Alunos voltam às aulas em meio a incertezas do Novo Ensino Médio
Reformulação do modelo que começou a ser implementado em 2022 está entre as pautas a serem discutidas no Congresso já no primeiro semestre
A volta às aulas será diferente para milhares de jovens do ensino público este ano. Se por um lado há uma boa expectativa com a criação do programa Pé-de-Meia - um incentivo financeiro para evitar a evasão escolar -, por outro há insegurança entre os estudantes devido à discordância de autoridades, pais e educadores sobre o Novo Ensino Médio.
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Tudo isso acontece em meio aos desafios, alguns até estagnados, do setor educacional. Em 2023, por exemplo, o Brasil ficou em uma das últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2022, com notas abaixo das médias registradas pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O estudo mostrou que a área de matemática é a mais preocupante, uma vez que 73% dos alunos brasileiros de 15 anos ficaram abaixo do nível 2 - conhecimento básico - na matéria, ante 31% da média da OCDE. Em leitura, o número foi de 50%, contra média de 26%, enquanto a disciplina de ciências registrou índice de 55%, ante 24%.
"Quando a gente olha no intervalo dos últimos 10 anos, a gente vê que o Brasil é um país estagnado no que diz respeito a esses resultados. Ainda temos uma certa insegurança em relação a quais são as metas e as prioridades dos próximos 10 anos da educação no Brasil. Isso tudo, claro, tem um impacto direto nesses resultados, não somente no Pisa, mas também na diminuição de desigualdades educacionais”, aponta Ana Gardennya Linard, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Ela afirma que decisões básicas de políticas educacionais têm um forte poder para garantir que jovens tenham acesso ao ensino superior e, consequentemente, a uma maior oferta no mercado de trabalho. Para isso, além de focar na primeira infância e na formação inicial de professores, o governo deve priorizar a grade do Ensino Médio nas escolas.
Isso porque é nessa série que os estudantes se preparam para os vestibulares, que abordam todas as áreas de conhecimento. Em 2021, o governo de Jair Bolsonaro (PL) implementou um cronograma para a adoção gradual do chamado Novo Ensino Médio. O modelo conta com o aumento da carga horária e a flexibilização do plano curricular - de todas as matérias, as únicas obrigatórias são Matemática e Língua Portuguesa.
Em abril de 2023, no entanto, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu temporariamente a implementação do novo modelo. A decisão ocorreu após consulta pública aberta pela pasta, que recebeu centenas de reclamações sobre o plano. Grande parte das queixas foram feitas por educadores, que defendem que o plano curricular foi aprovado sem um diálogo mais aprofundado. Com isso, estabeleceu-se um cenário de incerteza.
“O Novo Ensino Médio foi uma das pautas que o Congresso passou para 2024. Então, é uma grande pendência e também uma grande insegurança para os estudantes que vão voltar às aulas, porque eles ainda não sabem a questão da grade curricular”, diz Linard.
Em dezembro do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei que muda alguns aspectos do Novo Ensino Médio. Entre os principais pontos está o aumento da carga horária. No modelo atual, as 3 mil horas do Ensino Médio são divididas entre 1.800 horas de disciplinas obrigatórias e 1.200 horas optativas (nos itinerários formativos escolhidos por cada aluno). O projeto de lei, por sua vez, defende a volta das 2.100 horas de disciplinas obrigatórias e 900 horas de aulas técnicas.
Além de português e matemática, o texto também propõe a volta da obrigatoriedade das disciplinas de espanhol, educação física, artes, química, biologia, história, geografia, sociologia e filosofia.
Segundo o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), a expectativa é que o projeto seja votado ainda em março. “Discutir o novo Ensino Médio é discutir sobre impacto na vida de milhões de famílias brasileiras, não é pouca coisa. Articulamos o adiamento da votação do PL para março. Mais debate, mais pluralidade”, disse.
Programa Pé-de-Meia
Mesmo em meio a um cenário de incerteza, os alunos do Ensino Médio poderão contar com um novo benefício: o Programa Pé-de-Meia. A iniciativa concede ao estudante R$ 200 no ato da matrícula e, se registrar frequência escolar acima de 80%, R$ 1.800 divididos em nove parcelas de R$ 200. Os valores serão válidos para cada ano do Ensino Médio.
A cada ano letivo concluído com aprovação, o aluno também terá R$ 1 mil depositado em uma poupança. Na conclusão do Ensino Médio, o aluno receberá o valor depositado na poupança e um auxílio de R$ 200 para participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao todo, o aluno pode receber R$ 9,2 mil com o programa.
