Com a faca e o sangue nas mãos
A violência nos esfaqueou por dentro e mostrou que o problema é muito mais grave do que imaginávamos
Márcia Dantas
Essa semana entramos num estado de luto coletivo. Um sentimento de impotência diante da fúria de um menino de 13 anos e de tantos outros que, motivados pelo mesmo ódio, saíram da escuridão dos seus quartos. Ódio que não nasceu do dia para noite. Foi cultivado, irrigado, mastigado e deve ter um gosto muito amargo para quem sente. E quem sente ainda são crianças que não sabem lidar com esse sentimento.
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Ódio que não sai com um grito de socorro, mas é descrito num tweet e em fotos com armas que foram compartilhadas numa conversa de whatsapp. Esse ódio precisa de palco.
Esse texto é uma facada nas minhas costas também. Foi duro noticiar tantos casos na mesma semana, ver tantos vídeos sobre crimes parecidos e pensar: qual é o nosso papel no meio disso tudo? Será que a mídia, de alguma forma, com a divulgação dessas imagens, colabora com esse culto ao ódio?
Estamos todos atrás de respostas. Pais se culpam pela falta de atenção dada aos filhos, professores de mãos atadas, falta de políticas públicas mais eficientes por parte do estado, mídia tateando a forma correta de noticiar. Sim, estamos perdidos.
Sinto que tapamos os olhos. Ou melhor, estamos olhando para o lado errado. A violência nos esfaqueou por dentro e mostrou que o problema é muito mais grave do que imaginávamos. Não há apenas um culpado. É estrutural. Ninguém conseguirá sozinho por um fim nisso.
Não adianta dizer que é a geração do "mimimi". Sem acolhimento, perderemos a batalha. Nossos meninos e meninas continuarão buscando o ódio para serem vistos e ouvidos. Penso que a nossa sociedade precisa priorizar o que realmente importa, investir em cuidados com a saúde mental.
Na infância, a criança precisa de atenção, mas estamos sem tempo. Trocamos a nossa presença pelo videogame, celular, tablet. Não paramos para escutar o que eles têm a dizer. Resultado, quando eles crescem não conseguem mais nos dizer nada. Não construímos essa relação.
Que então a gente comece hoje. Vamos abrir a porta dos quartos, estipular o horário da conversa, a rotina de almoço e jantar sem celulares na mesa. Façamos algo. Fico imaginando se alguns minutos de conversa, um abraço, um afeto no final do dia, uma demonstração de acolhimento e amor, não poderiam ter salvado a vida da professora e a desse menino.
A polícia na escola não vai proteger nossos filhos desses sentimentos, mas nós podemos ensiná-los a lidar com eles. Para isso, precisamos também aprender a lidar com as nossas dores e vazios. Que a gente não tenha medo de mergulhar lá no fundo, repensar nosso comportamento, mostrar nossa vulnerabilidade.
As escolas precisam rever os métodos de ensino, capacitar profissionais e trabalhar em conjunto com as famílias. Só conseguiremos prevenir atos assim se trabalharmos nosso olhar para ter tempo, dar atenção, ouvir as demandas de nossos filhos sem julgamentos.
Não existe apenas um "assassino" nessa história toda. Estamos todos com a faca nas mãos. É hora de reconhecer e enfrentar o perigo. Sem sangue nos olhos. Não é fácil.
Mas não existe dor maior do que sentir que o tempo passou e não fizemos nada. O pior aconteceu! É hora de agir para salvar as próximas gerações.
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