Amazônia Legal sofre com atuação de 22 facções e taxa de assassinatos superior à média nacional
Levantamento divulgado nesta 5ª feira (30.nov) traz detalhes do impacto desses grupos criminosos na segurança da região
Cristiane Ferreira
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizou levantamento com detalhes a respeito dos conflitos que atingem a região amazônica. O relatório "Cartografias da violência na Amazônia", divulgado nesta 5ª feira (30.nov), revela que a segurança tem diminuído cada vez mais nos 69% da floresta distribuídos pelo território brasileiro. O estudo aponta que 22 facções criminosas atuam na Amazônia Legal, colocando a taxa de assassinatos na região acima da média nacional.
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Por causa da presença dessas organizações, crimes relacionados às quadrilhas que praticam ilícitos como desmatamento, exploração ilegal de minérios, garimpo e narcotráfico têm escalado em uma velocidade recorde nos municípios que fazem parte da Amazônia brasileira. A violência ameaça a população de maneira geral e, especialmente, grupos minoritários como povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas.
Ao todo, 772 cidades fazem parte da chamada Amazônia Legal, ou seja, a parcela da floresta que integra o dominio político-administrativo brasileiro. Estima-se que 178 destas cidades sofram com a presença de facções ou sejam alvo de disputas territoriais.
"A expansão de facções criminosas provenientes do Sudeste implicou em um processo de fortalecimento e profissionalização dos grupos locais. Novas rotas criminosas foram surgindo, bem como articulações com outros ilícitos, como o garimpo e os crimes ambientais, impondo enormes desafios às instituições responsáveis pela manutenção da lei e da ordem", diz o texto.
O documento faz um panorama da atuação de grupos criminosos nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, zona que tem servido como vitrine do governo brasileiro dentro e fora do país, como parte de uma política de busca de investimentos em prol da preservação ambiental e do combate às mudanças climáticas.
"Não há como debater estratégias e políticas para manter a floresta amazônica de pé sem considerar a grave ameaça que o crime e a violência representam na região hoje", afirmam os autores do levantamento.
A violência em números
O estudo afirma, por exemplo, que 9.011 pessoas morreram no território da Amazônia Legal em 2022, em decorrência de mortes violentas intencionais: vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.
O estado considerado mais violento foi o Amapá, com taxa de 50,6 mortes a cada 100 mil habitantes. O Amazonas aparece na sequência, com 38,8, e o Pará teve taxa de 36,9. Na sequência, aparecem na lista Rondônia (34,3), Roraima e Tocantins (30,5), Mato Grosso (29,3), Acre (28,6) e, por fim, Maranhão (28,5).
Além disso, a taxa de mortes violentas intencionais no Brasil no ano passado foi de 23,3 para cada 100 mil pessoas, enquanto a média nas cidades da Amazônia Legal registrou 33,8 por 100 mil -- número 45% superior à média nacional.
Ameaças às minorias
Segundo o documento, a população indígena tem sofrido com ameaças em decorrência da expansão da fronteira econômica no entorno e para o interior das regiões de mata.
Desta forma, o financiamento de projetos agropecuários, a integração territorial brasileira, por meio da construção de rodovias, o crescimento da indústria madereira e o senso de "espaço vazio", ou seja, sem domínio do governo, que a sociedade tem em relação à Amazônia, contribuem para que as aldeias se tornem alvos fáceis para a atuação criminosa em busca da exploração dos territórios e seus recursos naturais, tornando-as vítimas de crimes como grilagem e extração ilegal de minério e madeira.
"A floresta amazônica, longe de ser uma 'natureza intocada', é fruto de relações entre seus habitantes, incluindo os povos indígenas, que por séculos vêm contribuindo com a diversidade e a saúde do bioma. Falar em proteção da floresta é falar da proteção das pessoas que nela vivem e da garantia da autonomia sobre seus modos de vida", revela o documento.
A expansão terrotorial criminosa representa ameaça também às comunidades quilombolas, que constantemente sofrem riscos relacionados à desapropriação criminosa e ao narcotráfico. Esse último pelo fato de muitos dos seus territórios estarem distribuídos ao longo dos rios Tocantins, Pará, Guamá e Gurupi, o que compromete a sua segurança e a preservação de seus laços com a sua ancestralidade.
As mulheres também compõem um grupo de alto risco com a atuação dos criminosos que se espalham por toda a região da Amazônia Legal. De acordo com o relatório, a caracterização do gênero feminino como posse dos homens sofreu uma transformação histórica ao longo dos anos, passando o domínio destas mulheres das mãos dos garimpeiros para os chefes de facções criminosas, que exercem poder sobre elas através de violência psicológica, física e até mesmo assassinato.
A taxa de feminicídios nos municípios que fazem parte da região amazônica é 30,8% maior do que a média nacional, com mais concentração nas áreas rurais.
Além disso, a taxa de estupros na Amazônia legal foi de 49,4 vítimas para cada 100 mil pessoas em 2022, índice 33,8% superior à média nacional.
Descentralização
Além dos municípios, cidades ribeirinhas ou próximas às regiões mais isoladas e rurais estão em meio às disputas entre as facções, demonstrando a capilaridade da atuação dos grupos, que vêm disseminando violência não só nas pequenas cidades ou zonas ruais, mas também nas áreas urbanas, chegando às capitais, como Manaus (AM), Porto Velho (RO), Macapá (AP), Rio Branco (AC) e Palmas (TO).