Exclusivo: por dentro dos ônibus de viagem clandestinos
Atraídos por passagens mais baratas, passageiros enfrentam riscos como veículos malconservados e motoristas em jornadas exaustivas
Cristian Mendes
André Paino
Marco Pagetti
Os ônibus clandestinos têm se tornado um dos maiores desafios do transporte no Brasil. Apesar dos preços mais baixos, os riscos envolvidos são alarmantes: pneus carecas, veículos sem manutenção adequada e motoristas que ultrapassam os limites de horas ao volante.
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Enquanto isso, a fiscalização tenta combater essas práticas. Em 2023, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) registrou mais de 2,2 mil fiscalizações e aplicou 4,2 mil autos de infração, totalizando quase R$ 23 milhões em multas. No entanto, as empresas ilegais continuam operando.
O mercado clandestino em São Paulo
Na região central da capital paulista, é fácil encontrar agências clandestinas oferecendo viagens para fora do estado. Destinos populares incluem estados do Nordeste e cidades de Minas Gerais. Numa dessas agências, nossa equipe, utilizando câmeras escondidas, ouviu os relatos:
- Campina Grande?
- É.
- Quanto está?
- R$ 500.
- R$ 500? Está saindo agora?
- Agora não, só até Caruaru. Campina é só terça e sábado.
- Terça e sábado? Sábado é direto?
- Direto.
- Quantas horas até lá?
- 42 horas.
- 42 horas?
- Sai no sábado daqui até meio-dia e segunda-feira até meio-dia está lá.
- Passa no cartão?
- Passa.
- Duas vezes?
- Passa. Aí quem paga os juros do cartão é você.
- No cartão? Tá cheio já o de sábado?
- Não.
- Você tem um cartãozinho pra mim, por favor? E é seguro esse ônibus né moça, pelo amor de Deus...
- É, é igual é a esse, tem até melhor.
Entretanto, ao visitar os pontos de embarque, a realidade era outra. Ônibus sujos, com aparência de envelhecidos e pneus carecas, dominavam a cena.
Relatos dos passageiros e os desafios da fiscalização
Muitos passageiros aceitam os riscos, destacando a rapidez e o custo reduzido como vantagens. “É velhinho, mas o bicho é bom”, disse um. Já um funcionário revelou que em algumas agências é possível até dormir nos ônibus antes das partidas matinais, algo que ele considera um benefício.
As empresas clandestinas adotam estratégias para evitar as autoridades, o que dificulta as operações. Além disso, a demanda contínua por viagens clandestinas incentiva essas práticas ilegais.
Ao embarcar em um desses ônibus, o ambiente pode parecer tranquilo. Crianças brincam enquanto aguardam a partida, sem imaginar os perigos que enfrentarão: jornadas exaustivas para os motoristas e longas horas em estradas.
O superintendente de Serviços de Transportes Rodoviários da ANTT, Hugo Leonardo Cunha, reforça o alerta: “É um barato que pode sair muito caro, pode custar a vida”. Na janela de um dos ônibus, a mensagem resume a atitude dos passageiros: “O segredo é ter fé”. Muita fé.