Montado em mula e com dor de barriga: como D. Pedro declarou a Independência
Obra retratando o grito do Ipiranga idealiza acontecimentos do dia 7 de Setembro de 1822
SBT News
Há 200 anos, a população brasileira presenciou uma das datas mais importantes na história nacional: o rompimento dos laços coloniais com Portugal e a independência do país. Em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, Dom Pedro I ergueu a espada e gritou a tão conhecida frase "independência ou morte". A obra que dá vida ao dia, de autoria de Pedro Américo, no entanto, não expressa os acontecimentos reais da data, uma vez que foi pintada 66 anos após o evento.
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"O quadro do Pedro Américo é um quadro lindo, maravilhoso e importantíssimo, mas as pessoas deveriam saber que ele foi pintado 66 anos depois dos acontecimentos, em que o próprio Pedro Américo estava muito consciente de que ele estava monumentalizando a realidade, que estava modificando situações", conta o escritor e jornalista Eduardo Bueno. Ele explica que Dom Pedro I gritou duas vezes a independência, sendo a primeira na data que já conhecemos, e a segunda em 12 de outubro, quando foi aclamado imperador.
No dia 7 de setembro, os pesquisadores apontam que, diferentemente do retratado na pintura Independência ou Morte, Dom Pedro I não estava vestido com as roupas oficiais ou montado em um cavalo. Isso porque ele não teria saído em uma viagem oficial, mas sim para visitar a amante, a Marquesa de Santos. A questão do cavalo é explicada porque, na época, longas viagens eram feitas com auxílio de burros, que aguentavam percursos maiores. Por isso, na data, o imperador estava montado em uma mula.
O dia de Dom Pedro I também foi marcado por uma forte dor de barriga após o consumo de água contaminada ou de algum alimento estragado. Segundo Bueno, o trajeto chegou a ser interrompido várias vezes para que o líder recuperasse a energia e pudesse "prover-se" no denso matagal que cobria as margens das estradas. Ele explica ainda que o grito da Independência não foi dado às margens do riacho do Ipiranga, e sim no meio do nada, "num arrabalde". "Pedro Américo disse que, em nome da nacionalidade, sacrificaria a geografia."
Outra ilusão na pintura de Pedro Américo é a comitiva que acompanhava Dom Pedro I no momento da proclamação. Estima-se que a quantidade de pessoas ao lado dele era de, no máximo, 14. "A imagem cumpre um papel fundamental no nosso imaginário. Ela virou um retrato, de maneira que quem for recuperar o que ocorreu em 1822, não tem como não recorrer a ela. Tanto é que o filme Independência ou Morte, que foi lançado em 1972, imita o quê? A tela", diz Lilia Schwarcz, pesquisadora e antropóloga.
A presença da Casa do Grito no cenário também foi criação do pintor, uma vez que o imóvel foi construído 30 anos após a Independência. Nos relatos, Pedro diz que ficou encantado com a edificação e, por isso, decidiu acrescentá-la à obra.
Além dos fatos fora da tela, Bueno lembra que a importância da data também foi questionada. "Quando Dom Pedro I disse 'fico', o famoso Dia do Fico [9 de janeiro de 1822], aquilo já era um rompimento [com Portugal] que não tinha volta. No dia 12 de outubro, que aliás é o aniversário dele, ele é aclamado pelo povo, em praça pública, no Rio de Janeiro, e vira imperador do Brasil. Então, se você tivesse que escolher uma data entre 9 de janeiro, 7 de setembro ou 12 de outubro, o 7 de setembro seria a menos qualificada para isso."
Segundo o pesquisador, o feriado foi uma invenção paulista devido ao forte poder econômico de São Paulo, influenciado pela produção de café. "É engraçado, porque já existe essa rivalidade do Rio de Janeiro e São Paulo. E, como de fato existiu o grito do Ipiranga, e foi ali, muito próximo do riacho, os paulistas trouxeram essa narrativa para São Paulo", comenta.
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O quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, está exposto no Museu do Ipiranga, em São Paulo. Com 4,15 metros de altura por 7,60 metros de largura, a pintura já chegou a receber mais de 350 mil visitas anuais antes do museu ser fechado para reparos, em 2013. O edifício, no entanto, foi reaberto na última 3ª feira (6.set) como parte das comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil e deve receber, segundo expectativa do governo, entre 900 mil e 1 milhão de pessoas por ano.
*Com colaboração de Daiara Coelho e Camila Stucaluc