Sem fiscalização, bets descumprem lei permissiva e são usadas pelo crime, diz MPF
Investigação preliminar apontou descontrole em regras de publicidade sobre riscos das apostas online e falta de limites de endividamento e lucros
Uma apuração preliminar do Ministério Público Federal (MPF) sobre os impactos dos jogos de apostas online, as chamadas bets, apontou que as empresas descumprem as "regras mínimas da lei" para o setor, aprovada em 2023, e se aproveitam da falta de controle para obter lucros exorbitantes. A falta de regulamentação eficiente e de fiscalização faz com que os jogos sejam usados pelo crime organizado para lavagem de dinheiro, gerando possíveis danos à sociedade, em especial, aos mais pobres.
+ Bets ligadas ao Corinthians e ao cantor Gusttavo Lima entram em lista de autorizadas no Brasil
O MPF no Ceará abriu em setembro um procedimento para "investigar as consequências danosas" das bets "às pessoas vulneráveis social e economicamente" e para indicar medidas a serem adotadas para o controle da atividade e a proteção dos mais pobres.
A ação foi nacionalizada na semana passada, com o pedido com o pedido de informações ao governo feito pelo subprocurador-geral da República Nicolau Dino, que é o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.
+ Bets: ministérios vão avaliar impactos de apostas online na saúde mental de brasileiros
"A atuação do Ministério Público Federal, de início, não é proibir o jogo e sim estabelecer uma regulação mais efetiva, que permita o jogo, a arrecadação tributária desse jogo e que as pessoas possam, eventualmente, obter sucesso financeiro, ganhando algumas apostas, mas não se endividem, que não se tornem viciadas. Isso gera um problema de saúde pública", afirmou o procurador da República Alessander Sales, do MPF no Ceará, em entrevista ao SBT News.
+ Governo atualiza lista e 205 bets estão autorizadas a atuar no Brasil; veja
A apuração aberta em 14 de setembro foi uma reação aos dados do setor que mostram que, só em agosto, cerca de R$ 3 bilhões foram apostados nas bets por 5 milhões de pessoas beneficiárias do Bolsa Família. Os números do Banco Central são astronômicos: o povo brasileiro gastou cerca de R$ 20 bilhões ao mês, em média, em apostas online, de janeiro a agosto deste ano.
"Iniciamos uma investigação para proteger esse segmento vulnerável da sociedade. É o foco principal do procedimento aberto e que se espalhou para todo o Brasil. Mas, desde logo, vimos muitas vulnerabilidades na regulamentação para a atividade e uma deficiência muito grande de fiscalização."
O QUE MPF APONTA
- Falta de parâmetros de publicidade;
- Falta de parâmetros de jogo responsável;
- Falta de parâmetros de grau de endividamento;
- Falta de obrigatoriedade de devolução de percentuais das apostas;
- Falta de regras para arrecadação tributária;
- Falta de limites de lucro.
O MPF analisou alguns sites de plataformas no Brasil e identificou descumprimento claro da lei que estabelece um percentual de no mínimo 10% do espaço do site para a divulgação do jogo responsável.
"São informações de como o consumidor deve jogar de forma a não influenciar nem se comprometer financeiramente. Muitos sites não trazem essa informação muito clara e, muitas vezes, quando trazem, colocam em outra língua, em inglês, por exemplo, quando o site é todo em português, dificultando assim que as pessoas entendam os malefícios dessa atividade de apostas", explicou o procurador.
+ Gusttavo Lima é ou não é sócio da Vai de Bet? SBT News mostra contrato
Mesmo com a lei editada no final de 2023 e medidas adotadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no mês passado para cadastrar as bets, o representante do MPF afirma que a legislação tem muitas lacunas e a fiscalização inexiste. Para ele, as medidas anunciadas são "mínimas".
Segundo Sales, a "lei vigente é muito aberta, deixa espaço para muitas condutas indevidas". De acordo com o procurador, é preciso uma regulamentação mais efetiva para que a autoridade possa autuar e multar essas plataformas.
Riscos das apostas online
"Nosso foco principal hoje são os vulneráveis. impedir que sejam capturados por essas plataformas", afirma Alessander Sales. "Por uma informação deficiente sobre os riscos que as bets acarretam para a integridade financeira, econômica e também à saúde dessas pessoas".
+ Associação antecipa proibição do uso de cartões de crédito em bets
Outra frente de investigação é a de enriquecimento exagerado, por captura de apostadores sem regulamentação e falta de regra para que o dinheiro volte aos apostadores. Segundo o procurador, um dos problemas gerados pela falta de controle é o uso dos jogos online pelo crime organizado para lavagem de dinheiro.
+ Bets: vício em jogos online causa mais estrago nas periferias, diz pesquisa; veja análise