O governo federal investe pouco no esporte brasileiro? Entenda
Orçamento público para atletas e projetos esportivos no país representa 0,02% do PIB, mas é tão volumoso quanto o de potências olímpicas
Rodrigo Vasconcelos
Apesar da vitória que classificou o vôlei de praia feminino do Brasil para as quartas-de-final da Olimpíada 2024, nesta segunda-feira (3), o Japão já venceu nossos atletas várias vezes nos Jogos de Paris. No judô, no skate, no surfe e até no futebol.
Nada disso é por acaso. É o lado positivo da Agência de Esporte do Japão (equivalente ao nosso Ministério do Esporte) ter feito o maior orçamento público da história do esporte no país: 240 milhões de dólares só em 2024, 716 milhões ao somar os três anos do ciclo olímpico (entre 2022 e 2024), segundo dados levantados pela imprensa japonesa.
Com esse dinheiro, o governo japonês afirma, em seu site oficial, que prioriza a inclusão de mais mulheres no esporte, e desenvolve novos talentos ao incentivar as academias para jovens atletas.
Além disso, os japoneses colhem agora os frutos das olimpíadas que sediaram em 2021. O custo final de 13 bilhões de dólares foi alvo de críticas, pois acabou 20% maior do que o valor divulgado pelo Comitê Organizador depois dos Jogos.
Além disso, o prejuízo com as olimpíadas foi inevitável diante da pandemia, já que o Japão não pôde receber turistas, e os estádios precisaram ficar vazios.
Por outro lado, ficou o legado de uma estrutura que os atletas japoneses de alto rendimento podem aproveitar por muito tempo. Para completar, o mercado do esporte no país também gera receitas na casa dos bilhões de dólares.
O que o Brasil pode fazer para reagir
No Brasil, o principal repasse federal para os protagonistas olímpicos vem do Bolsa Atleta. É um programa cujo nome diz tudo: uma bolsa federal para os atletas brasileiros de diversas modalidades.
Um levantamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) aponta que o governo federal repassou R$ 426 milhões nos três anos do ciclo olímpico de Paris (entre 2022 e 2024). Esse valor engloba todos os bolsistas, não só os atletas olímpicos.
Na delegação brasileira que foi à França, 242 atletas atualmente recebem um valor mensal, que é mais alto conforme os resultados que cada um já conquistou na carreira.
Ao se considerar a carreira completa de cada um, só quatro brasileiros que estão hoje em Paris nunca tiveram o Bolsa Atleta. A partir daí, se pode definir o total que o governo investiu nos 275 brasileiros que representam o país hoje na Olimpíada: cerca de R$ 93 milhões. Desde que foi criado, em 2005, o Bolsa Atleta teve um gasto total de R$ 1,776 bilhão.
Mas existem outros dois pilares principais do investimento federal no esporte brasileiro. O mais antigo deles vem da Lei Agnelo Piva, que reverte 2% da arrecadação das loterias federais para os comitês Olímpico e Paralímpico do Brasil. Com isso, foram mais R$ 3,3 bilhões repassados no último ciclo olímpico, sem contar o valor de 2024, que ainda não foi fechado.
Por último, temos a Lei de Incentivo ao Esporte. Basicamente, é um programa que busca empresas interessadas em financiar projetos a partir de renúncias fiscais. Para continuar a comparação do ciclo olímpico, nos últimos três anos, foram investidos cerca de R$ 1,65 bilhão. Mas, desde 2007, o valor sobe para quase R$ 5,5 bilhões, num valor doado para 8,9 mil projetos no país.
Cifras bilionárias, porque investir no esporte num país enorme como o Brasil sai caro. E a conta obviamente aumenta para o alto rendimento. Um levantamento feito pelo Wall Street Journal estima que o custo gira entre 16 e 40 mil dólares por ano para formar um nadador olímpico nos Estados Unidos, país com mais tradição no esporte olímpico.
Falta dinheiro ou gestão?
No Brasil, ao somar Bolsa Atleta com as leis de incentivo ao esporte e Agnelo Piva, o valor do orçamento público entre 2022 e 2024 é de 950 milhões de dólares. Ou seja, o governo brasileiro investe mais que o japonês.
Só que no Japão, o investimento das empresas representa mais da metade do valor que os atletas recebem. Boa parte dos recursos também são gerados pelas próprias associações de cada modalidade. Será que está aí a explicação para a vantagem japonesa no quadro de medalhas?
“Não, de forma alguma, né? E outros países que têm financiamento público bastante relevante também têm um desenvolvimento de uma performance significativa e também estão na liderança do quadro de medalhas”, explica Fernando Marinho Mezzadri, coordenador do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva, da UFPR.
De qualquer forma, a partir dos números que apresentamos aqui, é possível fazer uma crítica melhor direcionada quanto ao esporte brasileiro. Diferente do que postou nas redes sociais o apresentador Marcos Mion, dinheiro público não falta, embora o investimento represente apenas 0,02% do PIB do país.
Para o coordenador do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da Universidade Federal do Paraná, o que precisa melhorar é a gestão. Mas ele está otimista quanto ao futuro.
“Não tenho dúvida que o esporte brasileiro vai e vai evoluir cada vez mais. Primeiro que no ano passado foi aprovada uma nova lei, a Lei Geral do Esporte. O atual governo fez, aprovou, sancionou a lei, passou pelo Congresso, passou pela Câmara, deputado federal, o Senado e o governo sancionou a Lei Geral do Esporte, a Lei Geral do Esporte. Ela vai auxiliar na organização do esporte brasileiro, tanto no setor público quanto no setor privado. As entidades, então, e isso vai ser um processo evolutivo. Quanto mais organizado nós tivermos fora da prática do esporte, mais organizados entramos na gestão esportiva, mais organizados que tivemos no desenvolvimento científico do esporte. Maior resultado ele vai ter dentro das quadras, dos ginásios e em todas as áreas esportivas”, avaliou.
Outro ponto que reforça o futuro do esporte são resultados positivos, e por isso, após as vitórias, também há otimismo do lado dos atletas. Caio Bonfim acredita que a medalha de prata conquistada por ele em Paris pode mudar o cenário da marcha atlética no Brasil.
“Não só as autoridades, mas a população também vai entender que tem outros esportes, e a Olimpíada, ela é super educativa, por isso mostra esse tanto de modalidade, tanto de atletas talentosos e dedicados, que tem para onde possa olhar esse lado moral no esporte e conseguir isso. E eu sempre digo que um país bom é um que dá oportunidade, então que a gente possa dar oportunidade não só num esporte, em vários, várias modalidades”, desabafou.