CONTEXTUALIZANDO: Razões que levaram ao déficit de R$ 2 bi nos Correios vão além da “taxa das blusinhas”
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
Projeto Comprova
CONTEXTUALIZANDO: Os Correios registraram um déficit financeiro de R$ 2 bilhões nos nove primeiros meses de 2024. Publicações que circulam na internet atribuem o prejuízo à “taxa das blusinhas”, medida que colocou fim na isenção do imposto de importação de compras em sites internacionais no valor de até US$ 50 e teria diminuído o fluxo de importações no Brasil. O prejuízo tem causas que vão além da nova medida, que entrou em vigor apenas no início de agosto. O Comprova contextualiza o assunto.
Conteúdo analisado: Publicação com imagem de uma agência dos Correios ao lado da logo do site de vendas AliExpress. Na legenda, está o texto: “EXTRA!: Correios têm prejuízo de R$ 2 bilhões com queda nas importações. A “taxa da blusinha” reduziu compras em sites internacionais, impactando a receita dos Correios e agravando seus desafios financeiros. VAI DAR CERTO ‘ÇIM’…”. O conteúdo foi repostado como print em um vídeo. No fundo, há um personagem de série de comédia que ri e diz “era disso que eu estava falando”.
Onde foi publicado: X e TikTok.
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Contextualizando A agência estatal Correios registrou um déficit de mais de R$ 2 bilhões nos nove primeiros meses deste ano. Publicações na internet associam a queda no faturamento à “taxa das blusinhas”, nome popular para o fim da isenção do imposto de importação de compras em sites internacionais no valor de até US$ 50.
Após a associação entre a queda no faturamento dos Correios e a “taxa das blusinhas”, conteúdos que apontam o impacto da nova legislação passaram a circular nas redes sociais. É o caso de uma peça que afirma que o imposto “reduziu compras em sites internacionais, impactando a receita dos Correios e agravando seus desafios financeiros”, o que motivou este Contextualizando.
O Comprova contatou as assessorias de imprensa da Receita Federal, da Shein, da Shopee e da AliExpress, gigantes do varejo internacional, para verificar uma suposta queda nas compras de importação após a implementação da “taxa das blusinhas”. A Receita e a AliExpress não responderam até a publicação desta checagem, e a Shein informou que não irá se manifestar. A Shopee relatou que, como o foco do comércio é local, a medida não afetou o negócio.
Para a economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Carla Beni, os R$ 2 bilhões de resultado negativo dos Correios não estariam relacionados exclusivamente com a “taxa das blusinhas”, visto que o imposto passou a ser cobrado em 1º de agosto, e o levantamento da estatal se refere aos nove primeiros meses do ano.
“Então, a taxa das blusinhas, sim, faz parte do processo, mas jamais, por uma questão cronológica, é a responsável por essa questão dos R$ 2 bilhões”, afirmou a economista.
Segundo Carla, a dívida de R$ 7,6 bilhões relacionada ao Postalis representa uma grande parcela sobre o déficit da estatal. A especialista apontou que o prejuízo causado pelo fundo de pensão é resultado de anos de má gestão e falta de novas adesões desde 2008.
Fabio Gallo Garcia, professor da FGV-SP, reforça que apenas a “taxa das blusinhas” não explica todo o prejuízo da agência postal. “Os Correios têm problemas muito antigos, administrações complicadíssimas do ponto de vista de gestão mesmo”, afirmou. Segundo ele, esse cenário é consequência de vários governos, inclusive do atual.
De acordo com o docente, a estrutura ineficiente dos Correios, sem modernização, além do acúmulo das demandas dos próprios funcionários ao longo dos anos, contribuem para o problema financeiro da estatal.
