"Vivemos uma crise climática e a humanidade tem que entender isso", avalia especialista
Em entrevista ao programa Perspectivas, Coordenadora da ONG Observatório do Clima, Suely Araújo, pede urgência na expansão das novas fontes de energia
Aquecimento global por conta do aumento das emissões de gases causadores de efeito estufa, desmatamento e produções agrícolas sem compromisso com o equilíbrio ambiental são uns dos fatores que ligam o alerta máximo da humanidade para que atualize suas fontes de energia e promova práticas mais sustentáveis em todas as cadeias produtivas. Esses e outros temas foram tratados pela coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), Suely Araújo, em entrevista ao Perspectivas, programa do SBT News.
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"Nós temos o aumento da temperatura, mas ele vem acompanhado de eventos extremos. Então, são enchentes, secas e inundações. É tudo muito complexo. Ora tá muito frio, muito calor. No geral, estamos aquecendo. Realmente a temperatura nunca foi tão alta no planeta, pelo menos do período em que se tem registro. Estamos no meio da crise climática e a humanidade tem que entender isso", alertou.
A coordenadora destacou que a principal fonte de emissão de gases causadores do efeito estufa no Brasil é o desmatamento.
"Temos uma característica na nossa matriz de emissões de gases de efeito estufa bastante específica e típica de países florestados que estão desmatando. Na verdade, no caso brasileiro, o desmatamento é o maior responsável por nossas emissões. Em 2022, respondeu por 48% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa", afirmou a representante do Observatório do Clima.
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Ainda de acordo com Suely Araújo, a expansão da produção de petróleo pode trazer mais malefícios do que benefícios econômicos. "Hoje nós temos uma proposta de várias autoridades no governo Lula de expansão massiva da exploração de petróleo para exportação. O Brasil, hoje, é o nono maior produtor de petróleo do mundo. Quer se tornar o quarto. Essas emissões desse petróleo que vai ser exportado, elas vão refletir no nosso cálculo de emissões? Mais ou menos", apontou.
"Esse petróleo vai queimar em algum lugar do mundo e vai contribuir para crise climática. Pessoalmente, considero que a principal contradição do governo Lula em termos de discurso ambiental — porque eles estão indo bem em desmatamento, em outras áreas, eles retomaram a política climática, eles estão reconstruindo [...]. Mas a área de energia vem com o conflito, com essa narrativa do 'Brasil, potência ambiental'", disse Suely Araújo.
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Para a coordenadora a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, a adoção de novas fontes de energia é urgente, ainda que demandem mais investimentos a curto prazo.
"A conta vai mostrar que, na verdade, solar, eólica e a parte do hidrogênio verde feita com cuidado, tudo isso vai ser mais barato porque os custos do prejuízo ambiental não são, em geral, internalizados. Porque a produção de petróleo até gera emprego, mas distribuição de renda, pela experiência que nós temos, não é exatamente o efeito mais importante. Porque o dinheiro é usado em algumas políticas sociais, mas não muda realidades regionais. As regiões produtoras de petróleo no país sofrem com problemas sociais gravíssimos", declarou.
Mobilização do agronegócio
A coordenadora reconhece que a conscientização ambiental tem evoluído em meio ao agronegócio nos últimos anos, mas cobra do governo federal uma postura mais ativa com relação ao setor.
"Há avanços em relação a algumas décadas atrás e você tem produtores que trabalham com certificações ambientais e seguem a legislação ambiental. Os pequenos agricultores, principalmente aqueles que mexem com agrofloresta, com sistemas integrados, lavoura e exploração florestal, esses em geral têm muito a ensinar. Tem avanços em relação ao plantio direto. Nós temos experiências importantes de agricultura de baixo carbono, mas elas deveriam ser muito mais aplicadas do que são", apontou.
Suely Araújo destacou ainda a baixa destinação de recursos do Plano Safra — programa federal de subsídio da atividade agropecuária no país — para tomada de crédito em projetos de baixa emissão de carbono.
"Se você comparar os recursos do Plano Safra e outros do Plano ABC, o plano ABC é um percentual pequenininho, não chega a 5% do Plano Safra. Isso precisa ser mudado. Acho até que pode ser feita uma espécie de articulação com as representações políticas do agro. Acho que não precisa de lei para isso. Em termos de aumento progressivo, mas efetivo do percentual em que o governo, na hora de disponibilizar recursos públicos, ele faça a exigência de agricultura de baixo carbono. O governo Lula baixou os juros para a agricultura de baixo carbono. Acho insuficiente", opinou.
A ex-presidente do Ibama ainda defendeu uma "pactuação de um percentual progressivo de usos para a agropecuária" em relação aos recursos do governo.