Fuga na mata, no mar e na rodovia: como foram os 50 dias da caçada aos fugitivos do presídio federal de Mossoró
Foragidos usavam ponto eletrônico para comunicação e contavam com ajuda de batedores; rede de apoio teve dinheiro do Comando Vermelho, carros, armas e roupas
A fuga de 50 dias de Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça do Presídio Federal de Mossoró (RN) teve esconderijo pago, buraco antidrones, cavernas, trocas de roupas e corte de cabelos, invasão a propriedades, barco de pesca, comboio de batedores e rota de fuga para a fronteira.
Condenados a penas de até 80 anos de prisão por crimes de homicídio, roubo, tráfico, entre outros, Tatu e Martelo — como são conhecidos — integram o Comando Vermelho do Acre. E atuavam na fronteira do Brasil com a Bolívia.
+ "Estado também é organizado, e mais do que a criminalidade", afirma André Garcia, da Senappen
Depois de organizarem uma sangrenta rebelião em presídio no Acre, em 2023, foram transferidos em janeiro de 2024 para o sistema penal federal de segurança máxima. Com seis unidades pelo país e 2,8 mil vagas, os presídios servem para isolar líderes de facções, milícias e criminosos violentos.
A fuga inédita na Penitenciária Federal de Mossoró ocorreu no dia 14 de fevereiro, madrugada entre a última noite de Carnaval e a Quarta-feira de Cinzas. Detidos em celas individuais separadas, mas vizinhas, ambos retiraram as luminárias de formato retangular das paredes e subiram no forro do presídio. Em seguida, cortaram um alambrado e seguiram a pé pela mata.
Foi a primeira fuga da história das penitenciárias federais e também o primeiro problema enfrentado por Ricardo Lewandowski no cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. No início da tarde dessa quinta-feira (4), os detentos foram encurralados em uma ponte na BR-222, em Marabá (PA), rumo ao Mato Grosso e depois para fora do Brasil. Fim da fuga e de mais uma crise do governo Lula.
Entenda: a fuga e a prisão
A caçada de 50 dias aos criminosos terminou às 13h30 dessa quinta. Rogério dirigia um veículo Jeep e foi interceptado na ponte do São Félix, em Marabá (PA). Deibson dirigia um Classic e foi preso na entrada da passagem sobre o Rio Tocantins. Em um Polo, foram presos quatro criminosos que atuavam como escolta armada.
O "comboio do crime" — como chamou Lewandowski, ao anunciar a prisão — foi interceptado por uma equipe de elite da Polícia Rodoviária Federal (PRF), acionada pela Polícia Federal (PF), que monitorava três dos oito telefones celulares que o grupo carregava. Na ação dessa quinta, 28 homens da PRF cercaram os fugitivos, detidos sem resistência.
+ Vídeo: ministro da Justiça e Segurança Pública. Ricardo Lewandowski anuncia a prisão
Mais de 500 policiais atuaram na força-tarefa montada para as buscas: PF, PRF, Polícia Penal Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Força Nacional de Segurança. No dia 29 de março, os 111 homens da Força Nacional deixaram as buscas e foi anunciado que a caçada entrava em nova fase, menos ostensiva e mais focada em ações de inteligência e monitoramento.
O que foi apreendido com o "comboio do crime"
- Fuzil e dois carregadores
- Oito celulares
- Dinheiro
- Cartão de banco
- Três carros
A PF já seguia os novos rastros dos fugitivos e da rede de apoio que os ajudou. Ao todo, 14 pessoas foram presas, uma delas, nesta semana, em uma praia badalada do Ceará, com elos com o CV. Outras seguem sob investigação.
A fuga e caça tiveram duas fases, segundo apurou o SBT News. A primeira delas, concentrada nos arredores do presídio, e que era conhecida. A outra, fora do Rio Grande do Norte e que só foi revelada após a captura.
Mossoró e Baraúna inseguras
Nos primeiros 30 dias, a fuga foi por terra e a pé, no meio de plantações de banana, em mata fechada e cavernas escuras, de difícil acesso. Foi também onde se concentraram os esforços da caçada com homens, cães, helicópteros e drones.
Nessa primeira fase, Lewandowski esteve na região duas vezes com autoridades da área de segurança e afirmou que os fugitivos estavam encurralados e que a prisão estava próxima. Foi também quando saíram as ofertas de recompensa de R$ 15 mil por informações sobre cada um e foram divulgadas as imagens de simulação de disfarces de Tatu e Martelo.
Rota marítima
A segunda fase da fuga envolveu o uso de um barco pesqueiro, a ajuda de criminosos armados e utilização de pontos eletrônicos para monitorar a polícia na rodovia.
Uma etapa de cerca de 20 dias, que os tirou do presídio no Rio Grande do Norte, via Ceará e os levou direto ao Pará, onde a rota rumo à fronteira do Brasil, em Mato Grosso, foi interrompida, na cidade de Marabá (PA).
Segundo a polícia, com ajuda de comparsas, os fugitivos chegaram na cidade de Icapuí (CE) e fugiram em um barco pesqueiro, no dia 18 de março. Por mar, cruzaram o Maranhão e o Piauí. Foram seis dias na embarcação até a Ilha de Mosqueiro, em Belém (PA), onde chegaram no dia 24, um domingo.
De lá, seguiram até pegarem os carros que estavam na rodovia BR-222, quando foram presos. Usavam no percurso pontos eletrônicos para comunicação entre eles. Além de Deibson e Rogério, outros quatro criminosos estavam como apoio e foram presos. Os celulares estavam grampeados e uma das placas dos veículos havia sido identificada. Na ponte do São Félix, em Marabá, sobre o rio Tocantins, a PF e a PRF decidiram agir.
Rogério, no Jeep, chegou a sacar o fuzil e apontá-lo para a PRF, mas foi interceptado por uma equipe da PF em um carro descaracterizado e acabou perdendo o controle. Imagens da polícia registraram a abordagem.
Rede de apoio
Em todo trajeto, os fugitivos tiveram apoio de criminosos, da facção CV e de populares. Um deles, o dono de um sítio em Baraúna (RN), cidade que fica no caminho entre Mossoró e a divisa com o Ceará. Ali, os dois ficaram oito dias em um barraco. O morador teria recebido dinheiro, mas ele nega e diz que foi coagido.
A polícia encontrou um buraco cavado no chão com cobertura de lona e galhos para enganar detectores de calor usados nos drones.
Nessa fase, foram presas também duas pessoas que ajudaram na compra de roupas para os fugitivos e outros quatro que teriam tentando entregar dois carros para eles.
A PF segue apuração sobre a rede de apoio aos fugitivos. Além dos moradores cooptados, há elementos que apontam envolvimento e financiamento da facção.