Trump usa imagens do Congo para sustentar acusação de "genocídio branco" na África do Sul, diz agência
Presidente dos EUA mostrou vídeo gravado na República Democrática do Congo como se fosse da África do Sul; conteúdo foi verificado pela Reuters
SBT News
A captura de tela de um vídeo da agência Reuters, mostrado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, na última quarta-feira (21), foi gravado na República Democrática do Congo.
Trump foi destaque no noticiário internacional por ter surpreendido o chefe de estado sul-africano com o que seriam provas em vídeo que sustentariam denúncias de um suposto “genocídio branco” que estaria acontecendo no país africado (entenda mais abaixo).
"Esses são todos fazendeiros brancos que estão sendo enterrados", disse Trump.
O vídeo, publicado pela Reuters em 3 de fevereiro e posteriormente verificado pela equipe de checagem de fatos da agência de notícias, mostrava trabalhadores humanitários levantando sacos para cadáveres na cidade congolesa de Goma, na República Democrática do Congo.
A imagem foi retirada de uma filmagem da própria Reuters após batalhas mortais com rebeldes do M23, apoiados por Ruanda. Além de não haver qualquer relação com a África do Sul, o vídeo foi tirado de contexto, com alegações sem provas.
Originalmente, a imagem mostrada por Trump foi publicada pela American Thinker, revista online conservadora, em reportagem sobre conflitos e tensões raciais na África do Sul e no Congo. Não havia legenda nas imagens, apenas uma identificação de que se tratava uma "captura de tela do YouTube" com um link para uma reportagem em vídeo sobre o Congo no YouTube, que dava crédito à Reuters.
Falso “genocídio branco”
Durante encontro com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o Trump voltou a acusar o governo sul-africano de promover um "genocídio branco".
Ramaphosa negou as acusações e disse que nunca havia visto as imagens que embasariam as acusações. Ele afirmou ainda que seu governo não pratica discriminação nem confisca propriedades de brancos.
A tensão entre os dois líderes tem origem na lei de Desapropriação de Terras aprovada neste ano na África do Sul, que permite expropriações sem indenização em casos específicos, quando não há acordo.
A medida busca corrigir a desigualdade no acesso à terra: brancos representam 7% da população, mas controlam cerca de 72% das terras agrícolas.
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Trump chamou a lei de racista e acusou o governo de mirar os fazendeiros brancos, especialmente os africâneres, descendentes de colonizadores europeus que dominaram o país durante o apartheid.
A reação dos EUA incluiu a concessão de refúgio a 59 sul-africanos brancos e a expulsão do embaixador da África do Sul, após acusações de racismo contra Trump.
Elon Musk, bilionário sul-africano, também reforçou a narrativa de genocídio branco, apesar da falta de provas. A ONG Human Rights Watch criticou duramente a decisão dos EUA, afirmando que o mesmo governo tem negado asilo a milhares de refugiados negros.
Especialistas e dados oficiais indicam que não há sinais de perseguição contra brancos na África do Sul. A nova legislação prevê a compra de terras com negociação e só permite expropriação sem pagamento quando todas as tentativas de acordo fracassam.
Segundo o principal sindicato de agricultores do país, não houve casos de confisco forçado. O ministro Ronald Lamola comparou a lei ao modelo americano de domínio eminente, afirmando que ela segue padrões internacionais.
O apartheid, regime de segregação racial que durou de 1948 a 1994, concentrou o poder nas mãos dos brancos e restringiu os negros a 7% das terras. Mesmo após o fim do regime, a desigualdade no campo permaneceu.
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Hoje, mais de 80% da população é negra, mas controla apenas 4% das terras agrícolas. Dados da polícia mostram que 80% das vítimas de homicídio no país entre 2024 e 2025 foram negras, a maioria em áreas urbanas. Assim, não há indícios de genocídio contra brancos na África do Sul.