Taxar super-ricos resolveria a desigualdade social? Especialistas divergem sobre o tema
No entanto, há concordância de que a tributação no Brasil deve ser mais progressiva e incidir sobre patrimônio e renda; Entenda
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, no final de fevereiro, que é necessário começar a discutir a taxação dos super-ricos em nível mundial. A declaração foi dada no encontro do G20, que reúne as maiores economias do mundo.
“Reconhecendo os avanços obtidos na última década, precisamos admitir que ainda precisamos fazer com que os bilionários do mundo paguem sua justa contribuição em impostos”, disse Haddad
O ministro afirmou que uma "tributação mínima global sobre a riqueza" poderá constituir um "'terceiro pilar’ para a cooperação tributária internacional."
Além disso, após a divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no último dia 13 de março, o coordenador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Achim Steiner disse que mesmo que o mundo esteja vivendo o momento "mais rico do que qualquer outro momento da história da humanidade, pelo menos em termos financeiros, há mais pessoas famintas, mais pessoas pobres do que há dez anos."
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Taxar grandes fortunas resolveria a desigualdade?
Os especialistas ouvidos pelo SBT News divergem quanto a eficácia do Imposto de Grandes Fortunas (IGF) na redução da desigualdade social, mas concordam que a tributação no Brasil deve ser mais progressiva e incidir sobre patrimônio e renda, ao invés de produção e consumo.
Para o economista André Galhardo, da consultoria Análise Econômica, o IGF é uma questão moral e direcionar a arrecadação com o tributo para programas de distribuição de renda teria influência direta na redução da desigualdade social. Segundo ele, caso o valor arrecado fosse investido em educação e infraestrutura urbana, por exemplo, o um impacto seria mais diluído e de longo prazo.
"Desde o teto de gastos do governo Michel Temer, agora menos com o arcabouço fiscal, o governo vem perdendo a capacidade de investir. Qualquer recurso extra que entre nos cofres públicos pode ter a nobre missão de diminuir um pouco o atraso estrutural", disse
No entanto, os advogados tributaristas entrevistados pela reportagem concordam que o imposto pode provocar uma "fuga de capital" e uma consequente redução de investimentos privados na economia, o que também impactaria na geração de empregos.
Ainda assim, eles ressaltam que é importante que a tributação do país não incida mais sobre o consumo e, sim, na renda e no patrimônio do contribuinte.
"Aquele que ganha mais, tem mais renda, precisa contribuir de forma mais assertiva", disse o tributarista Ailton Soares de Oliveira, sócio-fundador do escritório A. Soares de Oliveira Advogadas e Advogados
O especialista também acrescenta a importância da tributação dos dividendos e eventuais isenções de quem tenha maior capacidade de renda e patrimonial para reduzir a desigualdade. O economista Sergio Gobetti, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), também afirma que o Brasil precisa "acabar com as meias-entradas", ou seja, as brechas de isenção tributária que várias empresas têm no país. Ao mesmo tempo, é necessário reduzir de 34% para 24% a alíquota de impostos praticada sobre os resultados empresas. Isso tornaria o país mais competitivo e atrativo para investimentos de empresas estrangeiras.
"Privilegiar investimentos e diminuir a carga tributária sobre as atividades que gerem empregos é a mais simples saída para evitar a existência de “super-ricos” e termos, neste sentido, mais igualdade social e liberdade da grande massa trabalhadora da dependência do Estado.", disse Ailton
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Maria Carolina Sampaio, head da área tributária do GVM Advogados, trouxe exemplos de países como França, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Áustria, Grécia, Holanda, Índia, Irlanda, Islândia, Tailândia que adotaram e aboliram o IGF depois de perceberem que a "arrecadação é ínfima, perto da fuga de capital."
Ela disse que criação do tributo é uma solução simplista para desigualdade social "já que desconsidera a complexidade do sistema tributário e a interligação entre a exigência dos impostos e a produção de riquezas".
"O IGF é um ideal, taxar os muito ricos para subsidiar os mais pobres. Mas na prática, não funciona"
André não concorda com a tese de que ocasionaria fuga de capital e sua ideia de imposto não inviabilizaria a vida econômica do empresário e investidor brasileiro. Ele reitera que o imposto não resolveria o problema da desigualdade no país, mas traria mais justiça.
O que é o Imposto sobre grandes fortunas (IGF)?
O Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição federal brasileira de 1988, mas ainda não foi regulamentado. Em tese, o tributo incidiria sobre a totalidade de bens e acúmulos de capital de alguém que possui uma "grande fortuna". Ou seja, teria uma alíquota tributária específica.
No momento, tramitam no Congresso algumas propostas para o tributo e ainda não há clareza sobre qual seria a faixa de renda tributada.
Uma campanha chamada "Tributar os Super Ricos", composta por mais de 70 organizações da sociedade civil, propõe que pessoas com patrimônio superior a R$ 10 milhões paguem o IGF.
Taxação dos dividendos pode ser enviada este mês
Um dos pontos da reforma tributária do governo federal é revogar a atual isenção de imposto aos dividendos. A proposta pode ser enviada neste mês para o Congresso Nacional.
O dividendo é uma parcela de lucro que uma empresa distribui entre os seus acionistas e funciona como uma recompensa pelo investimento feito na companhia, segundo o economista Hugo Garbe, professor de Finanças e Economia do Mackenzie.
Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em dezembro, a lei que cria a taxação dos fundos offshore e exclusivos. O governo espera arrecadar quase R$ 30 bilhões até 2025 com a mudança.