Saiba o que está por trás da acusação de “genocídio branco” feita por Trump e por que a afirmação não é real
Presidente dos EUA diz que reforma agrária na África do Sul é discriminação contra brancos; governo africano nega e fala sobre desigualdade racial
Murillo Otavio
Durante um encontro com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, na quarta-feira (21), o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, voltou a acusar a África do Sul de promover um "genocídio branco" no país.
Na ocasião, o presidente norte-americano exibiu documentários não verificados de supostas covas de fazendeiros brancos mortos no país.
Ramaphosa negou e afirmou nunca ter visto as imagens que Trump mostrava. Ele afirmou que seu governo não está promovendo políticas discriminatórias, nem confiscando terras de fazendeiros brancos.
Vale destacar que não há indícios de genocídio promovido pelo governo sul-africano contra a população branca, como alega o presidente americano.
O que está por trás da acusação de genocídio?
A origem da tensão entre os dois líderes está na lei de Desapropriação de Terras promulgada por Ramaphosa, no início deste ano, que, em alguns casos, pode ser feita sem indenização aos proprietários, para interesse público. Trata-se de uma política contra a desigualdade racial no país, de acordo com o New York Times.
Mesmo sendo 7,3% da população, os brancos sul-africanos detém 72% das terras agrícolas da África do Sul.
Donald Trump classificou a lei como racista e afirmou que ela tem como alvo os fazendeiros brancos, especialmente os africâneres — descendentes de colonizadores europeus que se estabeleceram na África do Sul. Eles têm origens alemã, francesa, inglesa e principalmente holandesa, segundo a agência de notícias Associated Press.
Historicamente, os africâneres foram uma força dominante na política da África do Sul, especialmente durante o período do apartheid.
Após a intensificação das trocas de farpas entre os presidente Trump e Ramaphosa, o governo dos EUA recebeu 59 imigrantes sul-africanos, e deu a eles status de refugiados.
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Ao recebê-los, Trump afirmou que os brancos recém chegados sofreram discriminação racial, mas sem especificar como isso aconteceu. A posição dele em relação ao assunto é endossada por Elon Musk, bilionário sul-africano que também compartilhado informações falsas em suas redes sociais sobre o mesmo tema.
A ONG Human Rights Watch classificou a medida como uma "distorção racial cruel", destacando que milhares de refugiados negros tiveram pedidos de asilo negados pelo governo americano.
Em fevereiro deste ano, Trump anunciou o corte da assistência financeira à África do Sul, alegando que o governo local estava “confiscando terras” e que “certas classes de pessoas” estavam sendo tratadas “muito mal”.
No mês seguinte, o embaixador sul-africano nos EUA foi expulso do país, acusado de “explorar questões raciais”. À época, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, compartilhou uma reportagem em que o embaixador teria dito que Trump lidera um movimento de supremacia branca.
O governo sul-africano nega que a lei - que está por trás das acusações de Trump - permita confisco arbitrário de terras e afirma que os direitos de propriedade estão protegidos. Ramaphosa declarou que a nova legislação busca equilibrar o interesse público racial com a preservação da propriedade privada.
Especialistas ouvidos pelo New York Times afirmam que não há evidências de ataques coordenados contra fazendeiros brancos na África do Sul. Segundo o principal sindicato de agricultores do país, também não há registros de confiscos forçados até o momento.
Consequências do Apartheid
O apartheid foi um regime de segregação racial implantado na África do Sul entre 1948 e 1994.
Criado pelo governo do Partido Nacional, o sistema estipulava leis que separavam brancos e negros em todos os aspectos da vida, como moradia, transporte, educação e acesso a serviços públicos.
Durante o apartheid, a minoria branca concentrava o poder político e econômico, enquanto a maioria negra era excluída e sofria com discriminação e violência.
Em 1913, ainda sob domínio colonial, o governo aprovou uma lei que restringia os sul-africanos negros a apenas 7% do território nacional, desapropriando grande parte de suas terras.
Embora a população negra tenha conquistado pequenos avanços na posse de terras nas décadas seguintes, a desigualdade na distribuição permaneceu praticamente inalterada, ainda de acordo com o New York Times.
Desde o fim do apartheid, em 1994, o governo sul-africano tem adotado medidas para redistribuir terras à população negra. No entanto, os sul-africanos brancos — que representam cerca de 7% da população — ainda dominam a posse de terras. Fazendas de propriedade de brancos ocupam cerca de metade do território da África do Sul.
De acordo com a Associated Press, dados recentes indicam que os brancos detêm três quartos das terras agrícolas de propriedade produtiva, enquanto os negros controlam apenas 4%, apesar de representarem mais de 80% da população do país.
A nova lei assinada pelo presidente Cyril Ramaphosa busca enfrentar essa desigualdade. Na prática, o governo tem adquirido terras de proprietários brancos por meio de negociações, e não por confiscos, como chegou a afirmar o ex-presidente Donald Trump. A lei permite a expropriação sem indenização apenas em casos específicos, quando as negociações para um acordo justo fracassarem.
Segundo analistas ouvidos pelo New York Times, a aplicação mais provável da lei será sobre terrenos não utilizados.
Já muitos ativistas que defendem uma reforma agrária mais radical consideram a legislação ainda insuficiente. Ronald Lamola, ministro das Relações Exteriores da África do Sul, comparou a nova norma ao conceito de domínio eminente dos Estados Unidos. Em declaração oficial, afirmou: “Nossa lei de expropriação não é excepcional”.
Quanto à violência no país, dados da South African Police Service — equivalente à Polícia Federal — indicam que, entre 2024 e 2025, 80% das vítimas de homicídio foram pessoas negras. Além disso, os números mostram que a maioria dos casos ocorre em áreas urbanas da África do Sul.
Diante disso, não há evidências que sustentem a alegação de que exista um genocídio contra a população branca no país.