Gilmar Mendes pede vista e suspende julgamento sobre Improbidade Administrativa no STF
Suspensão ocorreu logo após o relator, Alexandre de Moraes, votar contra mudanças que flexibilizaram as sanções a agentes públicos
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para análise), na sessão plenária desta quinta-feira (16), do julgamento sobre as alterações que flexibilizaram em 2021 a Lei de Improbidade Administrativa. Ele tem até 90 dias para devolver os autos.
Na mesma sessão, o relator, Alexandre de Moraes, votou por derrubar várias das alterações. A Lei de Improbidade Administrativa estabelece punições a agentes públicos que cometem infrações éticas e morais. Cria também mecanismos para apuração e processamento das ações judiciais.
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A ação (ADI 7236) contra esse pacote de flexibilizações foi apresentada em 2022 ao STF pela entidade que representa os membros do Ministério Público. A associação aponta, entre outros fatores, maior risco de impunidade e invasão da competência do Ministério Público. Ao entrar com a ação no STF, pediu a suspensão liminar (emergencial) de diversos dispositivos do pacote. No mérito, solicitou a derrubada desses itens.
Na época, Moraes atendeu, parcialmente, o pedido liminar. A medida cautelar segue valendo desde então, com a suspensão de parte dos dispositivos. Na semana passada, o plenário do STF iniciou o julgamento do mérito. No primeiro dia, houve a leitura do relatório e sustentações orais. O julgamento prosseguiu nesta quarta (15) e quinta (16), ocupando todo o tempo das duas sessões, em razão do volume de dispositivos questionados.
A ação, em detalhes
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) é a parte autora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7236. A entidade questiona a Lei 14.230/21, que flexibilizou a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). Um dos dispositivos questionados afasta a improbidade quando determinada conduta caracteriza o ilícito para um tribunal, mas não para outro. “Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada”, diz o dispositivo [Lei 8.429/1992, Art. 1º, § 8º], suspenso por Moraes.
Perda da função pública
Outra flexibilização promovida pelo Congresso Nacional trata da perda de função pública. Pela nova redação, o agente público só perde o cargo após a condenação se for o mesmo que ele ocupava quando cometeu o ato de improbidade. Ou seja: se, no decorrer do processo, ele mudar de função, a pena não se aplica. Esse dispositivo [Art. 12, § 1º] segue suspenso pela liminar de Moraes.
Suspensão dos direitos políticos
O relator barrou também um dispositivo [Art. 12, § 10] que antecipa o início da contagem de suspensão dos direitos políticos, uma das penas impostas a autores de improbidade. Pela alteração feita pelo Congresso, a suspensão começa a contar após a primeira decisão colegiada de condenação, em vez de iniciar somente depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Consequentemente, o agente público volta mais cedo à cena política.
Ressarcimento aos cofres públicos
Moraes suspendeu ainda o dispositivo [17-B, § 3º] que atribui ao respectivo Tribunal de Contas a definição dos parâmetros para o cálculo do valor a ser ressarcido pelo agente aos cofres públicos. Esse ressarcimento é uma das condições para o “acordo de não persecução civil”, a ser celebrado entre o Ministério Público e o autor do ilícito. O CONAMP concorda com a previsão do acordo inserida na Lei de Improbidade, nas discorda que o cálculo do ressarcimento dependa do Tribunal do Contas porque “interfere diretamente na autonomia do Ministério Público”.
Absolvição criminal
Por fim, Moraes interrompeu a eficácia do dispositivo [21, § 4º] que impede o trâmite da ação que apura a improbidade quando o autor do ilícito for absolvido pelos mesmos fatos na esfera criminal. Cabe lembrar que improbidade não necessariamente é um crime, embora ambos possas estar interligados. A improbidade administrativa é caracterizada por dano ao erário, enriquecimento ilícito e violação dos princípios administrativos.
Ilícito civil X ilícito penal
Aceitar suborno, por exemplo, é, ao mesmo tempo, crime de corrupção e ato de improbidade administrativa. Quem pratica deve ser condenado na esfera criminal à pena de prisão e, na esfera civil, às sanções previstas na lei de improbidade administrativa: perda de função pública, perda de bens, suspensão dos direitos político, ressarcimento aos cofres públicos, entre outras.
Liberar verbas sem observar as normas vigentes e permitir gastos não autorizados em lei são exemplos de atos de improbidade (não necessariamente crimes) que causam prejuízo ao erário. Falhar na transparência perante a sociedade, violar sigilo funcional e retardar (ou deixar de praticar) atos de ofício são prática que atentam contra os princípios da administrativos.
Não apenas agentes públicos que cometem atos de improbidade. Particulares também estão sujeitos à lei, desde que os atos tenham sido praticados em conjunto com agentes públicos.