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É inconcebível que bets estejam atuando no Brasil sem controle, afirma procurador do MPF que abriu investigação no CE

Alessander Sales defendeu lei mais rígida e fiscalização efetiva para que jogos online deixem de ser risco social, econômico e de saúde para os mais pobres

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"É inconcebível que empresas estejam atuando no Brasil sem registro no Brasil no espaço da internet e sem nenhum controle da Anatel." O procurador da República Alessander Sales, do Ministério Público Federal (MPF) no Ceará, é autor da primeira apuração aberta para averiguar os riscos das apostas online aos mais pobres. Em entrevista ao SBT News, ele afirmou que investigação preliminar apontou descontrole em regras de publicidade sobre danos à saúde, falta de limite de apostas e de lucro e que o crime aproveita as brechas para lavar dinheiro.

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A primeira investigação aberta em setembro sobre os impactos das bets no endividamento familiar dos mais vulneráveis, foi encampada pelo MPF nacional e deve levar a ações e propostas para endurecimento da lei, aprovada para o setor em 2023, e aumento da fiscalização. Na entrevista, Alessander Sales falou sobre as irregularidades constatadas pelo MPF nos sites de apostas, sobre as medidas anunciadas pelo governo federal consideradas "mínimas", sobre a associação das bets ao esporte, sobre o uso de influenciadores digitais na publicidade das empresas e sobre lucros desproporcionais para os donos.

Leia a entrevista:

O que levou o MPF a iniciar investigação sobre as bets?

Nossa preocupação inicial partiu da constatação de dados e demonstram que setores mais vulneráveis da sociedade brasileira aquelas pessoas que têm a maior dificuldade para manter uma vida digna, adquirindo o que é necessário para sua moradia, educação e saúde, estariam carreando significativas somas de dinheiro para esses sites de aposta. A partir disso, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado do Ceará abriu um procedimento para ter uma dimensão exata dessa situação, se isso realmente estava acontecendo e qual era a quantidade que isso envolvia. Iniciamos uma investigação para proteger esse segmento vulnerável da sociedade. Este é o foco principal do procedimento aberto. Isso se espalhou para todo o Brasil, a partir de uma atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

Mas desde logo, vimos muitas vulnerabilidades na regulamentação para essa atividade e uma deficiência muito grande de fiscalização. E isso faz com que a gente olhe para outras frentes de atuação. Faz com que a gente olhe para vertente criminal, ou seja uma possibilidade de que recursos tenham sido lavados ou estejam sendo objeto de uma legalização indevida, nessas plataforma, em uma vertente criminal. E também nos causa muitas espécie o descontrole da atividade em cima gerando um possível problema grave de saúde pública e é o vício das pessoas na utilização dessas plataforma.

Então temos os vulneráveis, cujo contingente pode estar viciado ou não, temos os não-vulneráveis que pode estar padecendo do vício do jogo e comprometendo também parte significativa de sua renda e nós temos também uma vertente criminal, que pode demonstrar atividades ilícitas com a utilização dessas plataformas. No entanto nosso foco principal hoje é nos vulneráveis, impedir que esses vulneráveis sejam capturados por essas plataformas, por uma estratégia de publicidade que tem pouco controle, por uma informação deficiente sobre os riscos que acarreta a integridade financeira econômica dessas pessoas e também a saúde dessas pessoas. Esse é o foco principal.

O senhor já tem dados sobre os riscos aos mais pobres e o problema é concentrado no Ceará ou nacional?

O que se pode constatar, e essa constatação espalha por todo o país, não é localizada só no estado do Ceará, mas essa situação se repete em todo o país, com dados que foram divulgados pelo próprio Ministério da Fazenda, através do Banco Central, que se pode constatar um volume significativo de recursos de beneficiários de programas sociais apostando nessas plataformas. Fala-se em torno de R$ 3 bilhões só no mês de agosto passado. Portanto, se nós estabelecermos uma média de gasto mensal, nesse patamar, nós chegaremos a somas absurdas, chegando a vários bilhões de reais nessas plataformas, somente naquilo que pode ser identificado através cruzamento de dados.

Os valores são significativos, impacta decisivamente em várias outras atividades econômicas, porque o dinheiro é finito. O dinheiro que essas pessoas não gastam na manutenção da sua alimentação, de sua moradia, do seu vestuário, da educação, da saúde está indo para esse outro setor de forma concentrada. Estão tornando essas pessoas cada vez mais vulneráveis, cada vez mais dependentes da atuação estatal, mais invisível. Faz com que o dinheiro que foi feito para dar conta dessa vulnerabilidade, saia das pessoas e vá para uma plataforma e deixa essas pessoas bem mais vulneráveis.

