Seis anos sem Marielle: Viúva tem esperança na elucidação do assassinato
Mônica Benício pede justiça para Marielle e Anderson Gomes e lança livro que narra amor entre elas
O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes completa seis anos nesta quinta-feira (14) e uma pergunta permanece: Quem mandou matar Marielle? Os executores do crime, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, estão presos desde 2020, mas as investigações continuam.
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Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, está lançando um livro sobre a relação de amor entre elas e conversou com o SBT News sobre como se sente 2.192 dias após as mortes. Ela, que se tornou vereadora em 2020, no ano em que Marielle poderia ter sido reeleita, definiu o sentimento da família e amigos das vítimas ao chegar nesta data.
"Nós não tivemos a oportunidade sequer de viver o luto, de ter um luto que em algum momento possa ter um encerramento e se transforme em saudade. Então, é sempre um momento muito doloroso chegar próximo desta data, uma dor diária e constante, porque a gente ainda precisa reivindicar por Justiça todos os dias", disse.
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A vereadora analisa o andamento do processo na Justiça e caracteriza o crime como "sofisticado" e bem "executado".
"Mas não existe crime perfeito. Então, em nenhum momento perdi a esperança de que a gente vai chegar ao final desse caso. No último ano, depois da posse do presidente Lula e com o governo falando da importância do caso, era também um sopro de esperança. Isso também se concretizou em avanços objetivos nos casos pela Polícia Federal que nos animam a ter esperança e de acreditar que estamos enfim prestes a chegar ao desfecho dessa história", falou.
Com a vida virada do avesso depois do assassinato, Mônica ressaltou a única coisa que não mudou com o passar do tempo.
"A Monica de antes da morte da Marielle tinha perspectivas e sonhos elaborados através das minhas experiências pessoais, coisas que hoje não se encaixam e não fazem sentido na minha vida. O que a Mônica de antes e de hoje tem em comum é a certeza de que não importa o que eu faça ou como caminhe, não estou em momento nenhum sem ela", comentou.
Indignada com a demora na definição do caso, ela afirma ser "tempo demais" para um crime que mudou o país.
"Seis anos para um assassinato que abalou a democracia e que foi uma grave violação dos direitos humanos. Existe um Brasil antes do assassinato da Marielle e um Brasil depois. A Marielle, tanto na sua vida como na sua morte, faz uma ruptura na história do Brasil, e o país jamais poderá ser algo que não reverencie de alguma maneira essa memória", contou.
O próprio processo de investigação passou a ocupar um lugar central nos noticiários. A Polícia Civil teve em torno de cinco delegados responsáveis pelo caso na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No Ministério Público Estadual, pelo menos três equipes diferentes atuaram no caso durante esses anos.
Quem era Marielle Franco?
Marielle Franco era uma socióloga e ativista política que cresceu no Complexo da Maré, comunidade da zona norte do Rio de Janeiro. Filiada ao Psol, trabalhou por dez anos no gabinete do então deputado estadual Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur no governo Lula. Em 2016, foi eleita vereadora do Rio com 46.502 votos, a quinta maior votação daquela eleição. Ela tomou posse do cargo no ano seguinte.
Quem era Anderson Gomes?
Anderson Gomes tinha 39 anos quando foi assassinado com três tiros nas costas. Ele trabalhava como motorista particular e também para aplicativos de transportes.
Na época do crime, Anderson substituía o motorista oficial de Marielle Franco, afastado por causa de um acidente. Ele era casado, tinha um filho de 2 anos e morava na zona norte do Rio de Janeiro.
Como Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados?
Marielle Franco e Anderson Gomes foram vítimas de uma emboscada, na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, no centro do Rio de Janeiro.
Horas antes do crime, a vereadora participou de uma roda de conversas na Casa das Pretas, uma organização feminista negra cujo tema era mulheres negras no poder. Em seguida, ela sentou no banco traseiro do carro dirigido por Anderson Gomes, acompanhada pela assessora Fernanda Chaves em direção à sua casa na Tijuca, na zona norte da cidade.
