Investigado diz que deputado filho de Márcio França teria feito 'acordinho'
SBT teve acesso ao inquérito sigiloso; mais de meio bilhão de reais da área da saúde teria sido desviado
Um relatório sigiloso da Polícia Civil de São Paulo, com 212 páginas, detalha a participação de parentes do ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB) no suposto esquema de desvio de verbas da saúde, em Santos. Foi com base nesse relatório que a Justiça determinou o cumprimento de 34 mandados de busca e apreensão em 17 cidades. Um dos locais foi a casa do ex-governador, na Ilha Porchat, em São Vicente. Entre os citados na investigação, estão o irmão do ex-governador, o médico Cláudio França, e o filho dele, o deputado estadual Caio França, também do PSB.
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De acordo com o relatório, assinado pelos delegados Luiz Ricardo de Lara Dias Júnior e Francisco Antônio Wenceslau Pinas, uma escuta telefônica flagrou um dos investigados, o médico Franklin Cangussu Sampaio, em uma conversa com Cláudio França, em agosto de 2020. Franklin falou sobre um suposto acerto que fez com o deputado Caio França para manter o gerenciamento em um dos Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME) de Santos. O esquema envolveria, segundo a investigação, o superfaturamento de contratos entre organizações sociais e empresas que deveriam prestar os serviços na área da saúde. O rombo é de R$ 500 milhões aos cofres públicos.
Na conversa interceptada, o médico afirmou que o deputado é o "líder da saúde na Assembleia" e que já fez um "acordinho" com ele. Franklin Cangussu -- que também foi alvo de busca e apreensão -- ainda diz que teria recebido resposta de que o parlamentar resolveria o problema. Por ter foro privilegiado, o deputado não foi alvo da operação, porque só pode ser investigado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em um dos trechos do inquérito, página 140, Franklin chega, entretanto, a reclamar do deputado por não ter seu pedido atendido: "Eu pensei que Deputado fosse meio igual a vereador, que faz aquela cobrança e o prefeito né? Eu pensei que se talvez ele fizesse uma cobrança ao Secretário de Estado? Mas enfim, não vamos forçar não", revela um trecho do relatório.
A situação do irmão do ex-governador é mais delicada. O médico Cláudio França teve cinco imóveis vasculhados pela polícia na última 4ª feira (5.jan). Os investigadores afirmam que ele atuou diretamente pra manter o esquema de desvio de verba da saúde. O relatório da Polícia Civil afirma que o médico Cleudson Montali, que comandou o esquema de corrupção inicialmente em Araçatuba, no interior, e que já foi condenado pela Justiça a mais de 100 anos de prisão é "testa de ferro" do ex-governador Márcio França.
Os policiais detalharam ligações do ex-governador com o chefe da organização criminosa:
- Os contratos de gestão firmados durante o governo Márcio França beneficiaram o grupo criminoso, em 2018 e 2019;
- Cleudson Montali chegou a ser demitido da diretoria do Departamento de Saúde de Araçatuba, mas foi reconduzido ao cargo por decisão do então governador Márcio França;
- Cleudson Montali ainda fez doações para a campanha de Márcio França ao governo do estado e também na disputa pela prefeitura da capital paulista, em 2020.
Defesa
Procurado, o advogado do ex-governador Márcio França alegou que a operação foi política, não jurídica, e que não há provas ou indícios consistentes. Em uma rede social, França disse que não tem proximidade ou relações comerciais com Cleudson Montali. A defesa do filho do ex-governador, Caio França, negou qualquer envolvimento com Franklin Cangussu. "O inquérito diz, claramente, que não foi identificado envolvimento por parte do deputado. Mais do que isso. Bastava ler as transcrições de áudios para perceber que Franklin fez uma solicitação ao deputado alegando que teria ficado de fora de uma concorrência. Essa demanda não foi atendida pelo deputado. Em um dos áudios transcritos, Franklin reclama do deputado, por não ter seu pedido atendido."
Os demais citados na reportagem não responderam ao nosso contato.
Leia a nota oficial de Márcio França:
"O documento não diz que "era", diz que "seria", porque não há provas ou indícios consistentes. Essa foi uma operação política, e não jurídica. Prova disso é que todos os pagamentos para essa organização social foram realizados pelo governo João Doria, que não apenas renovou os contratos com a organização, como também os ampliou. Ao todo, foram 32 assinaturas contratuais do atual governo com a mesma organização. Além disso, são milhares de minutos de escutas sem que uma única vez apareça a minha voz ou meu telefone. Não tenho ou tive relação comercial com as pessoas citadas. Tenho 40 anos de vida pública e não respondo a processos criminais".
Leia a nota oficial de Caio França:
"O dep Caio França não é investigado, muito menos réu no processo. Ele foi procurado pelo médico que disse ter sido excluído de um serviço pela empresa vencedora da licitação sem justificativa. Conforme os próprios áudios comprovam, o deputado Caio França não atendeu a solicitação. O dep estadual afirma que a operação tem cunho político para atingir Márcio França, principal adversario político do Doria em São Paulo. O dep tb afirma que confia na justiça!"