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Quando a Justiça falha: cartas de presos revelam investigações equivocadas e julgamentos injustos

Em quatro anos, Defensoria Pública da União descobriu ao menos 30 casos de erros da Justiça, entre eles homens condenados por "reconhecimento via WhatsApp"

Quando a Justiça falha: cartas de presos revelam investigações equivocadas e julgamentos injustos
Penitenciária de Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro
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A Defensoria Pública da União (DPU) recebeu 71,5 mil cartas de presos e familiares pedindo orientação jurídica, redução de pena, elaboração de peças processuais, pedidos de habeas corpus, entre outras demandas. Levantamento inédito obtido pelo SBT News mostra que 20.756 dessas correspondências foram remetidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), 44.556 pelo Superior Tribunal Federal (STF) e 6.192 pela própria DPU.

Por que isso importa: presos sem condições de pagar advogados têm a chance de usar o programa “Cartas para a cidadania” para chamar a atenção da DPU e buscar uma defesa mais ampla, na busca pelo contraditório. Parte dos detentos condenados não tem outra maneira de se comunicar com o “mundo exterior” a não ser pelas defensorias, federal ou estaduais.

"A pessoa privada de liberdade muitas vezes não tem possibilidade ou às vezes perde o contato com o advogado. Como vai conseguir contornar ou ter acesso ao eventual direito à progressão de regime? Tem também casos em que os presos superam o tempo de cumprimento de pena", diz o defensor público-geral federal, Leonardo Magalhães.

Para saber mais: os acordos de cooperação técnica entre a DPU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) "Cartas para a cidadania" servem para ampliar o canal de comunicação para presos em busca de revisão de processos. Levantamento da DPU ao qual o SBT News teve acesso mostra que os assuntos mais abordados nas cartas são:

Crimes de tráfico e uso indevido de drogas (1.829)

Direito civil (1.739)

Crimes contra o patrimônio (1.642)

Direito penal (1.093)

Crimes contra a administração (907)

Erros iniciais: defensores públicos federais listaram pelo menos 30 casos de condenações em que as investigações iniciais ou mesmo decisões da Justiça estavam equivocadas. A atuação da DPU levou tribunais superiores a anular sentenças de inocentes ou de condenados a penas desproporcionais.

Caso 1: o pedreiro Bruno Dutra, 30 anos, antes ser absolvido pelo trabalho da DPU, passou três anos e três meses preso. Suspeito de um roubo no início de 2021, ele foi abordado por policiais quando saía de uma padaria em São Carlos, interior de SP. A descrição da vítima para a PM dizia que o assaltante usava camisa azul. Bruno usava um casaco daquela cor. Os policiais tiraram foto dele e enviaram para vítima pelo WhatsApp. O "reconhecimento" foi feito assim, de maneira precária. Pior, todo o processo de condenação de Bruno se deu por causa do tal "reconhecimento". O juiz o condenou por 6 anos. A DPU entrou com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em abril de 2022 demonstrando as contradições do caso. Em dezembro de 2023, um dos ministros do STJ deu razão aos argumentos da DPU e o absolveu.

Caso 2: “Peço que meu processo seja revisado pois estou sendo punido por algo que não cometi e para uma possível condenação tudo deve ser claro como a luz. Condenação exige certeza, não alta probabilidade”, escreveu Regivam Rodrigues dos Santos numa carta à DPU. Ele havia sido preso em 2018, em São Paulo, depois de uma suspeita por roubo. Os PMs mandaram uma foto de Regivam para o WhatsApp das vítimas, que o “reconheceram”. Os relatos dos acusadores falavam em dinheiro e arma. Ao ser abordado pelos policiais, Regivam não tinha nem uma coisa, nem outra. Mesmo assim foi preso e condenado a oito anos, 10 meses e 20 dias de prisão. A DPU entrou com recurso no STJ e no STF. “Como se vê, no caso concreto, o reconhecimento judicial está viciado pelo reconhecimento fotográfico realizado por WhatsApp, somado ao fato de que nenhuma outra prova há nos autos no sentido de confirmar a autoria sobre o recorrente”, escreveu o relator, o ministro Gilmar Mendes, do STF. A decisão foi publicada em 22 de fevereiro de 2022.

Caso 3: o pintor Alex Brandão Tenório Santana foi absolvido após atuação da DPU no STJ. Ele foi preso após ser acusado por policiais civis de ter praticado um roubo em 21 de maio de 2020, em Guaratinguetá, interior de São Paulo. Os "investigadores" analisaram as câmeras de segurança e intimaram Alex a comparecer à delegacia em 17 de novembro de 2020 – cinco meses depois do roubo. Ele foi colocado dentro de uma sala improvisada e foi obrigado a cobrir o rosto com uma máscara e um boné. “Quanto à autoria, o réu negou a prática delitiva, afirmando que se encontrava em sua casa no dia e horário dos fatos. Também alegou o réu que, na delegacia, foi mencionado que o autor do delito teria uma tatuagem, a qual ele não possui”, ponderou o juiz de primeira instância. Ainda assim, o magistrado o condenou a cinco anos em regime inicial fechado, com base apenas no reconhecimento das testemunhas. Em carta à DPU, o réu relatou “diversas ilegalidades e constrangimentos ilegais. Após o recurso da DPU ao STJ, o ministro relator do caso absolveu Alex por considerar um equívoco o reconhecimento fotográfico.

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