CPIs do MST, apostas e Americanas gastaram mais de R$ 150 mil para realizar trabalhos
Comissões Parlamentares de Inquérito foram encerradas em 26 de setembro; duas sequer votaram relatório
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) da Câmara dos Deputados encerradas na semana retrasada -- a do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a da Manipulação de Resultados em Partidas de Futebol e a da Americanas -- gastaram R$ 82.212,07 para levar convidados e depoentes às reuniões em que seriam ouvidos no colegiado. Se considerados os gastos pela CPI do MST para a realização das diligências externas, o montante de dinheiro público utilizado pelas comissões para desempenharem seus trabalhos vai a R$ 154.762,41.
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A CPI criada para investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, do seu real propósito, assim como dos seus financiadores foi a única das três que fez diligências externas. O colegiado gastou R$ 72.550,34 com passagens aéreas, adicionais de embarque e desembarque e diárias para realizá-las.
Em agosto, o SBT News mostrou o montante utilizado em cada um dos três primeiros eventos; foram R$ 21.029,61 no de Presidente Prudente (29/05/23 a 29/05/23), R$ 23.754,55 no de Maceió (11/08/23) e R$ 5.121,75 no de Goiânia (14/08/23). Já na quarta diligência, a de Prado (BA), foram R$ 22.644,43. Participaram desta, pelo menos, os deputados federais Zucco (Republicanos-RS) -- presidente da comissão --, Ricardo Salles (PL-SP) -- relator -- e Capitão Alden (PL-BA). A Câmara dos Deputados não especificou quem foram os participantes com ônus para o colegiado. O evento ocorreu de 24 a 25 de agosto.
O levantamento em relação às três comissões foi feito pela Câmara, a pedido do SBT News, com base na quantia a que Comissões Parlamentares de Inquérito têm direito para gastar com a realização de eventos, como audiências públicas e as diligências; e com colaboradores eventuais, como convocados e convidados a prestar depoimentos ou esclarecimentos, e seus advogados.
Conforme o ato da Mesa Diretora da Câmara nº 80, de 4 de junho de 2019, que dispõe sobre eventos e produtos gráficos e bibliográficos no âmbito das comissões, CPIs têm direito a R$ 20 mil por mês. "O valor não utilizado no mês de referência será acumulado até o término do respectivo exercício financeiro, vedada a transferência entre Comissões ou para o exercício subsequente", acrescenta o ato. O presidente da Casa pode autorizar o adiantamento dos valores dos meses subsequentes.
O texto diz ainda que o dinheiro pode ser gasto com, entre outros itens, passagens aéreas; adicional de embarque e desembarque; diárias; hospedagem em Brasília, exclusivamente para colaboradores eventuais; e alimentação.
Confira a seguir o detalhamento do total dos gastos pelas três comissões encerradas na semana retrasada:
CPI do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST)
- Adicional de embarque e desembarque: R$ 5.859,00
- Hospedagem (em Brasília): R$ 4.050,68
- Diária (Hospedagem, alimentação e transporte fora de Brasília): R$ 14.498,50
- Alimentação: R$ 477,44
- Total: R$ 102.335,40
CPI da Manipulação de Resultado em Partidas de Futebol
- Adicional de embarque e desembarque: R$ 1.674,00
- Hospedagem: R$ 4.212,85
- Passagem aérea: R$ 36.984,32
- Alimentação: R$ 536,24
- Total: R$ 43.407,41
CPI da Americanas
- Passagem aérea: R$ 9.019,60
- Total: R$ 9.019,60
As três comissões foram instaladas em 17 de maio deste ano e funcionaram até 26 de setembro - após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prorrogar os prazos. No período, a do MST fez 23 reuniões. Conforme o Portal da Transparência da Câmara, somando todas, foram cerca de 88 horas; as audiências públicas responderam por 77% do tempo, e as votações, por 23%. Foram apresentados 383 requerimentos. Entre as pessoas ouvidas pelo colegiado, estiveram o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União); o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; e o líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile.
A CPI da Manipulação de Resultados em Partidas de Futebol fez 22 reuniões, totalizando cerca de 46 horas; as audiências públicas responderam por 85% do tempo, e as votações, por 15%. Foram apresentados 292 requerimentos. Entre as pessoas ouvidas, estiveram jogadores, investigadores e representantes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), do governo e de casas de apostas.
Já a CPI da Americanas fez 15 reuniões, totalizando cerca de 29 horas; as audiências públicas responderam por 80% do tempo, e as votações, por 20%. Foram apresentados 131 requerimentos. Entre as pessoas ouvidas, estiveram Anna Christina Ramos Saicali, ex-diretora da Americanas; Flávia Carneiro, ex-superindente de controladoria da Americanas.