Em um outro carro, um Cobalt Prata clonado, estavam os assassinos, próximos do local do evento aguardando a saída da vereadora. Exatamente neste momento eles começaram a perseguição.
Quando o carro onde estava Marielle parou em um sinal de trânsito na Rua Joaquim Palhares, no mesmo bairro, o Cobalt prata emparelhou, o assassino abriu o vidro traseiro e disparou pelo menos 13 vezes.
Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. Já Anderson recebeu outros três tiros pelas costas. Única sobrevivente, Fernanda foi atingida por estilhaços.
Inquérito
A investigação da Polícia Civil e do Ministério Público apontou como assassino Ronnie Lessa, um ex-PM com passagem pelo Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, o Bope. Ele é considerado um exímio atirador e ligado a integrantes do Escritório do Crime, nome dado a grupos de assassinos de aluguel formados por milicianos que atuam no Rio.
Ronnie já foi condenado por tráfico de armas e tem seu nome ligado ao jogo do bicho no Rio de Janeiro. Ele ostenta um patrimônio acima de sua renda declarada.
Outro acusado é o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, que dirigiu o carro usado no atentado. Em 2023, Élcio firmou um acordo de delação premiada e confessou sua participação no crime. Em seu depoimento, ele confirmou Ronnie Lessa como o autor dos disparos.
No fim de dezembro de 2023, Ronnie Lessa firmou seu próprio acordo de delação premiada com a Polícia Federal e assumiu ter matado Marielle e Anderson.
Ronnie indicou o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Domingos Brazão como um dos mandantes do crime. Um possível motivo seria a atuação de Marielle em questões fundiárias na zona oeste do Rio, que atrapalharia os negócios de milicianos.
Cogita-se também a hipótese da morte de Marielle ter sido encomendada em razão de sua proximidade com Marcelo Freixo, com quem Brazão teve uma série de embates desde a CPI das Milícias, em 2008. A delação de Lessa ainda não foi homologada pela justiça. Brazão nega qualquer envolvimento no crime.
Ronnie e Élcio estão presos no sistema penitenciário federal e aguardam julgamento por júri popular, ainda sem data marcada.
Cronologia do caso
- 14 de março de 2018: Marielle Franco e Anderson Gomes são assassinados.
- 15 de março de 2018: Giniton Lages assume a Delegacia de Homicídios do Rio e o caso.
- 21 de março de 2018: O MPRJ escolhe um grupo de promotores para a apuração do crime.
- 01 de setembro de 2018: Entra no caso o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ). Acontece a primeira troca de promotores do MPRJ.
- 25 de setembro de 2018: Orlando Curicica, encarcerado no Presídio Federal de Mossoró por crimes ligados à milícia, menciona o ‘Escritório do Crime’ para os investigadores. Uma testemunha cita o vereador Marcello Siciliano por suposto envolvimento na morte de Marielle. Siciliano foi preso, mas o envolvimento dele foi descartado depois.
- 11 de outubro de 2018: Investigações do MPRJ identificam biotipo do executor do crime e rastreiam novos locais por onde circulou o carro usado no crime.
- 11 de março de 2019: A primeira fase de investigações é encerrada. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são denunciados por homicídio doloso.
- 12 de março de 2019: Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa são presos no Rio de Janeiro.
- 25 de março de 2019: Giniton Lages é substituído por Daniel Rosa na Delegacia de Homicídios do Rio.
- 23 de maio de 2019: Polícia Federal aponta que foram dados depoimentos falsos para dificultar a solução dos homicídios.
- 11 de setembro de 2019: A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pede a federalização das investigações.
- 10 de março de 2020: Justiça do Rio determina que Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz sejam levados a júri popular.
- 27 de maio de 2020: Superior Tribunal de Justiça (STJ) nega a federalização das investigações.
- 17 de setembro de 2020: Delegado Daniel Rosa deixa o caso. Moisés Santana assume o lugar dele.
