Embaixatriz do Gabão sobre abordagem policial sofrida pelo filho: "Nada justifica a violência"
O filho de Julie-Pascale Moudouté, casada com o embaixador do Gabão no Brasil, teve o pé machucado durante abordagem no Rio de Janeiro
Casada com Hervé Ingueza, embaixador do Gabão no Brasil, Julie-Pascale Moudouté disse em entrevista ao SBT que “nada justifica a violência” sofrida pelo filho, de 13 anos, e outros três amigos durante uma abordagem policial violenta no Rio de Janeiro, na última quarta-feira (3). O caso aconteceu em Ipanema, na zona sul da cidade, e foi registrado por uma câmera de segurança.
"Estou chocada. Estou tentando entender. Estou tentando encontrar uma resposta. Porque nada justifica. Como eu falei ontem, mesmo [se ele fosse] criminoso, precisaria que ele fosse ouvido. A abordagem pode ser de outra forma. O pior: eles são menores de idade. Como mãe, a reação foi de uma mãe assustada e chocada”, desabafa a embaixatriz.
Ainda de acordo com Julie-Pascale, o filho teve o pé machucado no momento da abordagem truculenta, onde, inclusive, foram dadas ordens para “levantar as genitálias”.
“Somos contra qualquer forma de violência… não necessita. Agora, a gente realmente quer Justiça pela dignidade e também pelo respeito dos direitos humanos. Nada justifica a violência”, conclui a embaixatriz.
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Cada um dos quatro meninos tem uma nacionalidade diferente — brasileiro, canadense, gabonense e burquinense — e todos moram em Brasília. Eles se conheceram na escola e viajavam sem os pais pela primeira vez. A mãe do único brasileiro do grupo contou que abordagem aconteceu no mesmo dia que eles haviam acabado de desembarcar no Rio de Janeiro.
“Eles tinham acabado de chegar no Rio. Tinham chegado naquele mesmo dia, na quarta-feira. Tinham chegado por volta de 12h. Passearam, foram curtir o dia na praia e, no fim do dia, resolveram jogar bola... Convidaram esse outro amigo [morador do prédio onde a abordagem aconteceu] e foram os cinco. Na volta, foram deixar ele na portaria do prédio... Quando eles entraram na rua, a viatura parou na calçada e abordou eles de forma bem excessiva”, detalha a servidora pública Rhaiana Rondon.
Ainda segundo Rhaiana Rondon, não havia nenhum “fator de risco” que justificasse a violência dos agentes. “Os meninos não entendiam o que eles pediam, o comando. Eles não falam muito bem português e ficaram muito assustados. São crianças. Nunca passaram por isso”, completa a mulher.
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Em Brasília, os quatro estudam em uma escola francesa e, por isso, não falam bem a língua portuguesa. Para as mães, a cor das crianças teria sido um motivo da abordagem. Apenas o brasileiro, de 14 anos, é branco. Em nota, a Polícia Militar informou que os policiais envolvidos na ação portavam câmeras corporais e que "as imagens serão analisadas para constatar se houve algum excesso por parte dos agentes".
O Itamaraty também se manifestou sobre o ocorrido:
"O Ministério das Relações Exteriores informa que recebeu, na manhã de hoje, os Embaixadores do Gabão e de Burkina Faso em Brasília, a propósito da abordagem policial a menores que são filhos de diplomatas acreditados junto ao Estado brasileiro. Na reunião, foi entregue em mãos dos Embaixadores estrangeiros nota verbal com um pedido formal de desculpas pelo lado brasileiro, e o anúncio de que o Ministério de Relações Exteriores acionará o governo do estado do Rio de Janeiro, solicitando apuração rigorosa e responsabilização adequada dos policiais envolvidos na abordagem. Nota de teor idêntico será entregue em mãos, ainda hoje, ao Embaixador do Canadá", diz a nota do órgão.
Nesta sexta-feira (5), os quatro adolescentes foram ouvidos pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O encontro foi fechado à imprensa e os membros da comissão afirmaram que vão questionar quais medidas serão tomadas e se os agentes envolvidos no episódio responderão a processo administrativo disciplinar.
“Oficiaremos a Polícia Militar, exigindo respostas claras sobre as medidas que serão adotadas. Queremos saber se os agentes envolvidos responderão a processo administrativo disciplinar e quais protocolos estão sendo aplicados para garantir a segurança das vítimas. É inaceitável que abordagens racistas ainda ocorram no Rio de Janeiro a partir das forças de segurança. Este é mais um exemplo das experiências diárias enfrentadas por jovens negros no estado”, diz a deputada Dani Monteiro, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.