A iniciativa tem como objetivo reduzir a desigualdade social entre os jovens do Ensino Médio, uma vez que é nessa etapa que se concentram os maiores índices de evasão e abandono escolar, sobretudo no primeiro ano. Dados do Censo Escolar, por exemplo, revelam que cerca de 480 mil alunos estão abandonando o Ensino Médio todos os anos.
Para isso, o Governo Federal estipulou alguns requisitos para conseguir participar do programa:
- Ser inscrito no CadÚnico (base de dados do governo federal para coleta de informações de pessoas em vulnerabilidade);
- Estudantes matriculados no início do ano letivo;
- Frequência escolar de pelo menos 80% das horas letivas;
- Participação no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Tais exigências, segundo Linard, são essenciais para acompanhar a trajetória dos estudantes.
“É uma iniciativa promissora. Ela tem quatro incentivos, incluindo o incentivo de participação do Enem - exatamente para tentar trazer mais a vontade do aluno de usar o Enem na sua vida profissional e ingressar em uma faculdade. Utilizar realmente o Enem como uma ferramenta, uma janela, de oportunidades”, aponta a especialista.
Segundo ela, o programa é visto como uma ajuda para os 40% dos jovens que deixaram o estudo para trabalhar em 2022. Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a maioria dos jovens entre 15 e 29 anos que abandonaram os estudos indicaram como principal motivação a necessidade de trabalhar.
Tecnologia nas salas de aula
Outra polêmica que deve acompanhar os alunos das redes municipais e estaduais nesse início de ano letivo é o uso de celulares. Em São Paulo, treze aplicativos, incluindo os das principais redes sociais, estão bloqueados nas escolas estaduais.
A restrição já valia desde o ano passado. No entanto, desde segunda-feira (5), além dos três milhões de estudantes e professores, a medida vai abranger, também, os funcionários.
Já na cidade do Rio, a prefeitura ampliou a proibição do uso de celular nas escolas da rede municipal. O aparelho, que antes era proibido apenas na sala de aula, agora não poderá ser utilizado em trabalhos fora da sala de aula e durante os intervalos, incluindo o recreio.
A medida deve entrar em vigor em março, e os alunos poderão mexer no celular apenas nas seguintes condições:
- antes da primeira aula do dia, desde que fora da sala;
- após a última aula do dia, desde que fora da sala;
- quando houver autorização expressa do professor regente para fins pedagógicos, como pesquisas, leituras ou acesso ao material Rioeduca;
- para os alunos com deficiência ou com condições de saúde que necessitam destes dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade;
- durante os intervalos, incluindo o recreio, quando a cidade estiver classificada a partir do Estágio Operacional 3 (atenção em situações de impacto, como alagamentos);
- quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar em casos que ensejem o fechamento ou interrupção temporária das atividades da unidade escolar, de acordo com o protocolo do programa Acesso Mais Seguro;
- durante os intervalos para os alunos da Educação de Jovens e Adultos;
- quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar por motivos de força maior.
Para Linard, ainda que a tecnologia não substitua a importância da sala de aula, do professor e do ambiente escolar, ela pode ser usada como ferramenta para complementar o processo de aprendizagem e tornar a escola mais atrativa.
“Essa é uma geração que precisa cada vez mais que a escola faça sentido para eles. É uma geração que tem vários meios de comunicação. Então, eles aprendem muito rápido, eles acompanham a notícia por vários canais de maneira muito mais rápida. Por isso, a escola precisa, sim, ser atrativa para esses jovens”, afirma a especialista, que também descarta medidas extremas como a substituição de livros e apostilas por material 100% digital.
A gerente do Todos Pela Educação cita como exemplo a Suécia, que após anos de política de digitalização da educação, investiu 60 milhões de euros, em 2023, para retornar os livros didáticos às escolas.
A iniciativa aconteceu após um instituto do país afirmar que havia provas científicas de que as ferramentas digitais prejudicam, em vez de melhorar, a aprendizagem dos alunos.
“A tecnologia pode ser utilizada como uma metodologia ativa para tornar a sala de aula mais atrativa, tornar um momento de aprendizagem cada vez mais divertido e mais leve, mas, em nenhum momento, a gente pode substituir uma sala de aula ou o papel do professor nesse processo de aprendizagem”, avalia.