- 05 de julho de 2021: Terceira troca na Delegacia de Homicídios: sai Moisés Santana, entra Edson Henrique Damasceno.
- 02 de fevereiro de 2022: Quarta troca: Edson Henrique Damasceno é substituído por Alexandre Herdy.
- 30 de agosto de 2022: Supremo Tribunal Federal (STF) nega recursos das defesas de Ronnie Lessa e Élcio Vieira, e mantém decisão sobre júri popular.
- 22 de fevereiro de 2023: O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anuncia abertura de inquérito da Polícia Federal para investigar assassinatos.
- 04 de março de 2023: MP do Rio define novos promotores do caso Marielle Franco.
- julho de 2023: A delação de Élcio de Queiroz é colhida e homologada pela Justiça.
- dezembro de 2023: Ronnie Lessa firma acordo de delação premiada
Justiça por Marielle e Anderson
Para aumentar a pressão sobre as investigações, foi criado em julho de 2021 o Comitê Justiça por Marielle e Anderson. Ele é formado pelos familiares das vítimas, pela Justiça Global, Terra de Direitos, Coalizão Negra por Direitos e Anistia Internacional Brasil.
Essa visão é compartilhada por organismos internacionais, que pressionam o Brasil a solucionar o atentado. Jan Jarab, representante da ONU Direitos Humanos para a América do Sul, defende que é preciso inserir o caso em um contexto mais amplo de ataques contra defensores dos direitos humanos.
Livro “Marielle & Monica, uma história de amor e luta”
O livro é dividido em duas partes: antes e depois do dia 14 de março de 2018. Mônica abre a história contando como se conheceram. A princípio, ela escreveria o livro em um ano, mas a partir do convite da editora, o processo acabou levando seis anos e foi absorvendo outros acontecimentos de sua vida nesse período, como ter se tornado vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol e uma das vozes mais importantes do país na luta por direitos humanos e justiça social. O processo foi longo também porque, na hora de escrever, doía muito.
Mônica detalhou as dificuldade no processo de escrita e definiu o projeto como um processo de cura de luto.
"No primeiro momento, a ideia era narrar a minha história de amor com a Marielle até antes do 14 de março, mas não desenvolvi isso, não sentava para escrever e sentia muitas limitações emocionais. Não queria lidar com aquela realidade. Então, os primeiros anos de luto pela Marielle foram de negação da morte física dela. Me dediquei muito à luta por justiça sobre a figura pública dela e por muito tempo neguei que era a minha esposa que não voltaria para casa", contou.
Alcoolismo
Mônica entrou de cabeça no alcoolismo, que já tinha se revelado um problema durante seu mestrado em Arquitetura na PUC–Rio e que foi potencializado com a morte de Marielle Franco.
"Hoje entendo a importância da representatividade que ocupo nessa luta que faz parte do legado de memória dela. Isso para mim tem muita responsabilidade e acho que serve como inspiração para essa nova Mônica", comentou.
A vereadora falou do impacto arrasador do alcoolismo em seu processo de luto.
"Minha relação com o álcool era muito autodestrutiva porque entrava no objetivo de não fazer contato com a realidade e não querer lidar com isso", disse.
Esperanças renovadas
Seis anos de tristeza, angústia e ansiedade. Mas não de desistência. É dessa forma que a viúva de Marielle Franco renova as esperanças de que, com o apoio de diversos setores da sociedade civil, não será preciso passar mais um ano sem a resposta sobre “Quem mandou matar Marielle?”.
Mônica comentou que após o encerramento do caso, a luta continua.
"O Estado deve à população, aos familiares e tem que responder como compromisso com a democracia o desfecho desse caso. Hoje a minha luta também é pela construção de um mundo onde tudo que a Marielle encarnava na sua trajetória de vida possa ser valorizado, respeitado e que possa resistir nessa sociedade com segurança. Hoje pra mim é o meu desafio e minha tarefa política e pessoal", contou.