Após 3 anos de Talibã, como estão os direitos das mulheres no Afeganistão?
País vive uma das piores crises humanitárias do mundo e restrições aos direitos das mulheres continuam
A atleta afegã Manizha Talash, de breaking dance, do time de refugiados foi desclassificada da recente Olimpíada de Paris de 2024 após se cobrir com uma capa que dizia “Mulheres Afegãs Livres”. A derrota da atleta, que hoje mora na Espanha, aconteceu na fase de pré-qualificação contra a atleta holandesa India Sardjoe.
Slogans ou manifestações políticas e religiosas são proibidas durante as apresentações ou pódios nos jogos.
A manifestação da atleta evidenciou a violência que acontece contra as mulheres no Afeganistão. Francirosy Campos Barbosa, antropóloga, docente e coordenadora do Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes na USP, afirma que a atitude da atleta relembra a sociedade da luta das afegãs. +Bombeiros retomam buscas por bilionário e outros cinco desaparecidos após iate afundar na Itália
“É uma atitude de encorajamento, de dizer ‘nós existimos, nós estamos aqui e vamos continuar lutando’”.
A Organização não governamental (ONG) Human Rights Watch (WRH) considera, em relatório divulgado sobre os três anos de domínio do Talibã, que o regime criou a pior crise de direitos das mulheres no mundo desde que reassumiu o controle do país em 2021.
O grupo entrou em Cabul, em 15 de agosto, e provocou a fuga do governo e o colapso da coalizão liderada pelos Estados Unidos que os havia expulsado do poder 20 anos antes. Ao longo destes três anos, os direitos fundamentais femininos foram severamente restringidos.
Desde a volta do Talibã ao poder, mulheres e meninas foram proibidas de ter acesso ao ensino superior, trabalhar em ONGs, ocupar cargos públicos ou judiciários, frequentar espaços públicos como parques e academias , viajar mais de 75 quilômetros sem a companhia de um homem da família e sair de casa sem usar a burca - vestimenta feminina que cobre todo o corpo, com uma pequena tela nos olhos para possibilitar a visão - além disso, elas também tiveram restrições de acesso à saúde.
Segundo a WRH, desde janeiro de 2024, os talibãs têm detido mulheres e jovens em Cabul e outras províncias por não respeitarem o código de vestimenta prescrito.
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De acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Afeganistão é o único país do mundo onde o acesso ao ensino secundário e superior é estritamente proibido para meninas e mulheres. Desde 2021, 1,4 milhão de meninas afegãs foram deliberadamente privadas de escolaridade.
Barbosa comenta que o relatório apresentado pela ONG evidencia como o Talibã contribuiu para a retirada sistemática de direitos das mulheres afegãs e ressalta o quanto o regime tem contribuído para a violência contra essa população. Ela salienta que sempre houve cerceamento dos direitos da mulheres no país, inclusive durante os 20 anos em que os Estados Unidos dominou o território.
“A gente sempre tem que pontuar que a colonização, que a ocupação americana, também foi danosa para o povo do Afeganistão”.
Barbosa também pontua sobre a necessidade de cooperação entre os movimentos feministas mundiais e as entidades de direitos humanos de uma perspectiva contra a colonização para que seja possível a restituição dos direitos femininos: “É olhar de fato para a realidade dessas mulheres, não para elas constituírem as pautas desse feminismo branco, mas para que constituem suas próprias pautas”.
Apoio internacional
Além do cerceamento dos direitos das mulheres, o Afeganistão também enfrenta uma das piores crises humanitárias da história. Segundo o Gabinete de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, mais da metade da população, cerca de 23 milhões de pessoas, sofrem com insegurança alimentar no país.
Apesar da administração do Talibã não ser reconhecida mundialmente, o governo conseguiu avanços diplomáticos com a China, Rússia e Doha (Catar). +Despedida de Biden, apoio a Kamala e discurso de Hilary Clinton: os destaques da Convenção Democrata
Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais na PUC-SP e pesquisador sobre a Política Internacional no Oriente Médio, afirma que esse avanço reflete a força que o grupo vem conquistando no decorrer dos anos “Ele [Talibã] é mais forte hoje do que ele era no final dos anos 90 começo dos anos 2000 que foi quando aconteceu o 11 de setembro nos Estados Unidos, [e os norte-americanos] invadiram e derrubaram o regime [no Afeganistão], e a grande prova disso é justamente essas conexões e esses reconhecimentos.”
* Com supervisão de Lucas Cyrino