Senado faz 200 anos com baixa representação de minoria e predomínio de membros de famílias-políticas
Estudo de doutorando em ciência política pela UnB mostra perfil dos senadores eleitos no período de 1986 a 2022
Guilherme Resck
O Senado Federal do Brasil chega aos seus 200 anos de existência, nesta segunda-feira (25), tendo um problema de representação de minorias e uma predominância de senadores oriundos de famílias-políticas. Isso é o que aponta o estudo "A dimensão do capital político-familiar no Senado e os prejuízos à representação democrática (1986-2022)", do mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e doutorando na área pela Universidade de Brasília (UnB) Robson Carvalho.
O trabalho mostra que, em todos os estados, o Senado é atravessado por famílias-políticas: quase 2/3 dos 407 cargos de senador disputados no período de 1986 a 2022 (274) foram conquistados por pessoas que tinham vínculo com alguma família que, a partir de parente de primeiro ou segundo grau, já havia ocupado ou continuava ocupando cargos políticos eletivos no Estado brasileiro e cargos comissionados ou de direção partidária.
Ainda segundo o estudo, são "em grande maioria famílias de classes dominantes". Ele revela que, das 407 vagas preenchidas, apenas 44 foram ocupadas por mulheres e, dentre estas, somente quatro negras: Marina Silva (PT-AC), duas vezes; Fátima Cleide (PT-RO); Benedita da Silva (PT-RJ); e Eliziane Gama (PPS-MA).
Em dois estados (Amapá e Piauí), nunca houve a eleição de uma mulher para o Senado. O estado que mais elegeu foi o Mato Grosso do Sul, com quatro, seguido pelo RN, Roraima, Tocantins e Sergipe, com três cada.
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"Quando olhamos para a população brasileira, para os dados do IBGE, nós vemos um contraponto terrível a tudo isso, quando mais da metade da população brasileira é feminina e, dessa mulheres, mais da metade é negra. Então nós temos um retrato ao contrário do que poderia estar representado no Senado brasileiro", ressaltou Robson, em entrevista ao SBT News.
A Casa legislativa, acrescenta, "está servindo ao longo do tempo como uma Casa que abriga grandes famílias políticas e que abriga também uma concentração enorme de poder nas mãos de homens brancos, cisgênero, e que se perpetuam ao longo do tempo nesses espaços".
Repetição de senadores
O estudo mostra que, das 407 vagas, 326 foram ocupadas por pessoas únicas, isto é, há casos em que parlamentares foram eleitos mais de uma vez para o mesmo posto. Há três senadores recordistas, tendo sido eleitos para quatro mandatos: Edison Lobão, pelo PMDB/MA, José Agripino, pelo PFL-DEM/RN e Renan Calheiros PMDB-MDB/AL. Os mandatos dos três, ressalta Robson, foram marcados visivelmente pela mobilização do capital político-familiar. Ele relembra que, em 2022, o senador por Alagoas elegeu o filho, Renan Filho (MDB), de modo que o estado tem pai e filho ocupando duas das suas três cadeiras na Casa.
Minas Gerais foi o único estado que elegeu 100% dos senadores diferentes, e Alagoas e Maranhão aparecem como os com menos "rodízio" de nomes nas vagas.
A Paraíba e Piauí elegeram 100% dos parlamentares ligados a famílias-políticas.
Família importa e explica
Considerando os dados, o estudo pontua que família "importa e explica" a dinâmica do jogo político em direção às instituições.
"Vale à pena nós aprofundarmos o assunto para entender que não está em questão apenas as cadeiras onde essas pessoas que são representantes de grupos político-familiares estão sentadas, seja ela de Senado, de deputado federal, ou de ministério", falou Robson, na entrevista à reportagem.
Segundo ele, "está em jogo muito mais dezenas de cargos pelos quais essas pessoas são responsáveis na nomeação, que muitas vezes seguem o padrão também político-familiar e reforçam as suas estruturas de ramificações de poder, essa capilaridade, formando uma verdadeira teia de amigos, de parentes, de familiares".
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Ao longo de toda essa ramificação, diz o pesquisador, "está algo muito sério, que são controles de orçamentos". "Imagine que os senadores não só votam orçamentos, mas muitas vezes indicam pessoas para ministérios, indicam pessoas para cargos nos seus estados respectivos, que tem acesso e controlam orçamentos públicos".
E isso dá cada vez mais poder a esses grupos político-familiares, que estão, assim, sempre renovando sua estrutura de poder. "O problema que isso gera é o problema das dificuldades daqueles que vêm de outras áreas da sociedade, que entram numa disputa muito desigual durante o processo eleitoral", acrescenta Robson.
Ele relembra que muitos dos senadores também controlam partidos políticos, não só nos seus estados, mas muitas vezes em âmbito nacional. "Quando você controla um partido político, você controla a possibilidade de quem terá ou não terá condições de ser candidato".
Aumento da representatividade
Robson cita o respeito à cota de gênero, a punição "veemente" para aqueles que descumprirem e a ampliação do percentual como formas de melhorar a representatividade no Senado.
"Que haja também um processo de educação da sociedade brasileira, inclsuive de motivação de que essas pessoas entendam, a partir do momento que começam a ver mais pessoas iguais a elas ocupando essas cadeiras no Senado, que elas também podem disputar".
O mestre em ciência política reforça que como houve no processo histórico brasileiro impedimentos estruturais para que minorias pudessem acessar espaços de poder, o país deve, pelo caminho institucional e também estrutural, "criar condições para que essas diferenças diminuam e torne essas Casas legislativas, especialmente o Senado, mais permeáveis à representatividade, à grande pluralidade da sociedade brasileira".
Ponderações
O estudo "A dimensão do capital político-familiar no Senado e os prejuízos à representação democrática (1986-2022)" foi feito a partir de pesquisa em documentos e sites do Senado e senadores, mídia oficial e dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre outros meios.
Ele pondera que, na dinâmica do jogo político rumo às instituições, há ainda outros "importantes capitais que são mobilizados, às vezes exclusivamente, às vezes complementando-se uns com os outros, como o midiático, econômico-financeiro, classista, partidário, religioso e militar, dentre outros".
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Além disso, a identificação de que há vínculos familiares dos senadores dentre os 407 "não necessariamente indica que, para todos os casos, tenha havido automaticamente a mobilização do capital familiar na eleição de determinado político, ou que a mesma tenha ocorrido e tenha sido determinante na eleição".
Da mesma forma, diz, "não se pode desconsiderar as habilidades pessoais de alguns eleitos, mesmo que tenham contado com a vantagem do capital familiar".
Robson pretende ampliar o estudo, analisando os dados dos eleitos desde a fundação do Senado.