Mortos voltam à vida: especialistas comentam febre da inteligência artificial
Poder Expresso consultou estudiosos de diferentes áreas para debater uso da tecnologia e seus riscos
Fernando Jordão
Uma peça publicitária, produzida pela agência AlmapBDDO para a Volkswagen, em comemoração aos 70 anos da montadora, provocou debate nas redes sociais. No vídeo, a cantora Elis Regina, que morreu há 41 anos, é recriada pela inteligência artificial por meio de uma prática chamada de deep learning para um dueto com a filha Maria Rita, na canção Como nossos pais. A questão suscitada é: qual o limite para o uso dessa tecnologia?
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Para aprofundar o debate sobre esse questionamento, o programa Poder Expresso , do SBT News, ouviu especialistas de diferentes áreas. Eles falaram sobre a legislação, os riscos e os impactos sociológicos da recriação da imagem de pessoas já falecidas.
Do ponto de vista legal, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual, explica que a questão está coberta pelo Código Civil e que cabe aos herdeiros cuidarem da imagem - e da voz, como extensão - de quem já morreu. "As preocupações, na verdade, são outras. É a utilização da inteligência artificial para manipulação da imagem e da voz, por exemplo, para produzir uma prova falsa. Para isso o Direito ainda não está preparado. E eu acho que o caminho a se preocupar daqui por diante é esse", avalia.
Professor do departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), Frank Ned Santa Cruz, que é especialista em Direito digital e constitucional e doutorando em Filosofia da Mente, aponta para o que chama de três pontos de atenção: a retirada de postos de trabalho, a possibilidade de os humanos cederem a tomada de decisão e a criatividade às máquinas - ficando, assim, mais "mentalmente preguiçosos" - e a reparação histórica, ou seja, o uso da imagem de pessoas mortas em contextos que ela discordaria.
Ele adianta, porém: "Estamos caminhando em direção a um campo que chamamos de super inteligência artificial. Então, cada vez mais, essas inovações, essas transformações digitais vão estar presentes na vida de todo e qualquer cidadão".
Já o sociólogo Glauco Arbix, coordenador de impacto do Centro de Inteligência Artificial da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a questão de "trazer à vida" pessoas que já morreram causa uma polêmica sobre "se isso provoca conforto ou se causa um deslocamento na capacidade das pessoas se adaptarem ou se readaptarem em uma sociedade em que esse ente querido não existe mais".
Arbix alerta para o risco de uma "situação perturbadora" caso a prática se dissemine. "Você pode ter tanto as pessoas que têm muita dificuldade de se desapegar daqueles que morreram quanto você pode também ter uma posição levemente diferente que é ampliar a dificuldade das pessoas que estão tentando superar aquela situação de luto, ampliar as dificuldades que elas teriam exatamente para se readaptar à vida social. Isso pode levar a que as pessoas se enclausurem, se voltem para si mesmas, fiquem ensimesmadas, cortem muito diálogo e tentem à sua maneira conversar com aqueles entes que já não são mais vivos. Como se as máquinas, os algoritmos, como se a ia pudesse trazê-los de volta. Não trazem. A máquina não faz a mínima ideia de quem é aquele ser que ela supostamente está trazendo à vida."
Assista à íntegra do debate: