Especialistas defendem responsabilização de perfis e redes sociais após morte de jovem alvo de fake news
Na análise de advogados, criadores de conteúdo e plataformas devem ter mais critério em informações compartilhadas; situação está ligada a jovem que morreu após publicação de conteúdo falso
Uma situação extrema, que pode ter colaborado com a morte de uma jovem de 22 anos, reacendeu o debate sobre os riscos de compartilhamento de informações falsas em redes sociais. O tema que voltou à pauta neste sábado (23.dez) envolve Jéssica Canedo, que teve o nome associado a um suposto relacionamento com o comediante Whindersson Nunes. A informação havia sido divulgada pelo perfil de fofocas Choquei, e repercutiu mesmo após os dois negarem a veracidade de uma suposta conversa. A jovem foi alvo de ataques e morreu depois do avanço das especulações.
Ao SBT News, especialistas em direito digital, com foco em crimes cibernéticos, acendem o alerta para a responsabilização de conteúdos compartilhados em redes sociais. Entre as análises estão a importância de maior critério ao que é publicado, apuração dos casos e necessidade de ações efetivas para a remoção de informações falsas pelas próprias plataformas de redes sociais.
“As pessoas precisam entender que as condutas dentro das redes sociais devem ter penalidades mesmo como se fossem fora das redes. A liberdade de expressão não é absoluta. As pessoas precisam, no Brasil, aprender a ter esse limite quando criam blogs e perfis. Ter o cuidado de não ultrapassar o limite permitido pela lei”, afirma a advogada Vanessa Souza, especializada em Leis de Tecnologia voltada aos crimes digitais.
Com a análise de que conteúdos falsos se tornam mais virais e, por consequência, trazem mais compartilhamentos e fonte de renda, o advogado Luiz Augusto D’Urso destaca a necessidade de ações a serem adotadas pelas próprias plataformas para frear a desinformação.
“Algumas plataformas propositalmente criam fofoca de bastidor sem responsabilidade nenhuma porque sabem que dá muita visibilidade e retorno financeiro”, declara. “É necessário criar a responsabilidade, porque hoje não tem atestada por lei e, por não estar previsto, [as plataformas] não se preocupam muito com o conteúdo quando é denunciado. As pessoas publicam qualquer coisa e aquela vítima não tem uma forma eficiente de conseguir uma exclusão a não ser procurando a justiça que, muitas vezes, é demorosa”, completa D’Urso, que também é professor especialista em direito digital.
Em relação ao caso recente, Souza defende a necessidade de uma investigação para apurar possível responsabilidade da página citada. “Seguindo como é feito nos Estados Unidos e na Inglaterra, que são os dois maiores países nessa área [de crime digital], deve se abrir um procedimento criminal para analisar a responsabilidade”, diz. A advogada também relata ter presenciado o impacto de ataques digitais em casos de atuação: “99% dos clientes que me procuram são pessoas extremamente depressivas. Querem abandonar carreiras, redes sociais, por terem recebido ataques muito graves”.
Uma necessidade de mudança para frear o impacto a quem é alvo de desinformação deve ser intensificada, para que situações semelhantes deixem de acontecer, conforme analisa D’Urso. “É triste. Esse caso é muito triste, porque eu imagino o desespero dessa vítima, mas deve servir para os próximos casos. As plataformas serem eventualmente responsabilizadas e também pensarem no grau de influência na vida da pessoa antes de publicar. Para que se tenha algo mais saudável e menos sensacionalista, agressivo, meramente pelos likes”, conclui.
Debate no Congresso
No Congresso Nacional, uma proposta para regular a propagação de conteúdo falso, que ficou conhecida como PL das Fake News, sofreu entraves ao discutir a atuação de plataformas digitais. A retomada do projeto é uma das prioridades da base governista na Câmara em 2024, conforme afirmou o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), a jornalistas na última quinta-feira (21.dez). A intenção será unificar um texto aprovado pelo Senado à proposta de deputados. A urgência ao tema foi rejeitada por parlamentares no mês de abril.
Entenda o caso Choquei
O perfil Choquei divulgou um suposto relacionamento entre o comediante Whindersson Nunes e Jéssica Canedo, uma jovem de 22 anos. Os dois negaram a suposta relação e afirmaram que o conteúdo era falso. Mas as publicações viralizaram, e fizeram com que Jéssica virasse alvo de ataques. Ela morreu dias depois.
Em vídeo, compartilhado três dias antes da morte, a mãe da jovem afirma que a filha sofria de depressão e havia sido vítima de uma mentira. O óbito de Jéssica foi registrado na sexta-feira (22.dez), com causa ainda não confirmada.
Choquei nega responsabilidade
Por meio de nota, divulgada neste sábado (23.dez), o perfil Choquei negou ter responsabilidade com o caso, e que não houve irregularidade na divulgação das informações. A página lamentou o caso, citou direito à liberdade de expressão e disse haver compromisso para atuação com responsabilidade. Leia a íntegra do posicionamento divulgado:
“Lamentamos profundamente o ocorrido e nos solidarizamos com os familiares e todos os afetados pelo triste acontecimento. Reforçamos nosso compromisso em agir com diligência e responsabilidade.
O perfil Choquei (@choquei) por meio de sua assessoria jurídica, vem esclarecer a seus seguidores e amigos que não ocorreu qualquer irregularidade na divulgação das informações prestadas por esse perfil. Cumpre esclarecer que não há responsabilidade a ser imputada pelos atos praticados, haja vista a atuação mediante boa-fé e cumprimento regular das atividades propostas.
Em relação aos eventos que circulam nas redes sociais e que foram associados a um trágico evento envolvendo a jovem Jéssica Vitória Canedo, queremos ressaltar que todas as publicações foram feitas com base em dados disponíveis no momento e em estrito cumprimento das atividades habituais decorrentes do exercício de direito à informação.
O compromisso deste perfil sempre foi e será com a legalidade, responsabilidade e ética na divulgação de informações dentro dos limites estabelecidos na Constituição Federal, em especial ao art. 5º, inciso IX.
Por fim, reafirmamos nosso respeito pela intimidade, privacidade, bem-estar e pela integridade”.