Responsabilidade é de todas as esferas públicas, aponta especialista sobre tragédia climática no RS
Governos federal, estaduais e municipais falham em ações de adaptação às mudanças do clima, afirma ex-presidente do Ibama
De quem é a culpa pela tragédia climática que atinge o Rio Grande do Sul? Para a urbanista e advogada Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, "a responsabilidade é de todas as esferas" do poder público em ações de adaptação às mudanças do clima.
A ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) participou do Brasil Agora desta quarta-feira (15) e apontou falhas na atuação dos governos federal, estaduais e municipais.
"Temos que tratar a emergência, mas nos planejarmos melhor, nas diferentes políticas públicas, e passarmos a fazer ações de adaptação, não apenas esforços de mitigação, de redução das emissões de gases de efeito estufa. Governos, em diferentes esferas, têm lacunas e não atuam como deveriam na política de adaptação", lamentou.
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Araújo citou o programa "Brasil 2040", estudo contratado pelo governo federal e feito entre 2013 e 2015 com objetivo de apontar impactos das mudanças climáticas no país. Acabou engavetado ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
"Mudanças climáticas têm intensificado eventos extremos em força e frequência. Eles estão ocorrendo com periodicidade mais intensa e muito mais vigor. Fenômeno mundial. Especificamente no RS, estudo mostrava região Sul e bacia do rio da Prata como propícias a esse tipo de evento relacionado com alta pluviosidade", detalhou.
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"Ao mesmo tempo, apontava para redução do volume hídrico na região Norte. Tivemos grande seca na Amazônia em 2023. São fenômenos inter-relacionados, muito fortes, que têm a ver com aumento da temperatura na Terra em geral. Algumas regiões vão responder de forma distinta", completou.
Nesse sentido, segundo Araújo, cada esfera do poder público tem a sua parcela de culpa por tragédias climáticas e catástrofes ambientais como a que atinge o RS.
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"Governo federal tem de coordenar, incentivar, fomentar preparação para adaptação à mudança do clima", explicou Araújo, lembrando que a atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um novo Plano Clima - Adaptação para setembro, que deve ser colocado para consulta pública em outubro.
Araújo ponderou que já houve um plano nacional de adaptação em 2016, "que ficou no papel".
"O estado do RS, nós podemos afirmar que piorou um pouco a situação", comentou. "Flexibilizou bastante a legislação ambiental. Quando tem território com vegetação nativa, com as matas ciliares íntegras, isso ajuda, senão para evitar catástrofe, a minimizar efeitos. No RS, uma ação de adaptação importante seria enorme programa de recuperação de vegetação nativa. Isso está longe de acontecer", criticou.
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A especialista explicou que o RS tem "tradição de fazer agropecuária com base no desmatamento". "O mundo mudou. Mudanças climáticas, antes nós conjugávamos no futuro. Agora, conjugamos no presente. Governos locais têm função importantíssima no planejamento para essas emergências", analisou.
Araújo também vê ações nocivas ao meio ambiente e a políticas públicas no trabalho do Legislativo, de assembleias e câmaras de vereadores ao Congresso Nacional. "Pacotes nos diferentes níveis de parlamento que pioram tudo isso", comentou.