adequado, o Brasil poderia produzir 20 milhões de toneladas se aproveitasse a toda área disponível durante o inverno, que sobra quando comparada ao que se usa no verão.
Como alcançar 1,5 milhão de toneladas a mais
As chamadas "lacunas de rendimento" ou "folgas de produtividade" são identificadas ao comparar a maneira que se produz efetivamente no campo e as formas desenvolvidas pelas equipes de pesquisa da Embrapa. Trabalhos comuns que já foram empregados nas culturas de milho e soja, e tornaram o Brasil uma potência nessas culturas.
No caso do trigo, se percebe o desafio da adoção de boas práticas relacionadas à promoção e à proteção do rendimento e ao manejo do solo. Elas reúnem ações como a mitigação de riscos climáticos, o manejo fitossanitário, rotação de culturas, fertilidade do solo e outras características.
Para começar, é preciso usar a semente adequada à sua região, observa o chefe-geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski. Ele dá exemplo com a cultivar BRS Bela Joia. Por conta do alto rendimento em regiões frias e úmidas, há agricultores que arriscam utilizá-las em locais quentes e secos. "Germina, mas pode ficar com caule fino demais. Bate um vento, deita e impede a absorção do que é aplicado depois, como o nitrogênio", explica.
São centenas os tipos de cultivares. Só a Embrapa tem 122. Antes de escolher, é preciso analisar onde irá utilizar. "Enquanto algumas cultivares têm maior potencial de rendimento e exigem mais adubação, outras dependem de menor investimento para atingir o resultado máximo. O que ocorre hoje é que parte dos produtores costuma adotar um pacote de manejo padrão, com abordagem idêntica para cultivares diferentes, o que reduz a eficiência produtiva", diz o gerente de Pesquisa da Cooperativa Central Gaúcha (CCGL), Geomar Mateus Corassa.
Até nos momentos finais há cuidados específicos, como a regulagem da colhedeira. A plataforma deve estar a que altura? Com qual regulagem para que o grão entre ser moido ou amassado? As respostas estão nas informações técnicas de um profissional capacitado, que não necessariamente custa caro, pode ser encontrado em órgãos como Emater ou Epagri.
Como chegar às 20 milhões de toneladas necessárias
Além do aumento de produtividade conquistado a partir do manejo, há também como aumentar a produção em áreas que o setor tem à disposição, já abertas.
Atualmente, o país tem 49,2 milhões de hectares de cultivo temporário, em uma mesma época. Se levarmos em conta que com o milho, por exemplo, é possível fazer até três safras por ano, diríamos que temos 73 milhões de hectares. Desses apenas 3,6 milhões de hectares são usados para os cereais de inverno, como o trigo.
Porém, claro, Corassa pondera que "não podemos focar apenas no aumento do rendimento, mas também na comercialização dos grãos e na rentabilidade do produtor. Por isso, a importância de a pesquisa trabalhar em conjunto com o setor produtivo, formando as bases que podem impactar toda a cadeia".
De acordo com Lemainski, o Brasil deve importar da Argentina mais de 6 milhões de toneladas de trigo esse ano. Ou seja, demanda tem. Talvez não com a mesma lucratividade do milho, mas, existe e pode aumentar com a necessidade de mais alimentos para uma população crescente.
Por todos esses motivos, o pesquisador com quase 45 anos de experiência acredita que, em breve, a cultura do milho será tão rentável como commodity como o milho ou a soja: "em menos de 10 anos produziremos todo o trigo que o Brasil necessita".
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