Por que cuidar da saúde mental impulsiona a performance de alto rendimento no esporte?
Por muito tempo, falar sobre alto rendimento era falar apenas de preparação física, técnica e tática

Brazil Health
Por muito tempo, falar sobre alto rendimento era falar apenas de preparação física, técnica e tática.
+ Veja cinco mitos e verdades sobre a prática de exercícios
Hoje, o cenário mudou: já não cabe mais discutir se a preparação mental é ou não parte da performance; simplesmente é.
+ Como começar a correr de forma segura?
Atletas mentalmente preparados e saudáveis não só rendem mais, como têm carreiras mais longas, relações mais equilibradas e maior capacidade para lidar com as diversas demandas do esporte.
Preparação mental: mais que um complemento, um pré-requisito
Durante muito tempo, o trabalho do psicólogo do esporte concentrou-se em estratégias voltadas diretamente para a melhora do desempenho, como controle emocional, estabelecimento de metas e visualização. Hoje, esse papel se ampliou. Antes mesmo de aplicar técnicas específicas, é fundamental garantir que o atleta esteja bem consigo mesmo, com saúde mental preservada e equilíbrio emocional — uma base indispensável para sustentar resultados consistentes e duradouros.
Quais técnicas podem ser utilizadas?
Nesse contexto, a preparação mental atual começa pelo desenvolvimento do autoconhecimento. O atleta é estimulado a compreender por que faz o que faz, quais são seus valores pessoais e qual o verdadeiro sentido do esporte em sua vida. Esse alinhamento interno impulsiona o fortalecimento de habilidades essenciais para a alta performance, como a motivação, que sustenta a disciplina e o engajamento em uma rotina equilibrada para alcançar objetivos; a confiança, que consolida a crença em suas capacidades para atingir o sucesso; e a resiliência, que permite enfrentar adversidades e se recuperar de derrotas ou frustrações.
Além disso, são trabalhadas competências como a regulação emocional, por meio de práticas de mindfulness e técnicas de respiração; o fortalecimento do suporte social, que inclui comunicação assertiva com equipe, familiares e amigos; e o manejo eficaz do estresse, com planejamento do calendário competitivo, estratégias de recuperação mental e definição de prioridades.
O desenvolvimento integrado dessas competências não apenas previne quedas de rendimento e transtornos mentais, como cria as condições ideais para que o atleta desempenhe todo o seu potencial com consistência, segurança e confiança. Afinal, assim como uma lesão física impede a plena performance, sintomas de depressão, ansiedade ou esgotamento mental limitam a execução de tudo o que foi treinado. Cuidar da saúde mental é, portanto, tanto uma forma de prevenir problemas quanto de potencializar a performance.
O papel da psicologia do esporte
A fase de formação esportiva é um período decisivo, não apenas para o desenvolvimento físico e técnico, mas também para a construção de habilidades socioemocionais que acompanharão o atleta durante toda a carreira.
O córtex pré-frontal (área do cérebro responsável por funções executivas como planejamento, tomada de decisão e controle das emoções) só atinge plena maturidade por volta dos 25 anos. No entanto, o ambiente competitivo exige desses jovens que ajam como se já possuíssem tais competências plenamente desenvolvidas. Lidar com frustrações, gerenciar conflitos, tomar decisões sob pressão e manter a calma diante de adversidades são demandas constantes, que surgem muito antes da maturidade cerebral.
Diante desse cenário, o psicólogo atua como um facilitador no desenvolvimento dessas competências, criando um espaço seguro para que o jovem atleta aprenda, pratique e consolide habilidades de regulação emocional, comunicação assertiva e resolução de problemas. Esse trabalho não se limita a “apagar incêndios” em momentos de crise; ele antecipa desafios, preparando o atleta para enfrentá-los com maior clareza e segurança.
Ao compreender que o erro faz parte do aprendizado, que a pressão pode ser administrada e que o foco deve estar no processo e não apenas no resultado, o jovem se torna mais resiliente e menos vulnerável à instabilidade emocional típica dessa fase.
Outro aspecto central é o desenvolvimento do autoconhecimento.
O psicólogo incentiva o atleta a refletir sobre questões fundamentais:
- Por que compete?
- Quais são seus objetivos e até onde deseja chegar?
- O que está disposto a abrir mão para atingir suas metas e o que não deseja sacrificar?
Esse processo ajuda a alinhar expectativas internas e externas, fortalecendo a autonomia e reduzindo a influência de pressões externas que, muitas vezes, levam a decisões precipitadas ou à perda de prazer pela prática esportiva. Quando o atleta compreende seus valores e motivações, fica mais preparado para manter o engajamento de forma saudável e sustentável no esporte.
Por fim, a presença da Psicologia do Esporte na formação de jovens atletas contribui para a construção de carreiras mais longevas e equilibradas. Ao cultivar habilidades emocionais, promover a reflexão sobre escolhas e preparar o atleta para lidar com as exigências do ambiente competitivo, o psicólogo ajuda a prevenir o abandono precoce, o excesso de autocrítica e a sobrecarga mental. Mais do que formar campeões no pódio, a atuação nessa fase visa formar indivíduos conscientes, capazes de cuidar da própria saúde mental, gerenciar as demandas do esporte e encontrar sentido e propósito em cada etapa da trajetória esportiva.
O suporte psicológico para lidar com lesões, pressão e derrotas
Momentos críticos fazem parte da vida de qualquer atleta, independentemente do nível de performance. Uma lesão grave, uma derrota inesperada ou a pressão excessiva por resultados podem abalar não apenas o rendimento esportivo, mas também a saúde mental. Nesses períodos, o suporte psicológico é imprescindível para ajudar o atleta a manter o foco no processo e a encontrar motivação mesmo diante de incertezas. O psicólogo oferece ferramentas para que o atleta compreenda o momento em que está, aceite suas limitações temporárias e encontre formas realistas e construtivas de continuar evoluindo.
Estratégias como o estabelecimento de metas progressivas, o uso de técnicas de visualização para se preparar para o retorno e o fortalecimento do diálogo interno positivo ajudam a manter a motivação e o engajamento nos momentos mais desafiadores, como a reabilitação de lesões e cirurgias. Além disso, o trabalho envolve desenvolver a capacidade para lidar com críticas e expectativas externas, protegendo o atleta de ataques, especialmente na internet, que podem minar sua saúde mental e autoestima. Assim, em ambos os casos, o foco se desloca do que não pode ser controlado (como lesões, comentários ou resultados passados) para aquilo que está ao alcance do atleta: esforço, dedicação e valorização de sua evolução diária.
Transformar adversidades em combustível para o crescimento não é simples, mas é possível quando se trabalha com conexão com os próprios valores e alinhamento com metas de longo prazo. Ao compreender que cada obstáculo pode ser uma oportunidade de fortalecimento, o atleta não apenas supera o momento crítico, mas também sai dele mais preparado, resiliente e consciente de suas capacidades para enfrentar novos desafios ao longo da carreira.
No alto rendimento, a saúde mental deixou de ser um aspecto complementar para se tornar um dos principais pilares da performance. Atletas que desenvolvem autoconhecimento, habilidades emocionais e estratégias para lidar com pressão, lesões e derrotas não apenas competem melhor, mas também constroem carreiras mais sustentáveis e significativas. Preparar a mente é tão estratégico quanto treinar o corpo, e isso exige uma visão integrada, na qual técnicos, equipes multidisciplinares, familiares e atletas compreendam que cuidar do bem-estar psicológico não é luxo: é parte do treino.
*Bianca Andrade é psicóloga especialista em Esporte credenciada pelo CRP 06/140487