Há 40 anos escândalo das joias atingia ministro da Justiça
Abi Ackel, homem forte no governo Figueiredo, teve o nome envolvido em contrabando de pedras preciosas. Foi inocentado
Era 1986 e o Brasil ainda respirava com o peito apertado os ecos da ditadura militar que durara 21 anos e terminara no ano anterior com a eleição de Tancredo Neves, via Colégio Eleitoral. Mas havia fôlego para manter vivos os ímpetos de protesto nas artes mesmo depois de tanto horror praticado contra a liberdade das pessoas durante os anos de chumbo. Com foco especialmente dirigido aos criadores nas artes, na literatura, no teatro, na música.
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A banda RPM, surgida ainda no início da década de 1980, lançava aquele que seria um de seus maiores sucessos, Alvorada Voraz (1986), e definia conforme a letra abaixo, assinada por Paulo Ricardo, o Brasil que via emergir da volta à democracia.
Alvorada Voraz, de Paulo Ricardo e Luis Schiavon
Em outro trecho, a letra é ainda mais direta na crítica que o grupo fazia ao momento do país. Na alusão aos casos de corrupção da época, lista:
No ponto onde é citado "O escândalo das jóias", os autores dão ênfase a um episódio da vida nacional que guarda semelhanças aos dias de hoje. O caso do contrabando de pedras preciosas para os Estados Unidos que, mesmo em pleno regime militar, envolveu o ex-ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibraim Abi-Ackel.
O caso
O nome de Abi Ackel foi envolvido no caso quando o advogado americano Mark Lewis foi preso na alfândega dos Estados Unidos, em março de 1983, ao tentar entrar no país. Mark Lewis confessou que levava pedras preciosas, no valor de US$ 10 milhões, e que as jóias tinham conexões em Goiânia com o empresário Antonio Carlos Calvares, dono da empresa Embraime, e amigo de Ibraim Abi-Ackel.
O ex- ministro Abi-Ackel foi apontado como um dos envolvidos no contrabando de pedras preciosas pelo advogado norte-americano, Charles Haynes, por causa da amizade do ministro com Calvares. O empresário goiano admitiu, na época, que entregou as pedras preciosas ao norte-americano Mark Lewis. O Serviço Nacional de Informação (SNI à época, atual ABIN) estava ajudando os agentes federais na apuração do caso.
O ex-secretário de segurança de Goiás, coronel Herberth Curado, disse que Calvares era um "testa de ferro de uma rede de contrabandistas e um vigarista de cheque sem fundo". O SNI deixou o caso em 1985. Mais tarde, informou-se que a afirmação quanto a participação de Abi Ackel no contrabando não tinha fundamento. O ministro estava inocentado.
Abi Ackel voltou à cena política como deputado federal. Em 1987, foi um dos membros da concorrida Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Constituição Federal que seria promulgada em 1988. Ainda na Câmara, foi relator da polêmica CPI do Mensalão, no início dos anos 2000, que apurava a denúncia de pagamento de "mesada" por parte do governo federal para parlamentares com a finalidade de garantir a aprovação de projetos.
Obra em aberto
Por guardar semelhanças com o ambiente político e social envolvendo denúncias e militares no centro das decisões, o vocalista do RPM, Paulo Ricardo, durante apresentação da banda em 2020, declarou a respeito da obra "premonitória" de 37 anos atrás.
"Parece incrível, mas esta música poderia ter sido escrita na semana passada" - Paulo Ricardo, vocalista do RPM
E ele mal sabia que um novo "Escândalo das Jóias" ainda estava por ser descoberto.
A produção do SBTNews procurou a assessoria do ex-ministro Abi Ackel mas não obteve retorno quanto a uma participação na reportagem. O espaço permanece aberto para manifestações.
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