Erika Hilton diz que proposta do fim da jornada de trabalho 6x1 é ponto de partida para discutir tema
Em entrevista ao Poder Expresso, do SBT News, deputada diz que modelo tende a precarizar vida e saúde dos trabalhadores
Yumi Kuwano
Leonardo Cavalcanti
Lara Curcino
Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da jornada de seis dias de trabalho para um dia de descanso. Até o último sábado (9), o texto apresentado pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) na Câmara dos Deputados, contava com 79 assinaturas de parlamentares. São necessárias 171 para começar a tramitar no Congresso Nacional.
Pelo texto da Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada de trabalho não pode ser superior a oito horas diárias e 44 horas semanais, sendo facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
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Em entrevista ao programa Poder Expresso, do SBT News, a deputada Erika Hilton explicou a proposta e afirmou que o texto vem para iniciar o debate sobre o tema. “Qual é a nossa intenção agora? É sentar na mesa e fazer as negociações para que se encontre um denominador comum”, diz.
Pergunta.: O que a sua proposta estabelece com esse fim da escala 6x1?
Resposta. Na verdade, essa não é uma proposta apenas minha. Essa é uma proposta de todo o movimento, que trouxe a provocação ao meu mandato, que é o movimento VAT (Vida Além do Trabalho). É uma proposta para que a gente possa rever, assim como outros países do mundo já fizeram, um modelo de escala trabalhista que nós temos hoje no Brasil, que tende a precarizar não só a vida, mas a saúde emocional e mental desses trabalhadores, levando a uma exaustão absurda e muitas vezes com remuneração ínfima. Esse é um olhar ao trabalhador. É uma discussão que se precisa fazer, porque nós temos visto o quanto nem mesmo esse direito a uma folga semanal é respeitado. Às vezes o trabalhador vai 12, 14 [dias] e assim sucessivamente. Então é uma provocação que nasce do seio da sociedade civil, da classe trabalhadora, dos trabalhadores precarizados.
Rick Azevedo, por exemplo, que é uma liderança desse movimento, era um balconista, mas enfim, outras categorias nesse país enfrentam esse mesmo desafio e que coloca a gente a pensar qual é o modelo de trabalho que nós queremos, qual é o modelo de trabalho que nós temos hoje no Brasil? Obviamente que nós temos a proposta protocolada, estamos reunindo as assinaturas e esperando a indicação de um relator ao atingir o número de assinaturas necessárias para que a gente possa aperfeiçoar esse texto, ouvindo tanto os trabalhadores, as bancadas partidárias, mas também os empregadores, os empresários do nosso país.
P. O ministro do Trabalho acabou de divulgar nas redes sociais dele que é viável essa proposta da redução dessa escala de 6x1. A senhora chegou a fazer contato com integrantes do governo em relação a essa proposta?
R. A PEC foi protocolada no dia 1º de maio e nós estivemos com o ministro Luiz Marinho apresentando a proposta. Levei as lideranças, levei o movimento até o Ministério do Trabalho para dialogar com o ministro, para que nós também ouvíssemos as impressões do governo diante disso. O ministro foi super receptivo, conversou com a gente, colocou as ponderações, os pontos de vista do ministro, então nós temos feito esse debate sim junto ao governo. Apresentamos nesse momento e agora com a força que essa PEC, essa discussão tomou na sociedade nos últimos dias, a gente espera que mais campos possam se manifestar favorável a esse debate. Eu vi agora também que o líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado [José] Guimarães (PT-CE), também se pronunciou nas redes sociais, dizendo que tem apoio e indicou assinatura ao nosso texto. Esse é um debate urgente, um debate sobre cidadania e dignidade da classe trabalhadora tão massacrada nesse país. Eu tenho certeza que nós vamos conseguir construir um consenso, assim como já foi apresentado ao ministro do Trabalho, nós teremos a oportunidade de apresentar também a outros ministérios, se necessário.
P. A senhora fala de quatro dias de trabalho na semana. Eu queria que a senhora explicasse como o fim da escala de 6x1 pode acabar chegando nos quatro dias de trabalho na semana?
R. Na verdade, no texto a gente coloca essa inicial, assim como a gente sugere a mudança para 36 horas na jornada. Mas essa é uma discussão que é primária, ela está no começo. A gente não quer deixar cravado nem com relação ao horário e nem com relação a dias, nada cravado. A gente colocou ali para que essas mudanças aconteçam, para que a gente protocolasse o texto e, a partir disso, qual é a nossa intenção agora? É sentar na mesa e fazer as negociações para que se encontre um denominador comum, para que se encontre um ponto de convergência, para que se discuta. Vai ser quatro por dois, vai ser cinco por dois, quatro por três? Qual é o caminho que nós vamos percorrer? Vai ser 36 horas, 40 [horas], como outros movimentos já tinham sugerido no passado? Essa não é uma mudança cristalina que está colocada. É um ponto de partida para que, num conjunto de negociações e diálogo, nós consigamos encontrar um denominador comum.
P. Impressionante como esse tema viralizou nas últimas horas. Esse projeto foi apresentado no início do ano. Como é que a senhora viu esse viral que acabou chamando a atenção para a proposta?
R. Vi com muita alegria. Acho que essa é uma boa resposta a quem disse, depois do pleito das eleições municipais, que a esquerda tinha morrido no nosso país. Essa é uma movimentação de força que une a esquerda, que une a classe trabalhadora de um modo geral, para além de campo político, mas é encabeçada por uma agenda nossa e nos mostra que é importante reorganizar essa classe no país, que os trabalhadores estão sim precarizados, estão sim exaustos, estão sim com as suas vidas deixadas de lado para conseguirem cumprir com essa jornada. E ao verem uma proposta tão clara, tão simples e tão direta, conseguem sentir o impacto disso na sua vida, voltam a sua atenção à política e se organizam também para que essas mudanças aconteçam. Essa é uma movimentação fundamental e importante que recebemos com muito entusiasmo, de uma reorganização da classe trabalhadora, para que debates importantes como esse estejam no centro da política, estejam também na ordem do dia, para que os políticos sejam convocados a refletirem, a amadurecerem essa proposta e a encontrarem conjuntamente uma saída para esse cenário de devastação emocional, familiar, econômica e em tantos outros âmbitos que atinge a vida dos trabalhadores precarizados nesse Brasil que nesse país.
P. No Congresso tem muito deputado e senador empresário e também muito deputado e senador que recebe apoio de empresários. Como a senhora vê essa resistência dentro do Congresso em relação à proposta?
R. Acho que teremos resistências. Obviamente, essa não é uma proposta que vai passar assim, de forma muito tranquila. Mas eu acho que essa também não deve ser uma proposta para a polarização. Essa deve ser uma proposta para diálogo. Então, empresários devem ser convidados, sem sombra de dúvida alguma, para fazerem parte desse debate. Nós precisamos ouvir os empregadores. Nós precisamos olhar para todos os setores de forma abrangente, porque os setores têm as suas particularidades. Por exemplo, os setores de segurança, setores de vigilância, são outras camadas. A gente precisa aprofundar a discussão para dar conta de toda a complexidade desse debate. Então não tem como fazer isso a portas fechadas dos empresários. Por isso que nós achamos importante que, ao ser indicado um relator para esse texto, a gente tem espaço de convidar os trabalhadores, de convidar a sociedade, de convidar os empresários, convidar as bancadas partidárias para que nós possamos sentar e dizer olha, isso é possível, isso não é possível. Vamos caminhar por aqui, não vamos caminhar por ali, fazer as negociações para encontrar um caminho possível e bom para todos.