Caso Bacuri: Brasil pode ser condenado pela terceira vez por violações de direitos humanos na ditadura
Documentos indicam detenções arbitrárias e tortura contra militantes políticos; governo recriou nesta quinta-feira (4) comissão sobre mortos e desaparecidos
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Representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Ministério das Relações Exteriores e da Advocacia-Geral da União, integram, na sexta-feira (5), a audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em São José, na Costa Rica.
Desta vez, a Corte Internacional vai iniciar a instrução e o julgamento do caso de Eduardo Collen Leite, o Bacuri, vítima de execução extrajudicial do regime militar, em 1970. A Corte apura a responsabilidade internacional do Estado brasileiro por insuficiências do processo de justiça em relação às vítimas da ditadura.
O julgamento é retomado um dia depois de o governo brasileiro decidir recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos encerrada durante a gestão de Jair Bolsonaro.
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Considerado o preso político que mais passou tempo sendo torturado em instalações da Marinha, do Exército e pela equipe do delegado Sérgio Fleury, Bacuri era guerrilheiro da luta armada contra o regime. Ele passou cerca de 109 dias sob poder dos órgãos de repressão.
O caso do militante foi apresentado à Corte IDH em maio de 2022 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A detenção arbitrária e tortura de Denise Peres Crispim, companheira de Bacuri, também será avaliada. Denise estava grávida de 6 meses quando foi presa e submetida a torturas. Ela chegou a dar à luz sob escolta.
O caso foi enviado à Corte Internacional por causa da ausência de uma resposta efetiva do Brasil a recomendações feitas pela comissão.
Entenda o caso
Denise Peres Crispim, que estava grávida, e seu marido, Eduardo Collen Leite, foram detidos e torturados pelo Exército em 1970. Ela foi liberada logo após dar à luz, e ele foi assassinado por um major do Exército sob ordens de um coronel. Posteriormente, Denise e a filha se refugiaram no exterior. Durante seu exílio, ela foi condenada pela Justiça Militar a 10 anos de prisão, perdendo seus direitos políticos.
Em maio de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
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Em seu relatório de mérito, a Comissão afirma que a prisão de Eduardo Collen Leite foi arbitrária, uma vez que não há indícios de ordem de prisão contra ele, nem de flagrante. A vítima não conhecia os motivos da sua detenção, nem foi colocada à disposição de um juiz. Além disso, o assassinato foi uma execução extrajudicial, já que se encontrava sob custódia do Estado. O Brasil não contestou a conclusão de que a vítima foi executada por ordens de um coronel.
Além disso, a Comissão estabeleceu que Denise Peres Crispim também foi vítima de detenção arbitrária e tortura e que, por estar grávida e em situação de vulnerabilidade, sofreu de modo desproporcional; e que foi violado o direito à integridade da sua filha, Eduarda.
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A Comissão considerou que o Estado não investigou os fatos de modo diligente, já que a justiça ordinária arquivou a denúncia de tortura e execução de Eduardo Collen Leite. Na ocasião, foi alegada a prescrição do crime e uma interpretação da Lei de Anistia incompatíveis com as obrigações estatais na matéria. Isso fez com que o caso ficasse impune.
A Comissão recomendou ao Estado brasileiro reparar as vítimas de maneira material e imaterial; providenciar, de modo acordado, medidas de assistência em saúde física e mental para a reabilitação dos familiares das vítimas; investigar de maneira séria, diligente, efetiva e em prazo razoável os fatos ocorridos com Denise Peres Crispim e Eduardo Collen Leite, a fim de identificar e punir as pessoas responsáveis; assegurar que a Lei N° 6.683/79 (Lei de Anistia), a figura da prescrição e a aplicação da justiça penal militar não continuam obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos, como as do presente caso.