ENGANOSO: Projetos preveem taxa para plataformas de streaming, não para influenciadores
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
ENGANOSO: São enganosas as publicações que alegam que o governo federal irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto, por meio do PL 8889/2017. Na realidade, projetos que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado preveem a cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) para as plataformas de streaming que atuam no Brasil.
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Conteúdo investigado: Uma sequência de postagens diz que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto, por meio do Projeto de Lei 8889/2017, de autoria do Paulo Teixeira. De acordo com as postagens, o PL "expande o pagamento de uma taxa chamada de Codecine [sic], de 4%, para plataformas online. Como Youtube, Twitch e, em tese, até Onlyfans também". O autor do conteúdo ainda diz que o PL estaria "para votação em plenário em regime de urgência".
Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.
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Conclusão do Comprova: São enganosas publicações que alegam que o governo federal irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto. Na realidade, dois PLs, um que tramita no Senado e outro na Câmara dos Deputados, versam sobre a criação de impostos e de uma cota para obras nacionais nos serviços de streaming. Nenhum dos dois projetos prevê a taxação direta dos criadores de conteúdo. Ambos partiram do Legislativo, e não do governo Lula, como alegam as publicações.
Segundo especialista ouvido pelo Comprova, o advogado Rodrygo Gomes, ainda que os projetos prevejam taxas apenas para as empresas, caso eles sejam aprovados e se tornem lei, é provável que haja consequências tanto para criadores de conteúdo quanto para o consumidor final, ao passo que as taxas costumam ser incorporadas aos valores dos serviços.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: Entre duas publicações sobre o tema observadas no X, havia mais de 3 milhões de visualizações, 1 mil comentários, 6,4 mil republicações e 39 mil curtidas, até o dia 28 de novembro. No Telegram, foram 11 mil visualizações até a mesma data.
Como verificamos: O Comprova procurou, nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado, os dois PLs que tratam da tributação de plataformas de streaming. Posteriormente, após analisar os textos, entrou em contato com um advogado especialista em direito tributário e com a Secretaria de Comunicação Social do governo federal.
Projetos de lei em tramitação
Dois projetos de lei em tramitação propõem a criação de cotas de conteúdo nacional em serviços de streaming, como Netflix, Hulu, Vimeo e Now. Além disso, as propostas preveem que as plataformas de conteúdo audiovisual por demanda devem pagar uma porcentagem referente à Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). A regulação também valerá para plataformas como YouTube e TikTok. Existe o PL 8889/2017, que tramita na Câmara dos Deputados, e o PL 2.331/2022, que aguarda o recebimento de emendas no Senado Federal.
Ambos os projetos têm propostas semelhantes. No dia 22 de novembro deste ano, o PL 2.331/2022 foi aprovado em primeira votação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, por 24 votos favoráveis e nenhum contrário. A matéria, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), tramita em caráter terminativo, o que significa que não terá que passar pelo Plenário. Entretanto, o PL deverá ser votado novamente pela CAE antes de seguir para análise da Câmara. Ainda não há data definida para a nova apreciação.
Enquanto isso, o PL 8889/2017, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que atualmente exerce o cargo de ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, está pronto para ser votado no Plenário e tramita em regime de urgência, após requerimento do relator designado, André Figueiredo (PDT-CE). O processo de tramitação detalhado está disponível no site da Câmara dos Deputados.
Cota para conteúdo nacional
O PL 8889/2017, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe que de 2% a 20% do catálogo de filmes e séries das plataformas de streaming seja composto por obras brasileiras. Além disso, a matéria prevê que 50% desta cota brasileira contemple produções independentes. A porcentagem exata será estabelecida a partir da receita bruta da empresa, de acordo com a seguinte classificação:
- Cota mínima de 2% para as empresas com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões;
- Cota máxima de 20% para as empresas com receita bruta anual acima de R$ 70 milhões.
Segundo o texto, os títulos brasileiros a serem incluídos nas plataformas serão determinados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), "considerando a capacidade econômica de cada provedora, sua atuação no mercado brasileiro e a produção total de títulos brasileiros nos cinco anos precedentes". A proposta ainda destaca que as microempresas e as empresas de pequeno porte, optantes pelo Simples Nacional, estão isentas de cumprir a obrigação de cota para produções audiovisuais brasileiras.
Já o PL 2.331/2022, aprovado em primeira votação pela CAE, indica que as empresas de streaming terão que oferecer de forma permanente quantidades mínimas de produções brasileiras, de acordo com o número de produtos disponíveis no catálogo.
- Pelo menos 100 conteúdos nacionais para streamings com 2 mil produtos no catálogo;
- Pelo menos 300 conteúdos nacionais para streamings com 7 mil produtos.
O cumprimento das cotas, segundo o PL que está no Senado, será fiscalizado pela Ancine. As empresas provedoras de vídeo sob demanda terão que se credenciar na agência até 180 dias após o início da oferta do serviço no Brasil. Outros detalhes da proposta foram esclarecidos pela Agência Senado.
