Cresce a violência contra médicos: profissionais relatam medo e insegurança no trabalho
Mais de 4,5 mil casos de agressões contra médicos foram registrados no Brasil no ano passado, segundo o Conselho Federal de Medicina
Flavia Travassos
Natalia Vieira
Superar o trauma e voltar ao trabalho não foi fácil para a médica pediatra Andrea Cabral. Ela foi agredida fisicamente no hospital público onde atua, no Rio de Janeiro.
“Ela começou a me agredir, gritar. Eu falei: 'Mãe, as coisas não se resolvem gritando'. Virei de costas para pegar meu material de trabalho e, quando virei, ela meteu a unha e saiu rasgando meu rosto todo", relatou a médica.
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Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), os agressores, na maioria das vezes, são os próprios pacientes ou familiares. No caso de Andrea, a agressora foi a mãe de uma criança diagnosticada com pneumonia. A mulher teria se revoltado porque o medicamento indicado estava em falta no Sistema Único de Saúde (SUS) e, na farmácia, o preço era alto.
"E foi assim que eu fui para a delegacia. Ela continuou gritando que ia me bater mesmo, que isso não ia dar em nada. Ela já sabia que não ia dar em nada", conta Andrea.
Dados do CFM mostram que, no ano passado, foram registrados 4.562 boletins de ocorrência relacionados à violência contra médicos nas delegacias de todo o Brasil.
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O estado de São Paulo lidera o número de casos, com 832 ocorrências. Na sequência, aparecem Paraná, com 767, e Minas Gerais, com 460 casos registrados.
Em Douradina, no Mato Grosso do Sul, a situação chegou ao extremo. O médico Edvandro Gil Braz, de 54 anos, foi morto a facadas em novembro do ano passado. O autor do crime ficou insatisfeito com o atendimento prestado à esposa.
Todos os dias, 12 médicos são vítimas de ameaças, injúrias, lesões corporais e até furtos dentro de hospitais públicos, privados, clínicas e unidades de pronto atendimento. Isso significa que, a cada duas horas, um profissional de saúde sofre algum tipo de violência no país. Um reflexo dos problemas estruturais do sistema de saúde no Brasil.
"É um número de médicos insuficiente, às vezes falta insumo, que aquela instituição não tem, e o médico acaba pagando pela má gestão", explica José Hiran da Silva Gallo, presidente do Conselho Federal de Medicina.
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Na tentativa de conter a escalada de violência, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, um projeto de lei que prevê o aumento de um terço da pena para o crime de lesão corporal quando for cometido contra médicos.
"A que ponto nós chegamos para que os profissionais de saúde possam ser respeitados", diz José Hiran.
Uma medida imediata que poderia amenizar a situação seria aumentar o número de seguranças nas unidades de saúde. No entanto, a sensação dos profissionais ainda é de tristeza e insegurança. "É muito triste para nós, profissionais, que estamos aqui atendendo na ponta, dando nosso melhor para cada um, receber isso", desabafa Andrea.