Entenda a proposta de Trump para Gaza – e as reações do mundo
Presidente americano sugere transformar território palestino na "Riviera do Oriente Médio"
Patrícia Vasconcellos
A entrada principal da sede do governo americano estava mais protegida que o usual. Benjamin Netanyahu está hospedado na Blair House desde domingo (2). A casa de hóspedes da presidência dos Estados Unidos fica no mesmo quarteirão da Casa Branca e, mesmo assim, sua chegada ao local, na tarde de terça-feira (4), teve algum atraso. No horário marcado, os portões principais abriram, assim como a porta do escritório do presidente americano. Todos ficaram a postos por cerca de vinte minutos. A comitiva do premiê desembarcou sob os olhares de jornalistas do mundo que esperavam, ainda sem saber, qual seria o desfecho daquele dia.
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Todos ali sabiam que o assunto a ser tratado seria essencialmente o cessar-fogo em Gaza. O anúncio do acordo fechado foi feito nos últimos dias da administração Biden. O democrata disse que aquele era o fim de uma longa negociação e tirou para si os logros do feito que garantiu até agora o retorno de boa parte dos reféns que ainda estavam sendo mantidos pelo Hamas. Esse acordo – com que Netanyahu disse concordar – prevê três fases. A última determina a liberação de todos os reféns levados em outubro de 2023 e a retirada total das tropas israelenses para a reconstrução de Gaza. O acordo, no entanto, não fala na retirada total dos palestinos. O acordado seria uma reconstrução para que os habitantes de Gaza permaneçam na terra que, para milhares de famílias, apesar da situação atual, ainda é tida como casa.
Na coletiva de imprensa, Donald Trump foi direto. Disse que os Estados Unidos vão tomar a Faixa de Gaza e que o local será uma "riviera do Oriente Médio". Disse que o território bombardeado sem parar há um ano e quatro meses é um local de pura demolição e que as pessoas precisam viver com decência. A questão que vem de décadas, desde o fim da Guerra dos Seis Dias, é abrir aquele espaço para uma nova ocupação permanente israelense e retirar de forma definitiva quem deseja ficar.
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Todos se lembram das imagens recentes do mar de gente que tomou a costa de Gaza quando o frágil cessar-fogo entrou em vigor. As famílias saíram do sul e foram rumo ao norte, onde não há praticamente qualquer edifício de pé ou inteiro. A situação humanitária é grave, todos sabem disso. Não há água potável, energia elétrica e os recursos médicos nunca chegaram ao mínimo necessário desde o começo da nova ofensiva. Cerca de 47 mil pessoas morreram em Gaza desde outubro de 2023 e 95% dos quase dois milhões de pessoas não têm mais casa, segundo a ONU. Uma realidade reportada dia após dia e que nesta terça-feira ganhou um novo capítulo.
Se é verdade que as palavras de Donald Trump causam espanto, elas também trazem uma visão de uma nova possibilidade para um povo que some de tempos em tempos das manchetes mundiais. As crianças em Gaza continuam a nascer, os bombardeios de Israel não param de acontecer e a crise humanitária, tão discutida em salões ao redor do mundo com pessoas engravatadas, se agrava. Ao propor a criação da "Riviera do Oriente Médio", Donald Trump dá uma solução interpretada como limpeza étnica mas também sugere uma realidade que inegavelmente será de mais oportunidade à vida.
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A questão é abrir ainda mais espaço – talvez permanente – para uma nação que nunca aceitou a existência do povo vizinho e ainda ocupa a Cisjordânia militarmente. Se olhamos para trás, a solução democrata foi ideal? Biden não disse basta para os bombardeios que há meses miram a população civil de Gaza. Ambas administrações estão ao lado de Netanyahu, apesar de o líder israelense ter dito que "Trump é o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca".
Nesta quarta-feira (5), o foco é também saber o que dizem os líderes árabes. Nenhum até o momento aceitou a proposta do presidente americano. Os sauditas informaram, minutos depois do fim da coletiva, que não haverá relação diplomática com Israel se os palestinos forem retirados de Gaza de forma definitiva. O Egito, que desde o começo tem trabalhado nos acordos de paz, também não concordou ainda em receber a população vizinha.
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Nesta quarta-feira, Netanyahu tem dois encontros na capital americana. O primeiro é com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Depois, o premiê vai ao Pentágono conversar com o Secretário de Defesa, Pete Hegseth. Na noite de terça, após o evento com Trump e Netanyahu, os jornalistas que cobrem a Casa Branca se depararam com manifestantes pró-palestina que protestavam nas intermediações. Um manifestante que tentou escalar as grades que marcam o entorno da residência oficial foi detido.