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Política

Especialistas analisam proposta que altera mais da metade do Código Civil brasileiro

Mudanças sugeridas pelo ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco geram controvérsias sobre impactos para a vida dos brasileiros

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Reforma do Código Civil: avanço ou retrocesso? | Foto: Agência Brasil.
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O Projeto de Lei (PL) nº 4/2025, que propõe uma reforma no Código Civil em vigor no Brasil, está em tramitação no Senado. Mas, no universo jurídico, especialistas questionam diversos pontos do PL, que, se aprovado, mudará cerca de 60% do texto que começou a valer em 2002. Dos mais de 2.000 artigos, em torno de1.200 seriam alterados ou incluídos. O que tem provocado controvérsias.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), atualmente sob a presidência de Beto Simonetti, diz apoiar as mudanças. Em nota pública, a entidade argumenta que "entende que a iniciativa representa uma oportunidade histórica de adequar a legislação brasileira às novas realidades".

A professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Maria Nery, participou do projeto como uma das relatoras e, ao SBT News, defendeu as modificações propostas.

"É natural que o Código Civil, sendo a mais importante lei de regência da vida pessoal dos cidadãos, precise ser revisitado de tempos em tempos. É natural que a sociedade clame por mudanças e também é natural que muitos não concordem com elas. O debate é sempre bom e salutar. A leitura atenta dos textos que compõem o PLS 4/2025 pode evidenciar, entretanto, um hercúleo trabalho sistemático e técnico realizado por estudiosos do Direito que deram seu tempo e conhecimento para atualizar o Código Civil".

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A doutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) Mariana Conti Craveiro acredita que o fator tempo é um dos principais entraves para o novo projeto de lei, além da quantidade extraordinária de modificações. O atual Código Civil brasileiro começou a ser elaborado em 1969, durante a ditadura militar, e foi finalizado apenas em 2001.

“Quando se falou pela primeira vez sobre a iniciativa, foi exposto que seria uma atualização do Código Civil com mudanças pontuais em aspectos de tecnologia, de direito de família, que teoricamente estavam defasados”, afirma.

A atenção diante de uma lei - ainda mais como o Código Civil - é imprescindível e exige um espaço temporal adequado para que o serviço seja feito com qualidade, defende Judith Martins-Costa, Presidente do Instituto de Estudos Culturalistas, advogada e doutora em direito civil pela USP. “O CC é invenção do Estado moderno e é uma conquista histórica; seu papel é justamente proporcionar segurança para nossas vidas”, defende.

Ambas reconhecem que o Projeto de Lei nº 4/2025, ao propor alterações sensíveis, carece da densidade técnica e do rigor metodológico esperados de um instrumento normativo diante da envergadura.

Comissão de Juristas

Uma comissão de juristas foi instituída para analisar a proposta que, hoje, é de autoria do ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O objetivo da comissão era apresentar, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, um anteprojeto de Lei para revisão e atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Dessa forma, 38 juristas de diversas escolas teóricas foram organizados em subgrupos. Cada um deles foi encarregado de um tema específico referente à sua área de especialização, como, por exemplo, “direito contratual” ou "direito empresarial”.

Judith Martins-Costa expôs que a “atenção aos vídeos e áudios das reuniões das comissões sugere que muitas vezes o trabalho das subcomissões foi desconsiderado pela relatoria geral, havendo inclusive várias reclamações quanto a isto da parte dos sub relatores."

A coordenadora da subcomissão de Direito Empresarial, Paula Forgioni, concorda com o posicionamento de Martins-Costa. “Parece que não nos chamaram para essa festa”, disse durante uma das reuniões de discussão sobre o documento.

Em resposta à declaração, Nery afirmou que todo o processo foi democrático. "A Relatoria Geral analisou tudo o que as sub-comissões enviaram. Feito o Relatório Geral, o Plenário, composto por todos os membros da Comissão, votou o texto apresentado pela Relatoria Geral. Quanto àquilo que não era aceito pela unanimidade dos membros da Comissão, foram feitas emendas, foram rejeitadas propostas e venceu a versão que obteve votação da maioria. Tudo se deu de maneira democrática e foi objeto de gravação, em sala cedida pelo Senado Federal, onde as discussões e votações se deram. Agora, a palavra é dos legisladores, que vão aprovar, desaprovar, emendar o trabalho apresentado pela Comissão."