É um problema nacional, não é só no estado do Ceará, é um problema gravíssimo. E tão grave que despertou aí o governo para apresentar soluções a esse problema.

Há como controlar esse tipo gasto das famílias. Que modelos podem ser seguidos para se evitar esse endividamento dos mais pobres?

Alguns países no mundo proíbem esse tipo de jogo, outros permitem. Mas em muitos, onde o jogo é permitido, o controle é muito mais efetivo do que o se faz no Brasil. Principalmente em dois pontos essenciais: o primeiro na publicidade, em outros países é muito mais regrada, para se ter uma ideia, na Inglaterra a publicidade em clubes de futebol vai deixar de existir nos campeonatos a partir de 2026, também há uma publicidade em redes sociais que é muito incisiva e que captura muitas pessoa, há um estabelecimento de responsabilização das plataformas pela divulgação que é feita através de influenciadores digitais, também é algo que nós temos que evoluir no Brasil; a outra vertente diz respeito ao controle do endividamento do apostador, é preciso que as plataformas controlem o endividamento, conheçam o perfil econômico do apostador, estabeleçam limites para apostas, se uma pessoa é beneficiária de um programa de renda mínima de um governo, é preciso estabelecer uma margem muito pequena para que ela possa apostar ou não estabelecer margem nenhuma para essas pessoas. É possível melhorar muito o controle, é possível melhorar muito a publicidade, é possível avisar de forma mais efetiva os malefícios e o jogo provoca, e nós temos no Brasil regramento específico para fumo, em termos de publicidade, para bebidas alcoólicas, para medicamentos. São regras bem duras e claras que exigem que o malefício causado pelo vício, nessas atividades, esteja explícito no consumo deles.

A atuação do Ministério Público Federal de início, não é proibir o jogo e sim estabelecer uma regulação mais efetiva que permita o jogo a arrecadação tributária esse jogo e as pessoas possam eventualmente obter sucesso financeiro ganhando algumas apostas, mas e não endividem que não se tornem viciadas isso não gera um problema de saúde pública. Isso também deve ficar muito claro para o jogo nessas plataformas.

Outra questão muito importante é que a legislação estabeleça um percentual do ganho das apostas que devem ser pagos por prêmio. Que essas plataformas invertam um prêmio um percentual grande de sua atividade, ficando somente com uma margem de lucro correspondente a administração dessas apostas e não tornando-se rica bilionária com a própria ação do dinheiro das pessoas mais vulnerável.

As bets patrocinam alguns times no Brasil, isso também deve ser proibido?

A legislação brasileira impede que se faça publicidade em atividades e eventos esportivos de fumo, de bebida alcoólica e de medicamentos. Não é possível colocar na camisa de um clube uma marca de uma bebida, de um cigarro ou marca de medicamento. Isso porque esses produtos podem gerar vício. E o vício é contrário ao valor maior do esporte, que promove a saúde.

O mecanismo de dependência gerado por esses produtos, um medicamento, bebida alcoólica, é o mesmo mecanismo que aprisiona no vício as pessoas que jogam em plataformas de apostas. Portanto, não parece adequado que clubes de futebol ostentem em suas camisas, produtos que são contrários à saúde do ser humano e nem que os campeonatos possam ter o nome dessas plataformas e promovam esse tipo de atividade.

A lei no Brasil para bets é do final de 2023. O senhor vê que ela não tem sido cumprida ? E há mudanças a serem feitas na própria legislação?

Em uma investigação preliminar analisamos alguns sites de plataformas que oferecem apostas no Brasil. Identificamos um descumprimento claro da lei, que estabelece um percentual, de no mínimo 10%, do espaço do site para a divulgação do que a lei estabelece como jogo responsável, ou seja como o consumidor deve jogar de forma para não influenciar, nem se comprometer financeiramente.

O que nós vimos foi que muitos sites não trazem essa informação muito clara e, muitas vezes, quando trazem a informação, trazem até em outra língua, em inglês por exemplo, quando o site é todo em português, dificultando que as pessoas entendam os malefícios dessa atividade de apostas. É um descumprimento da própria lei vigente. E a lei vigente é muito aberta, deixa espaço para muitas condutas indevidas. É preciso, portanto, uma regulamentação muito efetiva para que a autoridade fiscalizadora possa atuar e multar essas plataformas pelo descumprimento das normas.