“Os problemas dos Correios, como eu disse, são vários. Isso levou a uma ineficiência, levou uma empresa com literalmente um perfil de déficit, portanto, de prejuízo, e que agora tem que se resolver. O problema da ‘taxa das blusinhas’ só agravou essa situação. Diga-se que o Correio já devia ter planejado isso, já devia ter considerado isso na sua gestão”, destacou Gallo.
Por meio de nota, os Correios afirmaram ao Comprova que as principais causas do resultado acumulado de 2024 vão além da queda nas importações.
De acordo com a agência, as principais razões para o déficit são o recebimento, pela atual gestão, de um prejuízo de cerca de R$ 1 bilhão herdado do governo anterior, a queda de receita devido à falta de reajuste tarifário nos últimos cinco anos e a redução do volume de encomendas internacionais pela entrada em vigor do Programa Remessa Conforme — “que trouxe mais transparência, controle e agilidade para a entrada de encomendas importadas, mas, por outro lado, causou uma queda no fluxo de importações”, informou a estatal.
Além disso, a agência disse que sofre as consequências do “processo de sucateamento conduzido pela gestão anterior”, que estava privatizando a estatal, e que anunciou um resultado “positivo”. Em nota, os Correios atribuem esse saldo positivo do governo anterior a medidas de corte de gastos como fechamento de agências, suspensão de investimentos e retirada de direitos, entre outras.
O que é a “taxa das blusinhas”
Chamada popularmente de “taxa das blusinhas”, a Lei 14.902/2024 estabelece a taxação de compras internacionais de até US$ 50. O objetivo da medida é aumentar a arrecadação do governo em um contexto de desequilíbrio das contas públicas. Uma matéria da CNN de setembro deste ano mostrou que o governo federal estima arrecadar R$ 700 milhões com “taxa das blusinhas” em 2024.
A lei ganhou este nome porque afeta principalmente consumidores que costumam comprar produtos de até US$ 50 de lojas estrangeiras, como a Shein, que vende majoritariamente peças de vestuário. Com a legislação, compras realizadas em sites estrangeiros, que antes estavam isentas se o valor fosse de até 50 dólares, agora estarão sujeitas a uma nova tributação. Para compras acima de 50 dólares, a alíquota se mantém em 60% (com dedução de 20 dólares), informou a Receita Federal.
Antes da taxa das blusinhas, a regra para tributação de produtos importados estava sob o regime de Remessa Conforme, introduzido em agosto de 2023. A medida isentava o imposto de importação para compras de até 50 dólares de empresas aderidas ao programa.
Com a “taxa das blusinhas”, produtos de até US$ 50 dólares (com frete incluso) adquiridos de empresas aderidas ao Remessa Conforme agora passam a pagar uma alíquota de 20% de imposto de importação. Compras de medicamentos de até US$ 10 mil continuam isentas.
Para empresas de comércio eletrônico não certificadas pela Receita Federal no Programa Remessa Conforme, ou compra por pessoa jurídica, o Imposto de Importação de 60% será cobrado independentemente do valor da compra, sobre a soma “valor do produto + valor do frete + valor do seguro”. Não há desconto, destacou a Receita.
Além disso, o ICMS de 17%, que incide sobre todas as compras internacionais (após o imposto de importação) de varejo, também não sofreu alterações.
Fontes consultadas: Correios, Lei 14.902/2024, Receita Federal e os economistas Carla Beni, professora de MBAs da FGV, e Fabio Gallo Garcia, professor da FGV-SP.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O Comprova desmentiu anteriormente uma peça de desinformação envolvendo os Correios, revelando que a distribuição de material de campanha pela estatal é regular, ao contrário do que diz homem em vídeo. Sobre a cobrança de impostos, a iniciativa mostrou que a reforma tributária não prevê taxa de 25% em compra e venda de imóveis, diferentemente do que afirma post, e que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), citou taxa para aterrar fios em 2023, e não em 2024.
Investigação e verificação
Metrópoles participou desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Folha, Estadão, A Gazeta, Terra, SBT e SBT News.
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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