Comércio de NFTs chega ao mundo dos jogos eletrônicos; entenda
Venda e gestão de colecionáveis com "DNA digital" movimenta bilhões de dólares na mão de jovens
Luís Salimon
Nas últimas semanas, os mundos dos games e da economia digital se entrelaçaram mais ainda após a popularização de jogos eletrônicos que permitem que os jogadores -- ao mesmo tempo em que desenvolvem personagens, derrotam inimigos e mineram pedras coloridas -- acumulem criptomoedas e adquiram ou vendam NFTs. Mas, afinal, o que é um NFT?
Non Fungible Tokens -- tokens não fungíveis, em português -- são itens que só existem digitalmente e são únicos, como se tivessem um DNA. Os NFTs não podem ser trocados ou vendidos com dinheiro "do mundo real", como dólares, euros ou reais. Apenas com criptomoedas -- Bitcoin, Ethereum entre outras --, já que foram criados e estão vinculados à rede dessas divisas. Consequentemente, o valor desses itens únicos está sujeito não só ao valor subjetivo do item em si -- que varia de acordo com a demanda, escassez e fama de quem emite -- mas às flutuações do mercado financeiro digital.
A ação de acumular criptomoedas é definida pela comunidade internética com um verbo em inglês aportuguesado: "farmar", que vem de "to farm", equivalente a cultivar ou coletar recursos. O DappRadar, que monitora a movimentação das NFTs, mostra que no jogo Axie Infinity foram observadas quase 5 milhões de operações de venda da Etherium, que resultam em um volume de mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10,6 bilhões), quatro vezes mais do que o movimentado pelo NBA Top Shot, que são os colecionáveis da liga de basquete mais famosa do mundo.
Mir4
No caso do jogo Mir4, um dos jogos que ganhou espaço e público de forma exponencial recentemente, o objetivo é, além de se divertir, "farmar" os fragmentos da moeda DRACO, que até o final desta semana, valia cerca de 90 centavos de dólar. O arquivista Guilherme Oliveira atribui a popularidade do jogo à acessibilidade, já que ele pode ser baixado também no celular e jogado com amigos que estão no computador ou no mobile. Guilherme aproveitou o lançamento para 'surfar na onda': os primeiros dias de um jogo costumam ser um bom momento, uma vez que existe no mercado uma expectativa de crescimento e de valorização da moeda, pois o número de servidores do jogo é limitado para a demanda mundial existente.
"Passo de duas a três horas em frente ao computador de fato, melhorando meu personagem", afirma. "É inegável que os jogos interferem na sua rotina diária, mas esse eu posso deixar o boneco no automático coletando itens e ir à padaria, ou tocar outros projetos", acrescenta.
Funciona assim: o jogador abre uma carteira em uma corretora, cria uma conta e um personagem no jogo e segue para a aventura. Os jogadores disputam em salas com outros players ou inimigos controlados pelo computador (NPCs - nonplayable character) pelo domínio de minas de aço negro, recurso que pode ser trocado na loja do jogo pela criptomoeda DRACO. Por meio da corretora, a DRACO pode ser liquidada e transformado em reais, mas isso não é tarefa fácil. O jogo promete em breve transformar alguns itens raros em NFTs, ou seja, cadastrar seu código, DNA, identidade na base de dados descentralizada da DRACO.
Axie Infinity
Inspirado em Pokemón, o jogo é uma rinha de animais fantásticos, no qual você cumpre metas diárias e desafios para "farmar". Só que, diferentemente de Mir4, o Axie Infinity funciona baseado na rede da moeda Ethereum e, para jogar, não é só criar uma carteira, uma conta e um personagem. É necessário comprar os seus Axies, que são NFTs, e têm características e status únicos, sendo mais fortes ou fracos. É claro que, para entrar no jogo com vantagem e "farmar" mais rápido, é preciso comprar um Axie mais forte, que custa a partir de US$ 200 -- ressaltando que o valor também varia com o mercado. Se o player cansar de "farmar", é possível vender o Axie por Ethereum e depois trocar por dinheiro de verdade.
Luís Cândido, também conhecido como Papel, é um universitário recifense que conheceu um amigo em outro jogo. Foi esse amigo que apresentou Papel ao tema. Hoje, ele é administrador de uma escola dedicada totalmente ao jogo. Ou melhor, ao investimento, a Zone World Brasil. "A gente hoje tem cerca de 220 times alugados [...] e temos três investidores, um americano e dois australianos", conta.
Segundo Cândido, há pessoas que não gostam das batalhas e missões, e preferem só procriar os NFTs. Ele não teve o apoio dos pais, que não eram muito chegados aos jogos eletrônicos, mas reserva entre 5 e 8 horas por dia para ter uma renda, de R$ 4 mil em média, e ajudar a comunidade e os novatos. "Eu tranquei minha faculdade para me dedicar (ao jogo), só pra você ter uma ideia. Estava no oitavo período."
NFTs: coleção e criptoarte
A notícia mais recente que gerou repercussão na internet sobre o lançamento de um NFT envolvia imagens de um piano branco de cauda longa com uma coroa no banco, que remetia a Freddie Mercury, vocalista do Queen. Se trata de uma "tiragem" de artes digitais únicas, criadas por Blake Kathryn, Chad Knight, Mat Maitland e MBSJQ, que serão leiloadas para a caridade. O dinheiro arrecadado já tem destino, a Mercury Phoenix Trust, criada por membros da banda para ajudar no tratamento de pessoas com Aids.
A empresa do falecido milionário da moda e diretor criativo da Chanel Karl Lagerfeld lançou na semana passada uma coleção de estatuetas digitais com o valor equivalente a 177 euros, em uma tiragem limitada de 77 itens únicos. Para cada estatueta vendida, a marca prometeu o replantio de um manguezal.
The #KarlNFTcollection is out now! Thanks @HYPEBEAST for featuring us #KARLLAGERFELD https://t.co/zRTZvvKmZJ
? KARL LAGERFELD (@KarlLagerfeld) September 10, 2021
O SBT também cadastrou NFTs comemorativas aos 40 anos da emissora. Estão sendo leiloadas quatro imagens digitais, baseadas na moeda MATIC, diferentes e únicas de Silvio Santos: Onde Tudo Começou, De Casa Nova, Topa Tudo Por Dinheiro e Teleton. Mais informações sobre o leilão estão disponíveis aqui.