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Veja, abaixo, a linha do tempo das sessões:

TIMELINE NOVO CÓDIGO CIVIL.png
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Críticas

Entre as principais contestações sobre o novo código estão as objeções relacionadas ao conteúdo, à estrutura, ao método e à linguagem do novo Código Civil.

19 entidades, advogados e juristas se opõem ao projeto e defendem o Código Civil de 2002, considerando-o ainda como um instrumento válido e atual. Para o grupo de juristas que se contrapõe às mudanças, o atual código que hoje rege a sociedade acompanha as próprias transformações sociais.

Estamos comemorando os 20 anos do Código Civil, que ainda é um grande desconhecido”, pontuou Judith Martins-Costa. Ela lembra que o documento está em vigor há pouco tempo e seus reflexos estão sendo percebidos no momento presente. Por isso um, um novo código é visto como desnecessário - principalmente quando pode vir a trazer insegurança e litigiosidade.

"Como as regras usam termos indeterminados, é impossível saber previamente como devemos nos comportar porque a nossa conduta vai ser avaliada depois de feita para dizer se foi correto ou errado”, complementa a jurista.

Em relação à linguagem, os profissionais criticam, em especial, o uso de conceitos inexistentes como o princípio da “melhoria cerebral”, no “Artigo 2.027-O”. Outro ponto é que, de acordo com que é contrário à reforma, o texto do atual é técnico e preciso - diferente do que é proposto no novo Código Civil.

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“Outro aspecto que eu gostaria de trazer é com relação à expressão constante do art. 1511-B, que foi trazida pela relatoria geral e que diz que a família se forma por vínculo conjugal ou não conjugal. Confesso que me atrapalha essa expressão 'não conjugal'. Em primeiro lugar, eu não sei se é união estável ou o que é…”, argumentou a advogada especializada em Direito Homoafetivo, Maria Berenice Dias.

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Ainda sobre o tema "família", o perfil @projetildecodigo, no Instagram, fez um post que defende a exposição de lacunas no "Art. 1.609-A"; a página que atualmente conta com 1.390 seguidores levanta críticas acerca do novo projeto entre a comunidade jurídica. No caso deste artigo, aquele que negar a realização do teste de DNA terá que registrar a criança como seu próprio filho.

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Setor imobiliário

O setor imobiliário também está de olho nas propostas. Segundo Martis-Costa, caso o novo texto seja aprovado, haverá uma alteração significativa na cobrança das escrituras. "Hoje a exigência de pagamento só se aplica a imóveis acima de determinado valor. Mas, pela nova regra, qualquer imóvel - independentemente do preço - passará a gerar essa cobrança. Isso deve elevar substancialmente os custos, especialmente para a população de menor renda."

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A advogada relata que, diante de todas as circunstâncias pontuadas haverá "mais litígios, com as pessoas brigando para entender 'o que é isso', e os juízes terão muito mais poder para decidir o que quiserem, sem uma lei clara que fixe um significado."

Sobre o conteúdo, tanto para Judith como para Mariana, um dos maiores problemas é a própria narrativa, pontuada como desconexa, o que pode vir a gerar insegurança jurídica.

Procurado pelo SBT News, o senador Rodrigo Pacheco não se manifestou. Já a assessoria de imprensa de Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal, informou que ele não irá se pronunciar sobre o assunto.

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19 coletivos do meio jurídico, em nota conjunta, afirmam ser contra as transformações do Código. "Considerando a magnitude do Projeto de Reforma do Código Civil atualmente em tramitação, que envolve a alteração de mais de 1.200 dispositivos legais, a criação de novos livros e a reformulação integral de outros, é imprescindível reconhecer que se trata, na prática e na substância, de proposição muito mais ampla de que uma simples Reforma do Código Civil brasileiro", defendem.

São eles:

AATSP - Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo

ABDF - Associação Brasileira de Direito Financeiro

ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões

CBAR - Comitê Brasileiro de Arbitragem

CESA - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados

FENIA - Federação Nacional dos Institutos dos Advogados

IABA - Instituto dos Advogados da Bahia

IAC - Instituto dos Advogados Capixabas

IADF - Instituto dos Advogados do Distrito Federal

IAG - Instituto dos Advogados de Goiás

IAMS – Instituto dos Advogados do Mato Grosso do Sul

IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

IAP – Instituto dos Advogados de Pernambuco

IARGS – Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul

IASC - Instituto dos Advogados de Santa Catarina

IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo

IBRADEMP - Instituto Brasileiro de Direito Empresarial

MDA - Movimento de Defesa da Advocacia

SINSA- Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de SP e RJ

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