A Câmara não detalhou com quais depoentes e convidados houve os gastos pela CPI, apesar do pedido da reportagem. Entretanto, em agosto, informou com quais havia ocorrido por parte da comissão do MST até aquele momento: o secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Muraro Derrite; o líder da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), José Rainha Júnior; o advogado Rodrigo Chizolini; o ex-militante do MST Benevaldo da Silva Gomes; o ex-militante do MST Elivaldo da Silva Costa; o advogado Marcelo Santos Almeida; e a ex-militante do MST Vanuza dos Santos de Souza.
Três CPIs, um relatório aprovado
Duas das comissões terminaram sem sequer votar o relatório final: a do MST, cujo documento foi elaborado por Ricardo Salles, e a da Manipulação de Resultados, cujo relator foi Felipe Carreras (PSB-PE).
Em 26 de setembro, último dia para funcionar, a do MST, criticada pelos deputados governistas e defendida pelos oposicionistas desde o início, anunciou o cancelamento de uma sessão que estava marcada para a data para debater o parecer e pontuou: "A informação extraoficial é de que os trabalhos serão prorrogados até a próxima 5ª feira (28.set) para que se cumpra o prazo regimental de duas sessões em virtude do pedido de vista ao relatório final. Nesta ocasião será discutido e votado o relatório final". Entretanto, Arthur Lira (PP-AL) não prorrogou.
No dia seguinte, Zucco e Salles concederam uma entrevista coletiva, no Salão Verde da Câmara, para apresentar as conclusões da comissão. Nas palavras do presidente do colegiado, "por meio de documentos, relatos de testemunhas e diligências em acampamentos, a CPI do MST descobriu uma verdadeira indústria de invasões de terra. Por trás dessa máquina de terror, existe uma organização criminosa, que se aproveita do fracasso do nosso modelo de reforma agrária para a prática dos mais variados tipos de crimes".
Ele afirmou acreditar que a CPI "conseguiu expor as vísceras do movimento para toda a sociedade brasileira. Aquela imagem do MST Robin Hood que tira dos ricos para distribuir aos pobres foi completamente desmascarada". Mexer com o MST, disse, "é enfrentar forças poderosíssimas". "A CPI incomodou demais, avançou muitos sinais e foi pressionada a encerrar suas atividades quando convocou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ex-governador da Bahia, estado campeão nas invasões de propriedades rurais e urbanas, privadas e públicas. A convocação foi desfeita por um ato da Mesa Diretora que apontou inconsistência do requerimento".
Ele pontuou que sete membros titulares da comissão, mais "alinhados na defesa da propriedade privada", foram substituídos por perfis governistas. "Tudo isso em meio a negociações por cargos e espaços generosos na administração pública. Este Governo Federal joga baixo e cobrou a conta dos partidos governistas e dos cargos entregues", atacou.
"Isso prejudicou diretamente na aprovação do relatório, uma vez que tínhamos e temos os votos necessários para a aprovação do texto final. Para fazer frente a tudo isso que testemunhamos, estamos entregando ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, uma lista de projetos que endurecem as penas contra os invasores de propriedades, batizado de Invasão Zero. Esse pacote legislativo reúne propostas apoiadas pela Frente Parlamentar da Agropecuária".
Ricardo Salles, o trabalho da CPI será entregue nas mãos do procurador-geral da República, da Procuradoria-Geral Eleitoral e de "todas as autoridades", inclusive o Tribunal de Contas da União (TCU).
Salles ainda afirmou: "Entendo que o trabalho da CPI, de todos os aqui presentes, chegou a bom termo, ainda que, como disse o presidente Zucco, manobras regimentas e cooptação governamental tenham feito com que, do ponto de vista meramente formal, o relatório não tenha tido a votação para a sua aprovação".
Deputados governistas integrantes da CPI do MST deram uma entrevista coletiva para fazer um contraponto ao relator da comissão. "Nós estamos celebrando aqui o final da CPI do MST, uma CPI que foi criada, como foi denunciado por todos nós aqui desde o início dela, de ter sido instalada sem ter um fato determinado", disse Nilto Tatto (PT-SP) na ocasião.
Ainda na coletiva, ele citou a existência de um voto em separado e de um relatório paralelo ao de Salles elaborados com o apoio dele (Tatto) e de outros deputados governistas do colegiado. "Nesse voto em separado a gente denuncia as atrocidades cometidas pela direção da CPI".
Apostas e Americanas
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Manipulação de Resultados em Partidas de Futebol fez sua última reunião em 26 de setembro. O relatório de Felipe Carreras seria votado, mas quatro integrantes do colegiado pediram visto do documento, e o presidente da CPI, deputado Julio Arcoverde (PP-PI), concedeu.