E eu acho que nós devemos nesse momento focar na construção de uma regulamentação específica muito contundente e possa controlar de forma eficaz a utilização dessas plataformas fazendo com que as disposições gerais da Lei se tornem mais complexa como parâmetros de fiscalização mais efetivos.

Como deve ser feito o controle de endividamento dos apostadores?

O que identificamos é que o controle do endividamento é feito por cada uma das bets e, portanto, não me parece adequado que cada bets estabeleça seus critérios próprios. É preciso que a atividade de regulação estabeleça os parâmetros de controle de endividamento, que esses sim devem ser seguidos pela bet. E fiscalize para verificar se a plataforma está ou não cumprindo esses parâmetros. Temos que construir parâmetros no Brasil, obrigar as empresas que oferecem apostas a atuarem e fiscalizar se realmente elas estão contendo o endividamento desproporcional dos apostadores. Isso deve ser feito com a maior urgência para evitar o comprometimento quase total da renda de muitas pessoas, especialmente, as pessoas vulneráveis.

Deve existir também percentuais para os prêmios de apostadores?

Com relação ao que as bets devem entregar do valor das apostas como premiação, não temos na regulamentação hoje, não identificamos, nenhuma obrigatoriedade estabelecida. Por isso uma das perguntas iniciais que encaminhamos ao Ministério da Fazenda, à secretaria especial que trata das apostas, que foi justamente criada para fazer o controle dessa atividade, é saber se os órgãos federais envolvidos têm o controle de quanto está sendo pago pelas apostas feitas. Qual é o percentual que as bets estão devolvendo para o pagamento de prêmios. Nós não temos essa informação, porque não vimos nenhum parâmetro regulatório que desse essa informação clara e de fácil acesso, para os agentes que fazem investigação.

O governo anunciou recentemente o cadastro das empresas bets. É um bom sinal?

O que o governo fez até agora foi exigir que as bets que estão em operação façam um cadastramento, junto ao Ministério da Economia, para que possa servir de controle, que comprovem que tem uma empresa no Brasil, com os responsáveis identificados. É uma providência mínima que já deveria ter sido tomada a partir do momento que esses jogos começaram a ganhar a internet, mas que não foi tomada. No entanto é claro que isso vai, agora no dia 11 (de outubro), fazer com que todas as plataformas que não estão cadastradas sejam retiradas do ar pela Anatel, que controla o fluxo de informação na internet. Isso já evita uma série de comprometimentos, principalmente para essa parcela mais vulnerável da população, que com acesso fácil pelo celular faz jogo a qualquer momento. Então isso já é uma medida mínima de controle. Mas como eu disse, é uma medida que não deveria nem acontecer.

É inconcebível que empresas estejam atuando no Brasil sem registro no Brasil no espaço da internet e sem nenhum controle da Anatel. Ou seja, a Anatel tem todos esses dados já poderia ter agido sem nenhuma provocação para controlar esta atividade é o mínimo que se faz agora é preciso evoluir muito ainda. É preciso estabelecer os parâmetros de publicidade, estabelecer os parâmetros de jogo responsável, parâmetros de grau de endividamento, é preciso estabelecer a obrigatoriedade de devolução de percentuais significativos como resultado das apostas e também na arrecadação tributária e é preciso também que se permita que as bets retirem lucro dessa atividade, mas não um lucro desproporcional. Vamos trabalhar nos parâmetros internacionais de onde esses jogos já tô com maior controle.

A falta de controle e de lei mais severa abrem espaço para uso das bets pelo crime, para lavagem de dinheiro?

A partir do momento em que só vai ser possível jogar em plataformas, cujo controle é do governo, ou seja, o governo consegue controlar porque consegue ver a plataforma, saber quem é o responsável, consegue verificar quanto entrou de dinheiro, a partir desse controle a atividade ilícita não vai mais se aproveitar do descontrole atual. Existem outras atividades lista mais baratas do que lavar dinheiro em plataforma legalizada. A partir do momento em que a plataforma fica legalizada e recolhe uma carga tributária alta, fica caro usar essa forma de lavagem de dinheiro. Portanto, é um controle que afasta muito a repercussão criminal negativa. Mas já vimos investigações, inclusive que estão na mídia, em todo o Brasil, a descoberta da polícia e do Ministério Público de estruturas de lavagem de dinheiro ligada às platafomas de apostas. Portanto, acredito que, com essa regulamentação mais efetiva, até esse componente criminal será devidamente contido.

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