Exclusivo: uma mulher a cada 9 minutos sofre com descumprimento de medida protetiva no Brasil
SBT faz levantamento inédito de processos judiciais por não cumprimento da proteção; a cada oito mulheres, uma continuou sendo perseguida mesmo após a medida
A cada nove minutos, uma mulher sofreu com o descumprimento de medida protetiva no Brasil. O SBT realizou um levantamento exclusivo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que mostra que, de janeiro a julho deste ano, 35.370 processos judiciais relacionados a casos em que a proteção à vítima de violência não foi respeitada. Nesta segunda-feira (28), o SBT Brasil estreia a série de reportagens "Além da Medida".
A medida protetiva, que exige o distanciamento do agressor, é um dos principais mecanismos da Lei Maria da Penha. No entanto, só no primeiro semestre deste ano, dos quase 230 mil concedidos pela Justiça, uma em cada oito mulheres continuou a ser alvo do agressor. É um cenário de violência reincidente que vem piorando ano a ano. No ano passado, em média, para cada 11 mulheres com a medida protetiva, uma continuou a ser perseguida pelo agressor.
Para a própria Maria da Penha, mulher que virou o símbolo de luta contra a violência doméstica, mesmo que a lei brasileira seja considerada umas das três melhores do mundo contra o crime de gênero, ela ainda deixa a desejar.
"Quando a medida protetiva é dada e quando não existe uma fiscalização dessa medida, quando não existem políticas públicas que fiscalizem e que tomem o devido cuidado para a proteção dessa vítima, os feminicídios podem acontecer", diz Maria da Penha.
Medida negada
Emily dos Santos Silva, 25 anos, conta que a mãe, Maria Adelma, era agredida pelo próprio pai desde o começo da relação.
"Ele batia nela no começo da relação, ele sempre ia para cima, partia para cima, atirava objetos. Na cabeça dele, minha mãe tinha um amante e ela era xingada por ser mulher", afirma Emily.
Neste ano, a mãe reuniu forças, procurou uma delegacia da mulher, denunciou as ameaças que sofria do marido e pediu uma medida protetiva. Cerca de um mês depois, a filha descobriu que a proteção foi negada pela Justiça, mas já era tarde demais para cobrar o Judiciário. Maria Adelma havia sido assassinada pelo companheiro.
"Quando a gente foi pra delegacia fazer o boletim de ocorrência, a delegada informou que a medida havia sido indeferida. Se tivesse a medida, ele não teria estragado a própria vida e nem ela estaria morta. O Estado foi omisso e ela não teve a proteção de ninguém, ela estava desprotegida de todas as formas", relata Emily.
"Se eu não fosse dele, não seria de ninguém"
Moradora de uma comunidade em Guarulhos, uma de mãe quatro filhos, que não quis se identificar, foi desafiada inúmeras vezes pelo ex-marido, que descumpria a medida protetiva. O homem ameaçava a vítima por meio mensagens e afirmava que se ela "não fosse dele, não seria de ninguém".
Em um dos dias, o ex-companheiro invadiu a casa dela armado com um canivete e foi preso em flagrante durante uma ronda do programa Guardiã da Maria Penha, que é uma parceria do Ministério Público e as Guardas Civis Municipais (GCM).
O projeto estabelece que a GCM realize patrulhas diariamente em endereço de mulheres que possuem a medida. Somente em Guarulhos, 353 vítimas de violência são acompanhadas por agentes municipais. Em seis anos do Guardiã, agentes realizaram mais de 17 mil visitas em lares e ao menos 60 prisões em flagrante no município.
Quando a cidade não tem Guarda Civil, o programa pode ser realizado pela Polícia Militar ou em parceria com a Prefeitura e as Assembleias Legislativas.
O descumprimento de medida protetiva é uma realidade que assola o país. Segundo o levantamento do SBT, em 2023, havia 15.537 processos por descumprimento de medida protetiva. O Sul foi a região que mais registrou essas ações, com um aumento de 38,15%, comparado a 2022. A maior alta percentual ocorreu no Nordeste, onde houve aumento de 161,40%, na comparação com o ano anterior. O salto foi de 4.819 processos de descumprimento para 12.597.
Veja a quantidade de casos por estado em 2024:
Na visão da Maria da Penha, a educação, combatendo o machismo, é um dos principais caminhos para diminuir a violência contra a mulher, seja para uma nova geração de homens ou para aquele que já foi condenado pelo crime.
Na reportagem de terça-feira (24), o SBT Brasil vai mostrar um dos instrumentos da Lei Maria da Penha para combater a violência de gênero, os programas de recuperação e reeducação para os agressores, que têm como o objetivo desconstruir a figura do "velho homem".