Pagamento da Condecine
Ambos os projetos de lei estabelecem que as empresas de streaming devem contribuir de maneira progressiva para a Condecine. Criada em 2001, trata-se de uma taxa instituída pela Medida Provisória 2.228-1, que tem sua arrecadação revertida para o fomento do setor, através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
O PL 2.331/2022 prevê a cobrança anual da tarifa, com alíquota máxima de 3% da receita bruta dos provedores de audiovisual sob demanda. De acordo com o texto aprovado pela CAE, o valor será reduzido para a empresa sempre que ela tiver pelo menos metade do catálogo composto por produções nacionais. As cobranças previstas no projeto acontecerão de acordo com o faturamento da empresa.
- 3,0% sobre a receita bruta anual ? faturamento acima de R$ 96 milhões;
- 1,5% sobre a receita bruta anual ? faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões;
- 0,0% sobre a receita bruta anual ? faturamento abaixo de R$ 4,8 milhões.
Já o PL 8889/2017 isenta os provedores com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões do pagamento da taxa, e cobrança progressiva com limite de 4% para aquelas com receita acima de R$ 70 milhões. A matéria destaca ainda que 30% do quantitativo recolhido será destinado para "produtoras brasileiras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, conforme critérios e condições estabelecidos pela Ancine".
Como ambos os projetos trazem propostas semelhantes, a tendência é que ? se aprovados ? eles sejam unificados e, com isso, os parlamentares vão definir o valor final da alíquota.
Como isso afeta o público e os criadores de conteúdo
"Com a aprovação da incidência da Condecine aos serviços de streaming, a consequência lógica será o aumento do valor dos serviços cobrados dos assinantes, ao passo que certamente estes valores serão incorporados ao preço dos serviços, repassado ao consumidor final", avalia o advogado Rodrygo Gomes, coordenador e responsável pela área tributária do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.
De acordo com o especialista, partindo desta mesma lógica, também pode acontecer que os criadores de conteúdo vejam uma diminuição dos valores por eles recebidos, por mais que nos PLs não conste nenhuma referência a sistemas de publicidades das plataformas, que monetizam o conteúdo criado e disponibilizado. "Ao passo que as empresas de streaming passariam a se sujeitar à tributação pela Condecine, diminuindo o seu faturamento, certamente poderão compartilhar este ônus com os criadores de conteúdo por meio de alguma diminuição dos valores monetizados e repassados", analisa Gomes.
Ainda assim, o advogado destaca que nenhum dos PLs versa expressamente sobre a tributação em face ao conteúdo criado por influenciadores digitais, e sim sobre as plataformas de streaming que disponibilizam os conteúdos criados.
Governo federal nega taxação sobre influenciadores
Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal se manifestou sobre o PL 8889/2017, em tramitação na Câmara dos Deputados, com o objetivo de esclarecer o que se tornou polêmica nas redes sociais.
De acordo com a Secom, "a proposta legislativa citada não é de autoria do Poder Executivo e nem trata sobre influenciadores digitais. Diferentemente do que as peças de desinformação alegam, a incidência desse tributo se dará sobre o faturamento das empresas das plataformas. O texto não faz menção aos seus usuários, nem na condição de audiência e nem como produtores de conteúdo. A proposta prevê a contribuição progressiva das empresas de streaming e plataformas de conteúdo para a Condecine".
Ainda segundo a nota, a intenção da cobrança é valorizar a indústria audiovisual nacional, incrementando o fomento do audiovisual brasileiro.
A Secom ainda reforça que outros países já possuem regulação similar sobre as plataformas de conteúdo e streaming. "A França, por exemplo, tem um tributo similar de mais de 5% do faturamento, sem abatimentos. Adicionalmente, há ainda a exigência de que as empresas invistam o equivalente a 20% do faturamento em produções locais. No final, mais de 25% do faturamento das plataformas irrigam a indústria francesa do audiovisual. Outros exemplos, são: Itália (20%), Dinamarca (6%), Espanha e Portugal (5%), entre outros", afirma a nota.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o autor do conteúdo original via mensagem no Instagram, mas não obteve resposta.
O que podemos aprender com esta verificação: A publicação leva a crer que a taxação será feita diretamente sobre o valor que os influenciadores recebem, o que não é verdade. Uma informação falsa foi criada a partir de um contexto verdadeiro, que no caso se trata da tramitação de PLs para implementação de alíquotas sobre plataformas de streaming. Os projetos de lei existem, mas não preveem taxas para os criadores de conteúdo. É comum que peças de desinformação se utilizem de tons alarmistas para causar pânico, principalmente quando o assunto envolve a cobrança de impostos.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Temas como os da área tributária seguidamente abrem margem para publicações enganosas ou falsas. O Comprova já checou que o governo federal não decretou fim da Zona Franca de Manaus; que Lula não criou taxas sobre compras em sites internacionais; e que nota fiscal com imposto de R$ 31,45 sobre produto de R$ 3,15 é verídica.
Investigação e verificação
Alma Preta, GZH e Metrópoles participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos NSC, Folha, Portal Norte, Estadão, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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