O pedido de vista exige mais duas sessões do plenário para a análise do relatório.
Em seu parecer, Carreras apresenta quatro Projetos de Lei (PLs) que alteram a legislação esportiva e de regulamentação de apostas. Uma das alterações obriga dirigentes e treinadores dos clubes a comunicarem às autoridades competentes a prática do crime de corrupção desportiva, quando tomarem conhecimento dela.
O relator disse que iria pedir a sua equipe que ela protocole esses projetos. Ainda segundo ele, iria compartilhá-los num grupo da CPI, para os deputados que desejarem ser coautores. "No sentido de a gente disciplinar o futebol brasileiro, acabar com essa segmentação de apostas, ou seja, em cartão amarelo ou cartão vermelho, expulsão, isso eu ouvi praticamente de todos os colegas sugestões nesse sentido e a gente procurou acatar", complementou.
Pediram vista do relatório final da colegiado os deputados Wellington Roberto (PL-PB), José Rocha (União-BA), Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) e Márcio Marinho (Republicanos-BA). Segundo o primeiro, o documento "não diz nada com nada". "Não diz nem aquilo que deixou de acontecer aqui nessa comissão, que foram debates acalorados, requerimentos aprovados de convocação, de convites, que não foram concretizados através dessa Presidência".
Já a CPI da Americanas aprovou seu relatório final. O documento foi elaborado pelo relator, deputado Carlos Chiodini (MDB-SC), e recebeu críticas de integrantes do colegiado por não apontar culpados pelas inconsistências da ordem de R$ 20 bilhões detectadas em lançamentos contábeis da empresa realizados no exercício de 2022 e em exercícios anteriores.
A CPI foi instaurada com a finalidade de investigar essas inconsistências. Por discordarem da posição do relator de não incriminar responsáveis, os deputados Alfredinho (PT-SP) e Tarcísio Motta (Psol-RJ), em conjunto com a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), protocolaram dois votos em separado. Os parlamentares responsabilizam os principais acionistas do grupo Americanas S/A, os administradores das empresas de auditoria externa e instituições bancárias.
Entretanto, os votos em separado só poderiam ser aprovados ou rejeitados pelo colegiado se o parecer do relator não tivesse sido aprovado.
CPI das Pirâmides Financeiras
Última Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara encerrada, a CPI das Pirâmides Financeiras gastou pelo menos R$ 54.572,26 com adicional de embarque e desembarque, hospedagem, passagens aéreas e material de apoio, segundo o levantamento da Casa.
- Adicional de embarque e desembarque: R$ 558,00
- Hospedagem: R$ 1.588,75
- Passagem aérea: R$ 52.144,55
- Material de apoio: R$ 280,96
- Total: 54.572,26
Destinada a investigar indícios de operações fraudulentas sofisticadas na gestão de diversas empresas de serviços financeiros que prometem gerar patrimônio por meio de gestão de criptomoedas, a comissão também não fez diligênicas externas. Portanto, os gastos com adicional, hospedagem e passagem foram para levar convidados e depoentes às reuniões em que seriam ouvidos.
A CPI foi instalada em 13 de junho e vai até 11 de outubro; teve o prazo de funcionamento prorrogado por 13 dias. Ela fez 32 reuniões, totalizando cerca de 74 horas; as audiências públicas responderam por 90% do tempo, e as votações, por 10%. Foram apresentados 227 requerimentos.
Entre as pessoas ouvidas pela comissão, estão o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho; o irmão e empresário dele, Assis; o presidente do Santos Futebol Clube, Andrés Rueda; o "Faraó dos Bitcoins", Glaidson Acácio dos Santos; e o sócio e administrador da 123 Milhas Ramiro Júlio Soares Madureira. A Câmara não detalhou com quais depoentes e convidados houve os gastos pela CPI.
O colegiado aprovou seu relatório final em 9 de outubro. A votação foi unânime. O documento, elaborado pelo relator, deputado Ricardo Silva (PSD-SP), tem 509 páginas e sugere o indiciamento de 45 pessoas. Entre elas, Ronaldinho Gaúcho; Assis; Glaidson Acácio dos Santos, o "Faraó dos Bitcoins"; e os sócios da 123 Milhas, Ramiro e Augusto Júlio Soares Madureira.
O documento ainda faz sugestões a diferentes órgãos, como a Receita Federal do Brasil (RFB), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), e propõe quatro Projetos de Lei (PLs). Entre eles, um para aprimorar a legislação em relação aos prestadores de serviços de ativos virtuais. O presidente da CPI, Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), disse que eles serão votados com urgência.